O Presidente Marcelo vai nu

Para que serve um Marcelo? Até agora, não governou, também não é essa a sua função. Não equilibrou poderes, também não foi preciso. No fundo, não fez nada de relevante, e ainda assim, conseguiu aclamações várias às suas Marcelices.

De facto, sendo verdade que a Instituição da Presidência foi ainda mais esvaziada de conteúdo nos últimos anos, anos esses em que a governação Socrática nos atirou para uma grave crise sob os olhos impávidos e serenos de Cavaco – mais preocupado com o seu legado do que com a República a que presidia -, Marcelo tentou dar-lhe outro conteúdo, o problema foi o recheio escolhido. Até agora, toda a gente o tem elogiado, um pouco pelo contraste com o seu antecessor. Mas será que esta presidência está a ser assim tão melhor que as suas irmãs mais velhas, ou será apenas mais parra que uva?

Por incrível que pareça, Marcelo sucumbe à mesma fraqueza de Cavaco, o ego. Apesar de serem dois presidentes com comportamentos absolutamente opostos, o ego de ambos é de igual diâmetro e espessura, o que os leva invariavelmente ao exagero em busca de popularidade.

E é isso que resume a presidência de Marcelo, uma incessante e exagerada busca pela santificação política prestada pelo povo. Nada mais interessa, a não ser isso.

Marcelo é por estes dias uma espécie de “seeking attention President” que a todas as solicitações, por mais exóticas que sejam, tenta chegar.

Foi assim com as comendas, caindo na incoerência de dizer algo no fim de semana, e o seu oposto no início da mesma. Quando se predispôs a condecorar de maneira ímpar, aquilo que no seu entender o era, e no dia seguinte, fruto duma queixa, o ímpar tornou-se par, fazendo comendadores a granel.

Foi assim com a visita ao Papa, um líder seu homólogo, subalternizando Portugal quando se curvou para lhe beijar a mão. Quando o Presidente da República portuguesa se curva, não é o Marcelo crente devoto que se curva, não é o Marcelo que foi o braço armado da Igreja contra um comediante que ousou ir mais longe, somos nós, a Nação que se curva.

Foi assim com a visita a França no dia dez de Junho, no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades portuguesas. Não, não é por ter ido a França, local onde existe uma expressiva comunidade portuguesa, mas por ter insultado a língua da mesma origem, num dia também seu. Quando o líder da Nação fala em francês, num provincianismo ridículo, no dia de Camões, algo foi muito mal calculado.

E foi ainda assim com o exemplo supremo desta presidência, quando apareceu numa flash interview qual estrela da bola transpirada após uma merecida vitória futeboleira.

Como qualquer português, isto não me incomoda particularmente, afinal, todos nós sabemos o quanto a presidência é irrelevante no contexto político nacional.

O assunto ganha pertinência se tomarmos Marcelo como um objecto de estudo, numa espécie de “Ensaio sobre Marcelo”. O homem era um guerreiro, o homem não era lá muito simpático, o homem tentou acabar com a carreira de Herman José na televisão pública… e no meio de tudo isto, gozava duma impopularidade junto da maior parte da opinião pública. No entanto, hoje em dia, uma década passada de mediatismo feita, o homem é o avozinho que até os avós queriam ter, tão simpático e afectuoso ele é. O Marcelo da TVI, o Marcelo presidente, no fundo, o Marcelo anti-depressivo do povo.

Isto demonstra o poder de aparecer, um poder sublime, como sublime foi Marcelo ao longo dos anos a mudar a percepção do povo sobre a sua personalidade. E faz-nos pensar sobre os limites deste poder. Será que se dessem a Sócrates um programa semanal em horário nobre durante uma década, as pessoas esquecer-se-iam das amizades afortunadas do Zé, sim, do Zé que acaba por ser mais um lá da casa ao longo dos anos, tal é a assiduidade com que ele nos visitaria.

Voltando a Marcelo, fosse mais um igual a tantos outros, seria criticado por tudo aquilo que foi apontado neste texto, e por mais algumas Marcelices à procura de atenção mediática, mas não é, e como não é, e Marcelo sabe que não é, a cegueira voluntária inunda o nosso Portugal.

Mas ainda falta responder à questão: Para que serve um Marcelo? Diria que para diversão anti-depressiva do povo. Já não é mau.