O Mundial 2014: o que está por trás da competição

A Copa ou Campeonato do Mundo FIFA de 2014 será a vigésima edição do evento e terá como país-anfitrião o Brasil. É a segunda vez que este torneio é realizado no país, depois da Copa do Mundo FIFA de 1950. A competição acontecerá entre 12 de Junho e 13 de Julho e ocorrerá pela quinta vez na América do Sul, tendo uma duração de cerca de 30 dias.

Copa-do-Mundo2014

A presidente Dilma Rousseff tem, nos seus discursos, glorificado a tradição do futebol brasileiro, tendo sublinhado que o seu país é o único a ter participado em todas as edições da Copa do Mundo e o único com cinco títulos mundiais:

“Essa será a Copa das Copas, uma Copa para ninguém esquecer. Os visitantes terão a oportunidade de conhecer o Brasil, um país multicultural e empreendedor. Um Brasil que enfrentou o desafio de acabar com a miséria e criar oportunidades para todos. Será uma grande Copa. (…) _ A presidente do Brasil Dilma Rousseff.

A seguir, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, apoiou o discurso nacionalista de Dilma Rousseff e proferiu que já era o momento da Copa voltar ao Brasil:

“(…) É justo para esse país multicultural, que vive muito o futebol. É muito bom voltar aqui. Por isso, vamos dar ao futebol o seu devido valor, no campo e fora dele. Temos que nos lembrar o que o grande humanista, Nelson Mandela, um dia disse: o desporto serve para unir as pessoas. Eu quero fazer um apelo ao povo brasileiro: vamos todos juntos, porque esta Copa do Mundo é para vocês.”_ O presidente da FIFA Joseph Blatter.

Contudo, o apelo de Blatter não tem tido o efeito desejado e o povo brasileiro não está de todo unido quando o assunto se trata do Mundial 2014. Conforme noticiado em diversos meios de comunicação social, existem duas opiniões díspares quanto à realização de eventos desportivos de grande porte no Brasil. Muito antes da bola rolar pelos doze estádios das cidades que sediarão os jogos, o Mundial 2014 já modificou o cenário político da nação, tendo culminado num clima de indignação e consequente protagonismo político fora do comum no cidadão, que através de protestos locais nas ruas do Brasil de grupos anti-copa manifesta o seu desagrado.

A opinião pública não é unânime, por um lado temos os que defendem que o Mundial 2014 poderá trazer um legado significativo e um grande lucro para o país, enquanto que, por outro temos os que contestam o evento porque acreditam que o investimento a que obriga não é sustentável e só beneficiará alguns dos envolvidos.

É inegável a visibilidade que o Brasil terá com a promoção dos mega-eventos desportivos agendados, com todos os benefícios económicos que tais eventos trarão para o pais e que envolvem obras de infra-estrutura urbana, reformas, construções de estádios, fluxos turísticos, investimentos privados e divulgação internacional do país. Os organizadores geralmente defendem que eventos, como a Copa do Mundo, desenvolvem negócios locais familiares, logo benefícios económicos superiores aos custos, e investimentos que mesmo depois de terminado o evento continuarão no país beneficiando a sua população.

A promoção de grandes eventos desportivos tem sido a estratégia de diversos países para atracção da atenção internacional. Os mega-eventos desportivos podem representar como um catalisador de aceleração do processo de investimento em áreas cruciais que já deveriam ter ocorrido. Cidades mais estruturadas/organizadas, melhores transportes públicos (afinal, dinheiro público é investido e as obras de mobilidade urbana dificilmente aconteceriam sem a ocorrência do Mundial 2014 no Brasil), investimentos em segurança, saúde e transporte, aeroportos novos ou reformados, os estádios, é claro, e uma transformação benéfica da área urbana nas áreas limítrofes, turismo em alta que poderá “aquecer” a economia, e o orgulho, que sediar a maior competição de uma só modalidade desportiva traz ao povo que a acolhe.

