O Idiota da Aldeia – Português Suave (1929-2011)

Foi apresentado ao mundo em 1929, mole, azulinho e sem filtro. O seu pai, Alfredo da Silva, e a sua mãe, Tabaqueira, dão-lhe o nome de “Português Suave”. Ele foi o primeiro português a cumprir funções tabágicas, numa altura em que não era fácil fazê-lo. Mas apesar da tenra idade e pequena estatura, ele nunca se deixou intimidar. Desde cedo tentou ombrear com os seus opositores, estrangeiros experientes e já instalados, algo lhe valeu logo a simpatia dos seus conterrâneos.

Cresceu, tornou-se num amarelo alto, já com filtro, e passou a ser muito popular entre as massas, que o encaravam como um companheiro estiloso. Milhares de pessoas não passavam um dia, uma hora, cinco minutos sem ele. O Português Suave acompanhava-os nos melhores momentos – bailaricos, jantaradas, depois do sexo – mas também fazia questão de estar presente nos maus momentos – funerais, desemprego, longas filas de espera. Para muitos, ele era o mais fiel dos amigos.

Acompanhando a sua crescente popularidade, aparecem as críticas, sobre o seu odor e sobre a má influência que exercia junto dos mais novos. Foi um período difícil da sua existência. Criou muitos inimigos, vozes que o acusavam de ser responsável pela morte de familiares. Só que ele não tinha culpa, nunca teve. Limitava-se a cumprir o propósito da sua existência, a seguir o destino que desde cedo lhe fora traçado.

Em 2001, é-lhe desferido mais um duro golpe: a pressão política de movimentos com ideiais anti-tabagistas forçam-no a abdicar do “Suave”. Felizmente só do nome, pois se o tempo o tornou rijo por fora, lá dentro, na sua essência, ele continuou a ser suave como uma brisa de Verão.

E, acima de tudo, continuou a ser Português. Nem mesmo quando foi forçado a trabalhar para um americano, um tal de Phillip Morris, ele perdeu a sua identidade. Lutou para se demarcar do pedantismo do John Player Special e da veia comercial e prostituta do Marlboro. Mas talvez a sua maior vitória tenha sido quando foi obrigado a criar uma versão mais fraca de si mesmo. Nessa altura, em vez de acatar a corrente vigente, ele decidiu apresentar-se de vermelho para agradar aos mais duros e de azul para os mais delicados. Recusou-se veementemente a ser Light pois não queria adoptar esses “estrangeirismos artificiais e amaricados”, como lhes costumava chamar. Não. O Português preferiu ser Azul, cor do mar, cor de Portugal.

O nosso Português Suave, tal como o país em que nasceu, foi-se sempre aguentando até 2011. No final desse fatídico ano, foi assassinado pelo capitalismo americano e friamente substituído por uma cópia asséptica e sem identidade: o L&M – vermelho-sangue e azul-cadáver.

Um mês depois da sua súbita partida, ainda dou por mim no café a chamar o seu nome, como se ele ainda cá estivesse. E quando me apercebo que não está, sinto um nó na garganta seguido de um vazio colossal. Adeus, velho amigo. Que descanses em paz num cinzeiro de barro celestial.

PORTUGUÊS SUAVE (1929 – 2011)