O Que Os Rapazes Querem Nas Raparigas – Carla Vieira

Na semana passada, já não me lembro bem quando, vi um vídeo de uma rapariga (cujo nome artístico é Savannah Brown) a fazer poesia artística falada, que pelos vistos era uma resposta a um outro vídeo que eu desconhecia. Podem ver o vídeo da Savannah aqui: http://www.youtube.com/watch?v=YSHnnPunShg

Este vídeo foi algo estranho. Muito bonito, mas, senti que me estava a falhar qualquer coisa em contexto. Ontem encontrei outro vídeo de resposta (de um Youtuber chamado TheThirdPew), este contendo excertos do tal vídeo original que eu desconhecia. Podem ver o vídeo aqui: http://www.youtube.com/watch?v=S7jVgjwKAoc

Então qual é este mítico vídeo do qual falo e por que é que criou tantas respostas emotivas por tantos e variados Youtubers? Ah, sim, o vídeo. O vídeo foi criado por um rapaz adolescente chamado Nash Grier, famoso por fazer vines (vídeos de seis segundos e de natureza humorística). Ora este é um rapazinho – à primeira vista – adorável. Cabelo engraçado, olhos azuis como as caganitas de um unicórnio, e super famoso. As raparigas de hoje, já se sabe, tremem dos joelhos ao verem um animal assim.

Eu até poderia estar a chamar o rapaz de animal em relação aos unicórnios e tal, mas não. Já verão porquê. Ele, em conjunto com mais um viner e um vlogger (video blogger no youtube) fizeram um vídeo de dez minutos a falar (sim, adivinharam) daquilo que os rapazes querem ver numa rapariga.

O vídeo está aqui para poderem vê-lo e perceber bem o texto que vem a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=EBkGqmqhqqI

A lista é uma daquelas listas que eu nunca pensei ver. Pior, foi feita por rapazes que devem ter moças a cair-lhes aos pés. E vai mais ou menos assim:

A rapariga tem de saber entreter o rapaz. Este é o primeiro item que os rapazes discutem, e o primeiro que eu vou discutir também. Ora vamos ver as coisas desta maneira: a que propósito é que é o dever de uma rapariga entreter o namorado ou o rapaz por quem está apaixonada ou seja lá o que for? Pelos vistos agora somos autênticas marionetas, não? “Entretém-me, escrava!” E pensar que uma pessoa pode ter um sentido de humor diferente, agora lixa-se.

Também tem de falar mais. Dizem os três que não gostam de estar a falar e só obterem resposta quando se calam. Dizem que parece uma entrevista. Sabem o que é que me parece? Parece-me que os rapazes querem mesmo é ser interrompidos a torto e a direito. E eu a pensar que isso era falta de educação. Não admira que ande para aí tanta moça bem-educada e solteira. Fossem mais rudes e arranjavam homem.

Pedem também que as raparigas sejam aquele tipo de namorada que lhes dite os horários, parafraseando “quero uma rapariga que me diga ‘hoje tens de fazer um vídeo!’” porque deus sabe que pessoas controladoras são fixes e os homens nem vestirem-se sozinhos saberiam se as mamãs ou namoradas não lhes dissessem como o fazer.

Pretendem outra panóplia de coisas, como a rapariga tem de gostar de sair, e não pode querer ficar em casa ou ser choca, e deve ser espontânea, do tipo levantar-se e querer ir dar uma volta. Deus sabe que isso é espontaneidade, e não o simples acto de ter desejos como um ser humano normal.

A rapariga que potencialmente poderá ser namorada de algum destes cromos também não pode “não saber fazer nada, tem de ter algum tipo de talento, e ambições próprias”, e de saber cozinhar. Como uma pessoa normal. Cozinhar, talentos, ambições. Simples, certo? Pode ter por exemplo a ambição própria de algum dia rapar o cabelo e deixar de depilar as pernas, mas –

Eh pá não, espera lá. Eles disseram que cabelo é super importante, cabelo naturalmente sedoso e com caracóis e coisas dessas, mas nunca sempre o mesmo estilo de cabelo! Não podemos ter sempre o cabelo esticado, por exemplo, temos de fazer tranças, ou penteados diferentes, porque sim. Acerca de cabelo, ainda, só podemos ter cabelo na cabeça, mas em todo o resto do corpo temos de ser tão peladas como bebés. Até nos braços, porque pêlos nos braços metem-lhes nojo. O que é uma afirmação super engraçada de se fazer, antes de se dizer que o melhor look numa rapariga é o look natural. Vocês sabem: sem maquilhagem, sem pêlos que aparecem naturalmente no corpo, esse tipo de coisas.