Contudo, há os que são contra a Copa e questionam a inversão das prioridades, nomeadamente da incoerência do Brasil ter escolas de educação básica sem as mínimas estruturas para o seu bom funcionamento e hospitais públicos que não cumprem com os seus objectivos por falta de condições. Perante este cenário, são vários os brasileiros, e já em número significativo, que se sentem revoltados, aos verem recursos avultados (últimos dados noticiados informam que o investimento já vai em cerca de oito mil milhões de euros) serem empregues num evento desta natureza em detrimento das deficiências existentes nos serviços de Saúde, Educação, Transportes, etc que permanecem sem solução. Um outro problema que o Mundial 2014 poderá originar são os chamados “elefantes brancos” ou seja, estádios novos ou remodelados que, não havendo qualquer planeamento prévio para a sua utilização no futuro, poderão ser pouco utilizados, ou mesmo inúteis, após a Copa do Mundo, gerando gastos aos seus proprietários e um grande rombo nos cofres públicos. O aumento do consumo de drogas ilícitas durante a duração do evento, o acréscimo do turismo sexual e o impacto ambiental que um evento destes tenderá a provocar são outros focos de preocupação. Os grupos anti-copa defendem que o lucro gerado pelo evento beneficiará a FIFA, as empresas envolvidas e, principalmente, os políticos (não esquecer que 2014 é ano de eleições gerais e presidenciais no Brasil) e não os brasileiros em geral, e que mesmo que venha a aumentar o turismo os problemas estruturais do país permanecerão.

Analisando as experiências anteriores de outros países que acolheram grandes mundiais, as estimativas sobre os impactos e legados positivos proporcionados pela realização de mega eventos desportivos costumam ser extremamente optimistas. Experiências anteriores revelam que os resultados desse esforço ficam muito aquém das projecções feitas tanto pelos dirigentes desportivos quanto pelas autoridades dos países sede. A tendência é para se centrar nos aspectos positivos como o aumento do turismo no pais, a criação de milhares de empregos, concluindo-se que muitos saíram beneficiados. Claro que, durante o Mundial é uma realidade inegável, pois muitas pessoas disponibilizarão as suas casas por uma renda, muitos se tornarão vendedores ambulantes, desempregados passarão a mão de obra para a construção de estádios, mas depois essas pessoas voltam à sua situação anterior. Adicionalmente, os estádios construídos para um ou dois jogos transformar-se-ão nos tais elefantes que custam milhões para manter, não sendo de todo financeiramente sustentáveis. Há, ainda, o risco de importação e exportação de doenças pouco conhecidas tanto para o país sede como para o país do adepto. Em África a passagem rápida de turistas estrangeiros deixou vírus estranhos causadores de doenças desconhecidas. Outro cenário, este bem triste, é o aumento da prostituição que aconteceu em África depois do Mundial 2010. Com o aumento de turistas estrangeiros, muitos negócios locais tendem a aumentar os preços drasticamente (como modo de prevenção o governo brasileiro lançou uma campanha designada por “Eu jogo limpo com o Turista” de modo a sensibilizar os negociantes e evitar tal panorama). Explicando melhor o problema, nesses locais os preços subiram, mas os salários da população local não acompanharam esse aumento, o que agravou a inflação. Como consequência, os níveis de criminalidade subiram em resultado dos altos níveis de desemprego depois da Copa aliado à economia inflacionada.

Outro exemplo, é o nosso país e não é o melhor, a começar pelos dez estádios construídos ou remodelados para o Euro 2004, podemos falar dos casos de Aveiro, Faro, Leiria e até mesmo o Estádio do Bessa (Boavista), como estádios que agora não têm o uso que deveriam ter. A realidade é que Portugal ainda está a pagar a factura dos estádios construídos ou renovados para a realização do Euro 2004. No total, Portugal gastou cerca de 1,1 mil milhões de euros na reforma de estádios já existentes e na construção dos novos estádios, como o de Leiria, Aveiro, Faro, Coimbra, Braga e Guimarães. Apenas quatro dos dez estádios utilizados para o evento escaparam ao investimento público por pertencerem a clubes como Benfica Sporting, Porto e Boavista. As cidades que acolheram estádios sem terem população suficiente e sem clubes organizados e representativos têm hoje problemas financeiros enormes. Resta-lhes a possibilidade de serem considerados na candidatura conjunta de Portugal e Espanha para a organização do Mundial de Futebol de 2018, mas mesmo assim teriam de sofrer alterações para preencherem os requisitos da FIFA.

