O meu Pequeno Jardim – Parte 3

Eram as dificuldades que tornavam as grandes viagens extraordinárias. Conclusão tirada das grandes peças de literatura da minha infância, odes aos grandes heróis da Antiguidade, do Desespero, das Trevas e do pseudo Renascimento. De que me serviam similares pessoas exemplos sem os ter experimentado? Nada me havia preparado para similar viagem. À fome, à sede, somavam-se as mazelas de milhares de kilometros percorridos: bolhas grassavam os meus pés, distensões assolavam as fibras do meu ser (não estava sequer seguro de que as mesmas se restringiam aos meus parcos músculos…), e limitavam a sua existência, o coto substituto, utilizado como apoio, tanto para um corpo cansado, como para o desgaste mental, estava gretado e destruído pelas infiltrações.

Descobri que não havia Adamastor, tempestades ou exércitos inimigos avançando para me deter. Havia simplesmente eu, eu e a minha mente. Se a minha enorme resolução constituía a aliada inglesa durante os conflitos portugueses, o maior inimigo seria a continuada não existência. Sim, tenho noção de que este conceito é extremamente abstrato, mas tal deve-se precisamente à concomitância deste raciocínio: o “nada” é um obstáculo de longe mais difícil de ultrapassar do que qualquer outro. Não existe elemento, referências ou competitividade apenas não existe, e existe, como um peso dentro das mentes daqueles que caminham em direção à luz.

Ah… Luz… Outro conceito de uma incrível arrogância e preconceito…

Ainda assim, os passos continuaram. Percorrendo a serpente do caminho para não se sabe bem onde, porque há muito o jardim havia definhado. As trepadeiras haviam coberto o minúsculo relvado e os muros que o delimitavam, destruindo-os, o lago, alagado pela intempérie capaz de colocar qualquer agricultor português em pânico exacerbado (convenhamos que também não é preciso muito…), tinha sido invadido por uma multiplicidade de raros espécimes, entre carpas, insetos, vermes (e não apenas no sentido figurado), retirando espaço ambiental à Filosofia das minhas palavras, e à emoção, desfaçatez da minha tristeza, agora alcançada.

Esta era a razão da minha ignóbil dedicação. Não só estava só, como a minha casa havia sido perdida. Sem local, sem abrigo. Não havia justificação lógica racional capaz de consolar a mente, em si perdida, com similar disparidade emocional.

E continuava… Continuava, porque as lágrimas há muito que haviam secado, formando uma dura superfície salina sobre a minha face, uma curiosa proteção, não sabia eu se contra o ambiente, ou contra mim mesmo.

O horizonte afastava-se enquanto a terra terminava sobre a forma de areia e uma substância similar às lágrimas.

Eu nunca havia percebido as limitações dos meus silogismos.

A lógica do conhecimento não explorado. Limitado ao meu pequeno jardim, decorrente da presença do meu laguinho, onde todos os dias me sentava. Mas simultaneamente sufocava.

Nunca percebi. E agora também não percebo. Mas entendo a imensidão azul.

Talvez muito ainda haja a fazer.

ViriatoQueirogaLogoCrónica de Viriato Queiroga
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