O problema não sou eu, és tu

Ao longo do tempo todos nós nos habituámos a ouvir a frase feita do “o problema não és tu, sou eu”, quer em fins de relacionamentos difíceis, em despedimentos permaturos ou quando alguém que consideramos amigo não nos escolhe para a equipa dele. No entanto, no que ao futebol diz respeito a coisa muda de figura. Pelo menos no caso de Jorge Jesus, que, não se contentando com os pontapés na gramática, faz questão de pontapear também os clichés, dando-lhes um novo sentido.

Não é preciso andar especialmente atento aos discursos de Jesus para perceber que ele nunca é o culpado. Sem estudar psicologia a fundo não posso encarnar Freud e estatuir que a culpa é da sua mãe, ou da educação que teve. O que posso fazer é expor factos. Jorge Jesus é capaz de ser o cidadão mais inocente de Portugal. Perdendo 5-0, 10-0, ou coisa que o valha, a culpa nunca é sua. Sai sempre ileso e imaculado de tudo, não fazendo, obviamente, jus ao seu nome.

A imprensa, o relvado, os jogadores, o sócio nº32945, a menina das águas, o arbítro, o vento, tudo é desculpa para Jesus. Todos estes factores externos servem de “bode respiratório” para o seu discurso. Quando perde a culpa nunca poderá ser atríbuida à estratégia montada, ao extremo-direito adaptado a defesa-esquerdo, à falta de qualidade da defesa nas bolas paradas ou mesmo ao facto de não ter conseguido ler o adversário como queria. Não, nada disto pode passar pelo mestre da táctica. O próprio prefere desmotivar a formação do clube, ao invés de afirmar que no futuro talvez esteja aí a solução, passando uma imagem de confiança e orgulho aos jovens.

Porém, quando o oposto acontece, quando as vitórias aparecem, todos se têm de vergar ao génio de JotaJota e de lhe dar o crédito, porque caso não fosse a sua genialidade e o seu pensamento avançado, nada daquilo teria acontecido. É necessário, então, que todos se verguem a Jesus sem o questionar, não por ter resuscitado em três dias, mas por ter a sabedoria eterna de como ganhar 6-0 ao Monsanto com o Felipe Menezes a titular. Os jogadores e os adeptos também têm importância nas vitórias, algo entre os 5 e os 10%, isto em dias bons. De resto todos os louros para ele e para a sua competência.

No fim de contas o mister da pastilha, ainda nos vai continuar a brindar com a sua falta de coerência e discernimento durante mais uns tempinhos, sim, porque quem deu um voto de confiança dá mais quatro ou cinco. Não se pede a Jesus que seja humilde, não se pede que seja eloquente e mesmo competente só os adeptos do Benfica o exigirão, no entanto, só é pedido que seja coerente e corajoso o suficiente para admitir os erros quando os tem, nem sempre haverão batatais, Proenças, polícias ou jogadores em quem por a culpa, chegará o dia em que, tirando a pastilha da boca, Jorge Jesus dirá “hoje o incompetente fui eu”.

AntónioBarradasLogoCrónica de António Barradas
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