O meu intestino é uma gaja!

                Sim, escrevo aqui semanalmente as Crónicas do cocó, mas não… não irei falar de pupu. Falarei, no entanto, de gases (vantagem para o ilustre leitor? Desse lado não lhe vai cheirar a nada…). Dizem os mais espiritualistas que o intestino está ligado à mente. Testado e provado cientificamente por moi même… confirma-se a teoria.

                As nossas emoções estão sem dúvida ligadas a este órgão tão importante, talvez daí venha a expressão “fazer das tripas coração“. Mas porquê esta teoria do meu intestino ser uma gaja? Muito simples. Senão vejamos… é extremamente sensível, tem vontade própria, retrai-se quando devia fazer o que sente necessidade de fazer e finalmente, porque quando lhe pergunto se está tudo bem, diz-me que sim mas, na verdade, está tudo mal!

                Descobri há uns anos que sofro de Síndrome do Colón Irritável, que passarei a chamar de SCI porque fica muito mais estiloso e porque vou aqui detalhar o verdadeiro CSI do SCI. Como dizia eu, há uns anos atrás, tendo uns quilinhos a mais, decidi ir a uma nutricionista. Ora, não foi difícil entender que me estava a alimentar de forma completamente errada… portanto, sem dieta exagerada mas apenas com correta alimentação, perdi cerca de 10 quilos em poucos meses. Estava no meu auge, feliz da vida, até que… mudei de função no trabalho.

                Eu sou aquilo que se chama de pau mandado. Gosto de exercer a minha função com diretrizes, ou seja, dizem-me o que tenho de fazer e eu faço com todo o gosto, dou o meu melhor. Porém, nesta nova função, a responsabilidade era imensa e acabei por perceber, da pior forma, que tenho dificuldade em depender dos outros para que o trabalho apareça feito, em delegar atividades a outras pessoas (até porque de cada vez que o faço acaba por sobrar para mim na mesma e tenho o dobro do trabalho para corrigir o pupu feito), em contentar-me com coisas inacabadas e, finalmente, por ter de andar atrás de alguém para que consiga fazer o meu trabalho… odeio depender de terceiros. Confesso que em casa sou extremamente desarrumada, sou o “gajo” da casa, mas no trabalho… sou de um perfecionismo doentio.

                Posto isto, não tardou a que de repente os quilos que tinha perdido com algum sacrifício (porque claro, tive de cortar nos bolos e doces que tanto adoro) começassem a voltar. A nutricionista não queria acreditar… e eu também não! A alimentação não tinha mudado, estava a comer exatamente as mesmas coisas, a manter a rotina… porque havia o meu corpo mudado de forma tão repentina? Comecei a ter azia, refluxo, úlcera gástrica e inchaço… muito inchaço.

                Para uma gaja de 35 anos, ouvir, quase diariamente, “parabéns, estás de quantos meses?” ou “Oh… confessa, estás é grávida” e ter de responder sempre “não… são só mesmo gases!” é chato! Caro leitor, para uma gaja, nada é mais frustrante do que nem uma roupa XL disfarçar a barriga… ir às compras e tudo ficar mal, sentir a barriga permanentemente distendida e contraída, um desconforto brutal e constante. É acordar bem e ao primeiro copo de água começar a inchar como se cada inspiração me enchesse o corpo de ar. Deitava-me todas as noites como se fosse uma grávida de 6 meses. E o pior? Não há gases… quer dizer… eles estão lá, mas contidos, contrariados, presos em toda aquela frustração emocional, em toda aquela ansiedade que existe quando nos dedicamos a algo que não nos completa. Criei ficha na farmácia, experimentei toda a medicação que havia, nada funcionou… Uma vez, estava tão aflita que fui às urgências, tinha literalmente pontadas no peito. Cheguei lá… eram gases. A médica até me mandou fazer uma TAC e disse-me depois “Eu nunca vi um intestino tão distendido como o seu!”. Eram gases e… não queriam sair de modo nenhum.

                Escusado será dizer que, ao longo de três anos e com 15 quilos a mais, a autoestima fica abalada, a idade avança e não há exercício (confesso que não foi muito, odeio suar), nem cuidado alimentar que me valham. Quase tudo é inútil, a desmoralização acomoda-se e toma conta de tudo. Tentei adaptar a minha alimentação ao máximo, mas é extremamente difícil. Tentei fazer o meu próprio pão, para fugir do glúten, lactoses nem vê-las. Achei até uma lista de alimentos a evitar e outros a consumir. A lista é delirante porque o que não me faz mal ao SCI, faz-me mal à gastrite… Sofia, decide-te, ou tens azia e refluxo ou inchas que nem uma baleia… you’re choice! O SCI é de tal forma irritante que coisas saudáveis e boas que tanto adoro são as que me fazem pior, como por exemplo, melancia, morango, cereja, maçã, qualquer bolacha, frutos secos, vegetais, legumes… a lista de coisas que posso comer é… quase nula! Posso comer citrinos! Uau…venha o refluxo. O SCI é incontrolável (pelo menos para mim). Posso conseguir dominá-lo durante uns dias e ver resultados, o inchaço a diminuir mas basta um pequenino alimento que seja e vai tudo ao ar… semanas para repor aquela agressão ao meu intestino feminino.

