O isolamento – Mara Tomé

Muitas das minhas colegas e amigas (ou que eu considerava amigas…) achavam que era pura teimosia minha (ou anti-socialização, chamem-lhe o que quiserem) eu recusar todos os convites para ir a casa delas e levar as piolhas ou passar fins de semana fora ou sair com elas, etc. Tudo o que envolvesse ficar longe das piolhas já era complicado para mim mas levá-las comigo a ambientes estranhos para elas, pior. Basicamente, já não sabemos o que é sair ou ir algures mais longe do que a capital de distrito ou , vá, Figueira da Foz, quando muito, desde que nasceram… Primeiro por causa de todas as coisas necessárias (e eu sou bastante prática e reduzi imenso a carga a transportar), depois pelos comportamentos… Temo-nos ficado pelo básico: local onde vivemos, cidade, shoppings, praia, parques e pouco mais.

Pensemos nisto sob dois aspetos:

1º Eu e o pai acabamos mais cansados por sair e ter que vigiar as piolhas do que ficando em casa ou passeando livremente (porque , inicialmente, elas iam no carrinho – para segurança delas e nossa! – mas, com 5 anos já parece mal andarmos com aquilo às costas, o que aumentou o nosso trabalho. Consideravelmente.)

2º Entramos em total ansiedade quando as vejo mexer em quase tudo ou, pior, não terem a noção de que ali é perigoso, ali podem cair ou aquilo pode magoar…

Esta situação ainda me magoa hoje porque ainda sinto que não se compreende na totalidade o que passamos e, apesar de me dizerem que não há problema, que me ajudam, que os seus filhos também são assim-ou-assado, a verdade é que também noto um afastamento da parte dessas pessoas. “Amigos” e até mesmo familiares. Como se o autismo fosse uma doença contagiosa ou ficasse mal, perante uma sociedade abcd, lidar com alguém que tenha autismo ou não vão essas pessoas pensar que lhes vamos pedir alguma coisa. É miseravelmente triste. Estamos em pleno século XXI mas com mentalidade miudinha de século XIII.

Lamento muito mas estabeleci muito bem as minhas prioridades. E não passam por fins de semana com amigos ou afins.

Assim, tendo em conta tudo pelo que passámos, saídas para casa de amigos não fazemos. Fizemos quando as piolhas eram mais pequenas e fáceis de controlar, agora nem pensar. Detesto a palavra, mas elas são hiperativas – um dos sinais da perturbação do espectro autista – não param um minuto, sentam-se e levantam-se, mexem em tudo, correm, sobem e descem escadas, passamos o tempo a temer pela sobrevivência dos objetos expostos. Embora meiguinhas e muito amigas, é muito difícil lidar com isto e aproveitar uma saída. Em nossa casa e na dos avós maternos, só há pouco deixou de haver portas trancadas e eletrodomésticos vedados.

Aos olhos dos outros, isto pode ser tido como má-educação ou incapacidade de os pais de controlar os filhos; a verdade é que as piolhas são educadas e sozinhas aprenderam a dizer “obrigado” e a dar algo na hora se se lhes pedir e não suportam ver alguém a chorar porque vão logo fazer uma festinha e dizer “pronto, já passou”. Mas não param um minuto. Talvez esteja a ser demasiado exigente e talvez não. Não foi fácil chegar lá mas todos somos unânimes quando dizemos que é mais complicado lidar com as piolhas. Com calma e muita muita persistência, há já algum tempo que vemos pequenas coisas a encaminhar-se.

Os amigos? Os verdadeiros sabem o que e quando fazê-lo. Os outros pseudo-amigos não interessam para nada e deram zero de contributo para a evolução das piolhas.

Conclusão? Se o autismo é uma patologia que se identifica – não só mas também – pelo isolamento social, então, parece-me que estamos num ciclo vicioso: estamos isolados porque somos autistas e ficamos isolados porque somos autistas. Os verbos “ser” e “ficar” estranhamente sinónimos.


Crónica de Mara Tomé
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