Uma coisa que me chocou um bocado a ver este vídeo (e eu digo um bocado porque entretanto vi outros vídeos que me fizeram rir) foi algo que um dos rapazes disse no meio desta conversa toda: as raparigas têm de gostar de videojogos, MAS não podem nem ser obcecadas nem saber jogar melhor que o rapaz. E logo a seguir esse mesmo homem disse “eu nem jogo videojogos”.

Okay. Okay. O quê?!

Mas, mas em que mundo é que estes três estarolas vivem, que não só a rapariga TEM de gostar de jogos, mas NÃO pode ser obcecada (daí contornando a noção de que os rapazes são, de facto, obcecados com jogos, e isto eu digo como quem lida com rapazes que de facto só pensam naquilo) nem PODE, sequer, ser MELHOR que os rapazes – porque seria equivalente a cortar-lhes o pénis e torná-los emasculados – mas também dizem isto como quem não joga sequer os jogos? Pensemos nisto por um momento. Pensemos no facto de que é impossível uma rapariga jogar pior que um rapaz que não pratica esta modalidade, e que é igualmente impossível uma rapariga não ser qualificada de “obcecada” quando em comparação com uma pessoa que nem sequer gosta de jogar videojogos. E pensando nisto o que é que podemos concluir?

Bem, eu chego à conclusão que estes marmanjos não deviam era ter filmado nada disto, e deviam apenas ter pegado nas pilinhas uns dos outros e mexido nelas a ver se se sentem bem, porque vão ficar virgens durante muito, muito tempo com este tipo de expectativas. Oh se vão.
Agora, poderíamos dizer que eu estou a falar destas crianças e é apenas a opinião deles. Toda a gente pode ter opiniões, certo? Certo. Eu digo isto muitas vezes. Não o digo, no entanto, neste caso. Estes homens não estão a dizer apenas as suas opiniões, eles estão a dizer a toda a audiência feminina que os adora, que – para eles olharem para elas – elas têm de ser um conjunto de coisas que não podem controlar, como ser carecas quando o pêlo nasce naturalmente em todo o corpo, ou terem sardas e cabelos castanhos quando geralmente só as pessoas naturalmente ruivas ou claras é que têm sardas. Sem falar no facto de que as sardas são uma reacção má do corpo ao sol, e portanto estão a idolatrar algo que significa que a rapariga não devia sequer passar tanto tempo ao sol. Mas como não pode ficar em casa, acho que no fim tudo se resolve para eles. Para nós, nem tanto.

Rapazes de quinze ou dezasseis anos que não sabem o que querem deviam tentar, pelo amor de deus, não objectificar a audiência deles desta maneira brutal e sem sentido. E não me enganam a dizer no fim do vídeo que “ser como é” é o mais importante que uma rapariga pode fazer. Eu sei que é, mas pelos vistos não é o suficiente para receber atenção destes rapazes.

Honestamente, não quereria a atenção deles nem que eu fosse exactamente aquilo que eles descrevem, mas eu tenho vinte e três anos e as raparigas que os idolatram têm catorze e quinze anos. São jovens impressionáveis, são pequenas mulheres que estão agora a ver o seu corpo mudar e são bombardeadas com revistas e filmes e artigos sobre como se tornarem mais belas, mais magras, mais perfeitas; não pela saúde ou felicidade delas, mas só e apenas para que um homem qualquer as queira foder (desculpem-me a brutidão da palavra) e depois deitá-las fora quando descobrir que elas não são de cartão e têm sentimentos e pensamentos e uma personalidade vincada.

Nós, mulheres, não somos um objecto para o prazer dos homens, não somos apenas um buraco (ou dois, ou três, porque eles nunca estão satisfeitos) onde eles se podem enfiar quando bem lhes apetecer sem pedir permissão, nem somos um brinquedo maleável que pode ser dobrado e apertado e agarrado e usado e modificado e com o qual eles se recusam a brincar porque não correspondemos à boneca com a qual eles sonham.

É triste que muitas raparigas pensem em se dobrarem todas para se acertarem com esta lista. Este tipo de pressão para com o género feminino já devia ter morrido.

Para todas as raparigas que acham que não devem fazer o bico de pato porque os rapazes acham foleiro, para todas as que não põem fotos no facebook porque têm medo que algum bacano lhes vá comentar e dizer “és feia”, para todas as jovens que não se acham o suficiente: vocês são o suficiente. São mais do que isso até. São bonitas até com os aparelhos, os caracóis que não se desembaraçam por nada, os óculos grossos e os pés grandes. Façam e sejam aquilo que quiserem fazer e ser, não deixem que uma pila alheia vos diga como se comportarem. Algumas nem valem a pena.

E para todas as almas que se sintam tentadas a comentar e dizer que os homens também sofrem este tipo de pressão e blá blá blá. Vão-se mas é lá lixar bem lixadinhos e não falem do que não sabem.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente