O Natal sem Pai Natal

24 de Dezembro de 1985, as horas nunca mais passavam. Nunca mais chegava a desejada meia noite, e com ela uma cozinha inundada de presentes, como por magia. Mas nesse ano na sabedoria dos meus 6 anos eu tinha outro objectivo em mente: ver o Pai Natal.

Os meus pais sempre temeram que com a ingressão no ensino primário fosse inevitável que em conversas, me fizessem deixar de acreditar no Pai Natal. Mas eu sempre fui teimoso, e crente. Nunca deixei de acreditar, bem pelo contrário, queria provar a sua existência, e mostrar que todos estavam errados. Por isso nessa noite mais do que em qualquer ano anterior eu estava atento, eu queria ver nem que fosse uma bota (de resto como antes eu já afirmava ter visto a subir pela chaminé).

Nesse ano a entrada do Pai Natal foi estranha. Mais atento do que nunca, vi os meus familiares em movimentações esquisitas, de abre e fecha portas, não havia nada que me distraísse e vi a minha mãe a carregar presentes para a cozinha. A encenação que se seguiu foi (pelos vistos) igual aos anos anteriores. Uma bacia atirada para a cozinha causava o burburinho necessário para eu pinchar do sofá como uma flecha.

Admito que naquele momento não pensei muito mais na questão do Pai Natal, lembro-me que havia um Alfa Romeo vermelho bem forte, comandado à distância que rapidamente me fez esquecer a questão pertinente. Porém não fui para a cama sem fazer a inevitável pergunta: “O Pai Natal não existe?”

Lembro-me que o meu choque foi apenas porque não entendia a necessidade de me mentirem. Lembro-me de questionar muito a minha mãe sobre isso. Porque é que ela me mentiu e me fez andar a defender uma mentira, como se fosse verdade?

Mas será que o Pai Natal não existe?

Será que não é esse mito que nos é incutido desde cedo que nos faz querer ser melhores nesta altura? Será que não é a inocência sobre um acto altruísta, de alguém que no frio da noite distribui presentes a quem merece sem não se esquecer de ninguém, que nos faz nem que seja só nesta altura, nem que seja por momentos, pensar nos outros, querer ser melhores, mais solidários? Será que esta mentira, crente ou não crente, não revela o melhor que temos em nós?

E desenganem-se o Natal não é fazer bem aos “outros”, é a nós próprios. Prescindir de tempo para estar com a nossa família que é o mais importante, ser mais paciente, até o saber ouvir, comportamentos tão típicos desta época. São coisas que desvalorizamos mas se calhar, nem que seja só neste dia fazemos. E se calhar nem que seja só neste dia, por nós e pelos “outros”, fomos um bocadinho melhores.

É neste sentimento de entrega, goste-se ou não, concorde-se ou não, que no dia de hoje os colunistas do +opinião lhe dão as Crónicas Extra de Natal. No fundo uma forma de assinalarmos o dia, mas acima de tudo de desejar aos nossos leitores um Feliz Natal. E de alguma forma, consciente ou inconscientemente muitos prescindiram do seu tempo para que hoje lhe possam dar algumas linhas.

Porque acima de tudo o Natal é um estado de espírito, que tem o poder mágico de nos tornar pessoas melhores, crentes ou não crentes, eu queria desejar a todos os leitores e colunistas do +opinião um Bom Natal, junto da família, dos amigos, com paciência, paz e solidariedade. Princípios que devemos renovar este dia, para aplicar em todos os dias do ano.