O Meu Desabafo Sobre Este (Des)Governo

O dia 11 de Novembro de 2015 é já um dia histórico para Portugal. Um dia que tenho imenso orgulho de ter vivenciado. Normalmente evito expor as minhas posições políticas porque estou ciente das discussões que se podem gerar e das inimizades que as mesmas podem causar. Não me verão muitas mais vezes a escrever  sobre o Governo, ou sobre política em geral, e por isso peço que leiam este texto tendo em conta que o escrevo de acordo com aquilo que são alguns dos meus princípios e de acordo com aquilo que identifico como alguns graves problemas que o país atravessou nos últimos anos e que, infelizmente, ainda continuam por resolver. Independentemente da vossa opinião sobre o Governo, ou orientação política, estou aberto a discussões civilizadas e a criticas construtivas que podem ser feitas na caixa de comentários abaixo. Comecemos então.

Começo por dizer que estaria a ser hipócrita se dissesse que morro de amores por António Costa. Estaria a ser ainda mais hipócrita se dissesse que gosto do “Senhor Memória Selectiva” Passos Coelho ou do “Senhor das Decisões Irrevogáveis” Paulo Portas. No passado dia 4 de Outubro, não votei PS nem Bloco de Esquerda, nem PCP. Também não votei PàF. Não tenho vergonha nenhuma de assumir aqui o meu voto porque o fiz em consciência. Admito que votei LIVRE, primeiro porque estou cansado do rotativismo bipartidário que existe em Portugal há mais de 40 anos e em segundo, porque um partido novo, com ideias inovadoras no quadro político português merecia, no mínimo, ter assento parlamentar. Infelizmente não aconteceu. Fiquei triste. No entanto, pouco mais de um mês depois, estou feliz.

Feliz porque ao fim de 4 anos de austeridade e empobrecimento do país, uma coligação com o nome de “Portugal à Frente” que a única coisa que fez foi levar o país a regredir, caiu. E caiu democraticamente. Os membros do PSD e do CDS-PP bem podem apelidar o seu derrube de “golpe de estado”, de “ilegitimidade política” e de “uma vitória dos derrotados nas eleições”, mas, se consultarem o documento máximo da República Portuguesa, a Constituição de 1976, podem verificar o quão ridículo é o tipo de argumentação utilizado. Pode não ter sido o derrube mais elegante, mas foi feito dentro da legalidade, quer se goste quer não se goste.

António Costa
António Costa, do Partido Socialista

Confesso que não sei se o acordo à esquerda irá resultar e se é coisa para durar muito tempo. Espero que dure, seria bom sinal para o país. Um sinal de estabilidade e consenso. Seja como for, duvido que o acordo dos partidos de esquerda seja pior do que aquilo que este país passou nos últimos 4 anos. Neste período, assistimos ao maior aumento de impostos que há memória em Portugal, ao aumento do desemprego e da emigração das gerações mais qualificadas que já tivemos. Vi o fosso entre pobres e ricos aumentar como nunca. Podem dizer-me que diferenças entre classes sempre existiram e eu concordarei convosco. Podem dizer-me que no governo de José Sócrates e nas anteriores legislaturas já existiam muitas diferenças e eu concordarei também. Agora peço que concordem comigo quando digo que o fosso entre pobres e ricos aumentou e que muito pouco se fez para ajudar os primeiros. Aqui, mais do que questões ideológicas imperam questões de natureza humanitária. Não consigo compreender que nem todos vejam a realidade que eu presenciei nos últimos 4 anos.

Assisti a cortes salariais nas pessoas mais necessitadas. Vi mais sem-abrigos nas ruas do que alguma vez tinha visto na minha vida. Vi cortes nas pensões e nas reformas de milhares de portugueses, inclusive familiares meus. Os subsídios de férias e de Natal foram-se. Os feriados também. E para quê? Pergunto eu que vejo o meu país cada vez mais pobre.

Vi as minhas propinas aumentarem de ano para ano e vi colegas a deixarem de estudar por não ter possibilidades de as pagar. Foram muitas as notícias sobre abandono escolar e fecho de escolas. Vi muitos professores públicos ficarem sem colocação ou a serem colocados a quilómetros e quilómetros do seu local de residência. Pequenas e médias empresas a fechar, foi o pão-nosso de cada dia. O governo da coligação conseguiu ainda privatizar as poucas empresas nacionais que ainda tínhamos. Como se isso não fosse mau o suficiente, fê-lo por tuta-e-meia a amigos do governo ou a grupos económicos estrangeiros. Perdemos parte do nosso património para equilibrar contas que no fundo continuam desequilibradas.

Foi recorrente ver manifestações na televisão. Manifestações de professores, funcionários públicos, taxistas, polícias entre outras tantas profissões. Nessas manifestações contra as políticas do governo vi pessoas completamente normais levarem bastonadas da polícia enquanto pessoas pró-governo se riam alegremente em casa por não se identificarem com as suas causas e por não sentirem no pêlo, os reais efeitos da crise. Seria demasiado irónico algumas delas terem estado ontem em frente à Assembleia da República, de fato e gravata a cantar o hino nacional quando andaram quatro anos, desculpem-me a expressão, a marimbar para aqueles que mais sofreram com todos os cortes que foram feitos. Hoje, quando sentiram pela primeira vez o seu “tacho” ameaçado, já se manifestaram. Tem uma certa piada.