Voltando a 2014, o estimado é que o Campeonato do Mundo crie perto de 48 mil postos de trabalho no sector do turismo. Segundo dados oficiais, estes novos postos de trabalho representam cerca de 38 % do estimado, que são mais de 125 mil empregos. A dúvida que fica é se estes empregos serão, a curto ou a longo prazo, uma solução para os brasileiros. Não irão a maioria das pessoas que irão ocupar estes postos de trabalho, novamente para o desemprego após o Mundial? Fica a dúvida que só poderá ser esclarecida depois da prova. Alguns poderão afirmar, e bem, que o Brasil tem turismo até dizer chega, contudo estes postos de trabalho irão ser criados para o Mundial, mas se fossem necessários antes, já teriam sido criados. Teremos realmente que esperar para ver quais serão as consequências exactas da organização de uma prova desta magnitude para um país com características tão próprias e singulares como o Brasil.

Porém, prevê-se que o Brasil enfrentará encargos elevadíssimos após a organização do evento, isto é, no ‘day-after’, ficarão encargos financeiros e custos de manutenção elevados, mesmo tendo o país, com vista à coesão económica nacional, escolhido estrategicamente “regiões menos desenvolvidas” para sediar os jogos de modo a que essas regiões cresçam economicamente e se tornem futuras atracções turistas.

O Mundial 2014

Estudos provam que sediar um torneio desportivo não faz país algum mais rico. O Brasil tirará benefícios de 2014, mas não em dinheiro. Segundo o livro Soccernomics, em termos económicos convencionais, receber a Copa não vale a pena, pois desvia o pagamento de impostos dos contribuintes destinados a outros projectos para um único mês de futebol. Em qualquer país, escolas e hospitais oferecem taxas de retorno muito melhores. Quanto mais pobre um país, mais verdadeira é essa afirmação. Os autores desse livro acreditam que o Brasil sacrificou um pouquinho do seu futuro para ter a Copa de 2014. A ver vamos.

Para evitar e amenizar as tais situações menos vantajosas do “day after” é preciso haver um planeamento prévio e investimento em incentivos ao desporto e cultura para que as estruturas criadas não caiam em desuso, é recomendável também avaliação da procura de mão de obra e serviços em longo prazo de residentes locais, por exemplo: investimentos na especialização de mão de obra, para outros fins que gerem lucro às comunidades locais estimulando o crescimento da receita e trabalho, o que possibilitará maior arrecadação de impostos que poderão ser usados para financiar as despesas básicas e adicionais e novos projectos. É preciso planear, agora e já. A Copa começa dentro de poucos dias, mas para as Olimpíadas ainda há tempo ou para a Exibição Mundial de 2020 (à qual São Paulo está disputando). Deverá ser investido muito tempo em planeamento. Pode ser inteligente fazer com que Belo Horizonte seja mais atractiva para os turistas, mas isso significa mais custos em equipamentos, como museus, que não estão ligados directamente à Copa do Mundo. Mas, para se ter um bom legado é preciso realizar actividades extras que custam dinheiro, o que será inevitável para que o investimento seja sustentável. O Mundial de 2014 deverá ser utilizado para construir algo que alimente a cadeia de negócios do turismo e criar mais postos de trabalho, promovendo o fim da miséria e a criação de oportunidades para todos como é o desejo da actual presidente do Brasil e para que um dia mais tarde se olhe para trás e se possa dizer, que sim, que todo o esforço, empenho e dinheiro gasto valeram a pena. É inegável que sediar a Copa do Mundo fará os brasileiros mais felizes, ao menos por um tempo, e deve melhorar a vida dos clubes, mas não fará o país mais rico senão houver um planeamento estratégico, bem pensado, para o futuro do investimento feito no agora presente.

Artigo de Ana Reboredo

(O texto não respeita as regras do novo acordo ortográfico)