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O Mito do Voto Racional

À luz da sociedade e da ciência atual é indubitável a existência do voto racional nas democracias ocidentais. Este constitui uma forma de comportamento definida como “alguém que quer mais X do que Y”, pelo que toma as suas decisões no sentido de optar pela opção que lhe é mais conveniente (ou que pensa que lhe trará mais vantagens), o que foi aplicado ao comportamento político, especificamente, ao comportamento de voto, por Anthony Downs e muitos outros politólogos depois dele. Todavia até que ponto este tipo de voto assume alguma importância? Duch e Stevenson (2005a) apontam que o impato médio, em toda a literatura científica por eles analisada, do voto racional (também designado como “económico”) é de cerca de 5 porcento. Sendo que os dados variam bastante de país para país e de hiato temporal em análise.

Ora, é possível considerar que o voto racional detém uma importância fulcral na decisão do voto, baseando-se nos fatores de curto prazo, como a taxa de desemprego e o desempenho da economia, é possível perceber que os eleitores, segundo, novamente Duch e Stevenson (2005a e 2005b) tendem a punir os partidos de acordo com este fator contextual. Neste sentido, a teoria de Anthony Downs (1957) An Economic Theory of Democracy parece estar correta, implicando uma alteração do voto em eleitores, puramente atentos a estas circunstâncias, e preocupados com o seu futuro, e o seu próprio ego. Ou seja, aparentemente, o comportamento racional do eleitor é demonstrado. Ou será que não?

As discussões filosóficas e sociais, com evidências empíricas, nos últimos anos, tem colocado em foco a falácia que comporta o conceito de comportamento racional dos indivíduos, no contexto da tomada de decisão económica, delimitando esta mesma possibilidade à atitude ponderada com fatores emocionais (veja-se Simons e Hawkins, 1949; Simon, 1955; Byrne e Johnson-Laird, 2009; Nozick, 1993, Ellis, 2001). De facto, os estudos psicológicos sobre as patologias parecem apontar para que o comportamento puramente racional é próprio de duas patologias distintas: a sociopatia e a psicopatia (Millon e Davis, 1998; Derefinko e Widiger, 2008; Patrick, 2007) a qual incide, no pior dos cenários em cerca de 2% da população mundial. Ou seja, apenas 2% dos indivíduos se comportará de forma plenamente racional, significando que os restantes seres humanos irão ter um comportamento influenciado pelos níveis emocionais e sociais das suas personalidades, o que é extrapolável para o nível eleitoral.

Isto implica que, a não ser no caso dos indivíduos que padecem de algum tipo de sociopatia ou psicopatia (ou, ainda, indivíduos cuja lóbulo direito do cérebro esteja separado, na totalidade do hemisfério esquerdo, o que leva necessariamente à alteração comportamental dos indivíduos, podendo levar ao comportamento racional, embora, isto mesmo constitua uma exceção), e de acordo com as pesquisas realizadas, os indivíduos não se irão comportar racionalmente, o que significa que a dimensão económica considerada em cada votante (que não padeça simultaneamente das condições previamente indicadas), será determinada pelos seus valores, de acordo com um sistema proposto em si mesmo (McKenzie, 2003), ou seja, neste caso, o valor dominante nestes eleitores será a economia, mas tal não implicará que outras razões não se interponham na opção de voto, o que poderá explicar a volatilidade de eleitores económicos apontada por Duch e Stevenson (2005a e 2005b) e Freire (2002).

Em suma, é possível constatar que a tipificação do votante racional, preconcebendo a racionalidade como condição, é extremamente limitada, precisamente porque a decisão puramente racional é muito rara, mesmo em pacientes socio e psicopatas (sendo de referenciar que tanto as sociopatias como as psicopatias tem graus de afetação: quanto mais severa, menor é a capacidade emocional, mas também mais rara a patologia será).

Tal não coloca em causa os dados apresentados, anteriormente, mas implica uma revisão urgente da concetualização dos mesmos, caso contrário, assumiremos, erroneamente, a existência de um tipo de votação com uma excessiva simplificação ao nível da resposta a inquéritos e, mesmo, da análise dos dados estatísticos, podendo, vir a alterar a natureza dos mesmos, tendo em conta a possível interpretação à luz desta perspetiva.

Esta perspetiva, encontra-se em desenvolvimento, atualmente, no contexto da Ciência Política, merecendo uma revisão, com a finalidade de avançar para um conhecimento mais apurado do votante, tendo em conta os importantes contributos dos autores analisados nesta mesma crónica.

Outras leituras:

  • Downs, A. (1957), An Economic theory of Democracy. Nova-Yorque: Harper Collins Publishers.
  • Duch, R.M., Stevenson, R., (2005b). “Context, Competence and the Economic Vote”. Manuscript available at http://www.raymondduch.com/economicvoting.
  • Duch, Raymond M. e Randy Stevenson (2005a) “Context and the Economic Vote: A Multilevel Analysis”, Oxford University Press, Oxford: http://www.upf.edu/dcpis/_pdf/duch.pdf
  • Duch, Raymond M. e Randy Stevenson (2006) “Assessing the magnitude of the economic vote over time and across nations”, Electoral Studies, 25, pp 528-547.
  • Millon, T. e R. Davis, (1998) “Ten Subtypes of Psychopathy”, in T. Millon et al.Psychopathy: Antisocial, Criminal and Violent Behavior, New York,
  • Montero, J. R., Lago, I., e Torcal, M. (orgs.) (2007), Elecciones Generales 2004, Madrid, CIS.
  • Nozick, Robert (1993). The Nature of Rationality Princeton: in Princeton University Press.