Ao longo dos últimos quatro anos vi, e espero não ter sido o único, filas e filas de espera nos centros de emprego e nas urgências dos hospitais públicos. Eu próprio, como não sou nenhum Tio Patinhas e como não nado em dinheiro, cheguei a estar 11 horas nas urgências para depois ser atendido mal e porcamente. Isto porquê? Porque o governo que tivemos nos últimos quatro anos, mais do que se preocupar em melhorar os serviços públicos, optou por uma estratégia de maus serviços com vista a mais privatizações. Vergonhoso.

Vergonhosos também, foram os escândalos com os bancos que tiveram como desfecho a saída impune dos culpados por roubos, corrupção, tráfico de influências e o desaparecimento de poupanças de uma vida de centenas de pessoas. Desfecho impune para os casos que foram resolvidos, porque aqueles que continuam por resolver, à velocidade a que os nossos tribunais funcionam, dificilmente se irá apurar culpados também. Mas também, quem teve uma Ministra da Justiça que não conhece a Constituição, está à espera de quê? Não há milagres.

Enquanto uns enriqueceram como nunca, outros empobreceram de igual forma. Enquanto uns passaram completamente ao lado da crise, outros sofreram todo o peso da austeridade. Enquanto alguns criminosos (sim, quem rouba não tem outro nome) ganham aos milhares sentados numa secretária outros, a trabalhar duro de manhã à noite, ganham pouco mais de 500 euros. Os que ganham milhares, são aqueles que acham que aumentar o ordenado mínimo para 600 euros até 2019 levará o país à ruína. Não os vejo assim tão indignados quando, por exemplo, há pessoas (talvez seus amigos) que até depois de estarem em prisão domiciliária por serem tão honestas, ganham 90 mil euros de pensão por mês. São aquelas coerências. Vá-se lá perceber. Estarei errado ao achar estas discrepâncias completamente injustas?

Jerónimo de Sousa
Jerónimo de Sousa, do Partido Comunista Português

Não sou comunista mas, devo admitir, que o Jerónimo de Sousa subiu muito na minha consideração nas últimas semanas. Provou que consegue ser mais do que aquele homem intransigente e antiquado que a comunicação social quer fazer dele. O que digo para o Jerónimo, digo para a Catarina Martins. Que agradável surpresa na política portuguesa. O António Costa, homem que não teve uma posição nada digna com aquilo que fez ao José Seguro (deselegante) e que pessoalmente sempre reprovei, mostrou ser um homem capaz de negociar como poucos. Embora tenha dito acima que estou farto do rotativismo bipartidário, estou contente que o PS vá para o governo. Porque o vai fazer comprometido com mais partidos de esquerda e isto, só por si, é histórico.

Ao António Costa resta agora mostrar que também é capaz de cumprir com o que prometeu, manter a coerência e, mais importante que tudo, corrigir muitos dos problemas que aqui referi e que me entristeceram enquanto português nos últimos anos. Sou a favor do direito à educação, do aumento de apoios sociais, do aumento da despesa pública, da nacionalização adequada de algumas empresas e, acima de tudo, da diminuição das desigualdades sociais. Custa-me ver que há pessoas que sejam tão insensíveis perante o sofrimento de outras, que olhem tanto para o seu próprio umbigo, que só pensem em riqueza, e já agora que tanto se fala do PAN, que façam tão mal à natureza e aos animais. Gostava de ver mudanças daqui para a frente.

Catarina Martins
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda

O Partido Socialista ainda não é governo. Temos de esperar pela decisão do Presidente da República. Um Presidente que “estudou todos os cenários possíveis” saídos das eleições e que certamente só quererá estabilidade para o seu país. Espero, sinceramente que, pela primeira vez em dois mandatos, Cavaco Silva consiga ser imparcial e estar à altura do lugar que ocupa, o de figura máxima da Nação Portuguesa. Espero que deixe quem tem de facto, maioria no parlamento, formar um governo que é totalmente legítimo de acordo com a nossa Constituição e seja dado o benefício da dúvida aos partidos de esquerda.

Se por acaso, o acordo de esquerda se vier a revelar fraco, pouco coeso e mais um factor de instabilidade para o país cá estarei para o criticar também. Não me considero refém de nenhuma ideologia ou partido e como tal, não tenho problemas em apontar o dedo seja a quem for, se achar justificado. Mais do que estar preocupado com quem tem o seu lugar assegurado no parlamento, estou preocupado com aqueles que têm o seu lugar na sociedade mais ameaçado, rebaixado e tão poucas vezes defendido. Foi por eles e por uma questão pessoal que senti necessidade de escrever este meu desabafo.