                Bom, quando é que me caiu a ficha? Quando já aqui em Barcelona decidi ir à primeira consulta da médica de família e levar comigo uma lista de duas páginas de sintomas! Eu sei… pareço hipocondríaca mas a realidade é que (quase) todos os sintomas estão clinicamente provados. Curiosamente, a resposta que me deu (em castelhano, claro) foi “Acho que isso é emocional, algo a ver com depressão ou ansiedade”. Na altura fiquei irritada pois agora anda um pouco na moda passar atestados de patologia psicológica por tudo e um par de botas, e eu pensava para comigo “mas eu não estou deprimida. Estou feliz porque tenho a minha família comigo, estou numa cidade fantástica“. Mas depois pensei… hmmm (com a mão a coçar o queixo), mas de facto nestes últimos tempos ando desmotivada, apática, sem energia para fazer nada, só me apetece estar em frente à TV a babar, estou muito frustrada. Não era a primeira vez que me diziam isto mas, talvez por ser com aquele sotaque… caiu-me a ficha!

                Depois revivi os últimos tempos: Crises de sinusite, asma, SCI, condromalacia patelar que me fez levar uma infiltração no joelho (que dói como o catano, não sei como os jogadores da bola aguentam!), refluxo, azia, gastrite crónica, tendinites e por aí fora. Ok, poderia ser a idade, não estou a ir para nova mas… não é mesmo só a idade. Era toda aquela frustração, o facto de estar a viver em modo piloto automático, contrariada, não me sentia realizada.

                Claro que chegar a esta realização não fez milagres. Colocou-me antes outro dilema. Mas afinal, o que queres fazer da tua vida? Como te vais sentir se daqui a umas décadas olhares para trás e vires que passaste a tua vida a exercer essa função que te dá cabo do sistema nervoso? Sentes-te realizada profissionalmente? Vi a luz! Tinha de voltar a fazer aquilo que fiz durante toda a minha adolescência e que me libertava, que me acudia e acalmava os meus tormentos… escrever! Não importava se viveria da escrita (mas caso interesse a alguém, era o que mais gostava, sonho para 2016!), tinha era de escrever, de dar um pouco de mim, de libertar tudo o que estava cá dentro, libertar estas diarreias e prisões de ventre cerebrais.

                E assim foi. Fui logo em modo guloso e adquiri dois domínios, iniciei as minhas crónicas do cocó em homenagem ao meu SCI e… só não faço mais porque a função… ainda a exerço, mas, agora exerço-a com outra energia e encontrei o meu balanço, o meu equilíbrio (mas reforço, possivelmente estarei disponível em 2016, como quem não quer a coisa).

                O que é que isto tem a ver com o SCI? Tudo. Só posso dizer que depois de alguns textos, 20 centímetros de volume de barriga foram ao ar, não voltei a inchar. O peso? Está a descer, devagar, mas a descer (2 quilos em um mês de escrita… nada mau). A minha receita? Escrever um texto por dia, dá saúde e alegria… ah e quatro comprimidos diários de carvão vegetal com probiótico incluído. Este é sem dúvida um extra que me tem ajudado imenso e, caro leitor, as saudades que eu tinha dos gases… voltei a ter gases! O ar comprimido e contrariado está a sair! Só os meus cães é que olham para mim com um ar desconfiado, mas não faz mal! Aliás, meus patudos que sei que não me estão a ler porque ainda não aprenderam, mas… só têm de aceitar os meus gases como eu aceito os vossos. Aguentem-se! Eu também levo com as vossas verdadeiras bombas “Antónias” (sim, Antónia em homenagem à minha antiga professora de piano que largava umas belas bufas enquanto me ensinava o Für Elise e disfarçava com um “ai que esta casa está tão desarrumada”) e não me queixo.

                Com a minha escrita posso expor-me demasiado… talvez, mas mostro o que sou, esta sou eu, com SCI. Não teria sentido escrever se não transportasse para as minhas palavras algo de muito meu, a minha essência. Exponho as minhas fraquezas mas também as minhas forças e de ambas me orgulho, fazem parte de mim, daquilo que fui e daquilo que sou.

                Só posso dizer o seguinte… se continuar a escrever, daqui a uns meses, Sofia Vergara põe-te a pau, porque eu estou a chegar e também consigo fazer sotaques engraçados!

Concluindo a crónica do cocó desta semana…

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