O que sobrou em humidade faltou em qualidade

O dia 26 de Junho de 2014 ficará marcado durante algum tempo na memória dos portugueses como o dia do adeus, anunciado diga-se, ao Mundial do Brasil. Portugal foi assim eliminado uma vez que, apesar de ter ganho ao Gana, viu o seu saldo de golos negativos afastá-los da competição. Dia negro para o país e, sobretudo, para o futebol português, mas que nos deixa a pensar, a reflectir e a debatermo-nos com tantos “ses” e dúvidas que nunca serão esclarecidas.

Durante a semana muito se escreveu, falou e debateu acerca do que correu mal no Brasil. Várias foram as temáticas abordadas e várias também foram as razões encontradas para tamanho fracasso. Contudo, e antes de se analisar todos esses factores, uma coisa é certa, todas as pessoas esperavam mais e melhor da seleção nacional. É justo dizer que em parte essa “confiança cega”, parafraseando, mais uma vez, o grande Paulo Fonseca, só era tida por culpa de Cristiano Ronaldo. As esperanças portuguesas, muito assentes na Ronaldodependência, estavam todas depositadas em Ronaldo. Isto só acontece, porque, sejamos sinceros, uma seleção que num dos grupos mais acessíveis do apuramento se vê com tremendas dificuldades para se apurar e que só o consegue em virtude de duas noites assombrosas de Cristiano, não pode ambicionar muito mais do que o que aconteceu, o único factor que permitiria, como aconteceu, acreditar-se em algo mais era a presença do, agora, melhor jogador do mundo.

Passando à frente a parte inicial das esperanças goradas, é agora tempo de analisar e escrutinar o falhanço português. Os factores que poderia enumerar são diversos, no entanto, muitos são fáceis de sintetizar e ainda mais fáceis de resumir noutros mais abrangentes. Comecemos então por falar da chegada da seleção ao Brasil. É verdade, Portugal foi das últimas seleções a chegar. Por mais que se tente negar, que Paulo Bento finque pé a esta questão, o certo é que o planeamento não foi bem feito. A habituação foi tardia em virtude do escasso tempo em solo brasileiro. Não é necessário chegar ao ponto que muitos focaram de que a seleção devia ter treinado no mesmo horário dos jogos para testar as condições em que jogaria, isso parece-me secundário, agora o facto de termos tido um planeamento débil com uma passagem desnecessária pelos Estados Unidos, isso sim, importa. A humidade e o calor excessivo tiveram a sua influência, mas aí não somos os únicos a lidar com eles, como tal, a desculpa é inválida. Ainda há quem mencione o local da concentração portuguesa no Brasil, mas aí já são preciosismos em excesso.

Todavia, nem só de factores climatéricos ou do mau planeamento em relação aos locais se baseiam os erros da seleção. O facto de Paulo Bento ter vindo admitir na entrevista que deu que apostou em jogadores que sabia de antemão que se encontravam lesionados, ou propensos a lesões se preferirem, é algo que me transcende. Para quem diz que valoriza a saúde dos jogadores e a sua carreira, o selecionador nacional acabou de dar um tiro nos pés ao afirmar isto. O facto de Portugal ter utilizado 21 dos 23 jogadores convocados é bem ilustrativo da fraca preparação e trabalho físico que houve. Aqui têm de se culpar o departamento médico. Uma lesão é coincidência, duas aceita-se, três ainda vai, agora onze, 11, o-n-z-e, são 11 lesões numa seleção que trouxe, como todas claro, 23 jogadores. É demasiado, aliás, é excessivo. Continuando no corpo técnico da seleção nacional e excluindo desde já Fernando Gomes e a ridícula renovação de Paulo Bento – assunto já debatido anteriormente – importa falar no principal responsável pela horrenda prestação portuguesa, de seu nome Paulo Jorge Gomes Bento, vulgo, “Senhor Tranquilidade”. Os erros foram vários e, mais que isso, graves. Começando na convocatória, passando pela escolha do onze, pela forma como pôs a equipa a jogar e terminando na sua postura e na sua não demissão após um desaire do qual foi o principal culpado, Paulo Bento foi terrível e cedo se perdeu nunca conseguindo encontrar o caminho certo. É sabido que a última imagem é a que fica, e se depois de um apuramento tremendamente sofrido lhe foi concedida mais uma oportunidade, agora acabou. Basta. O tempo de Paulo Bento na seleção nacional chegou ao fim e dar-lhe mais uma oportunidade poder-se-á revelar o tiro no pé.

Por fim, resta-nos falar de outros problemas. Cristiano Ronaldo. O número 7 da seleção e do Real Madrid falhou em todos os campos. Ronaldo não ofereceu à seleção o que se esperava. Se por um lado é perfeitamente compreensível visto que veio de uma época extenuante e de uma lesão grave, por outro pedia-se mais, era necessário mais. O melhor jogador da equipa das quinas falhou em diversos pontos do jogo, tais como, golos cantados, passes mal feitos, jogadas individuais excessivas e sem nexo, no campo motivacional, no entanto, Cristiano Ronaldo falhou sobretudo enquanto capitão. Cristiano não teve a atitude que um capitão tem de ter. Não é a pegar na bola e a tentar fazer tudo sozinho que se vai a algum lado, não é a ter o discurso que teve que se motiva uma equipa e não é a revoltar-se contra os companheiros de seleção em campo que se ganham jogos. Era o Mundial de Ronaldo, era este, não era mais nenhum, não havia lugar a falhanços. Este era o seu Mundial e acabou por não ser, acabou por passar completamente ao lado. Nada está perdido e muito menos a sua fantástica carreira estragada, apenas se exigia mais e melhor. Contudo, o problema do nosso capitão leva-nos a outro tão ou mais grave, o do discurso. A forma como os jogadores, a equipa técnica e a própria estrutura da seleção agiram fora de campo foi anedótica, digna de um país de terceiro mundo. Bufos, diz que disse, intrigas, foco no Cristiano, conferências de imprensa sem nexo, motivação furada e discursos de final de jogo desfasados da realidade, como foi o de Bruno Alves, são só apenas alguns dos aspectos do” jogo fora de campo” de Portugal que foi nada mais, nada menos do que horrível. Neste sector específico fomos mais do que goleados, deixámo-nos trucidar.

Agora de nada valem os “ses”. De nada vale pensar que sem a expulsão do Pepe, fruto de uma atitude infantil, não teríamos levado 4 da Alemanha, que sem a lesão do Coentrão não tínhamos empatado com os Estados Unidos ou mesmo que com a pontaria afinada do Ronaldo  teríamos ganho por 4 ao Gana. O momento agora é de reflexão, de por a mão na cabeça e pensar em tudo o que foi (mal) feito, em tudo o que há a melhorar  e de como melhorar. Que comece a renovação, o eufemismo para revolução, mas que comece. Com ou sem Paulo Bento, o caminho agora é o da Qualificação para o Euro 2016. Apesar de agora, com muitos dizem, falarmos de “barriga cheia” e de afirmarem que há 20 anos seria um feito ser qualificado para o Mundial, o certo é que esta seleção nos habituou a sonhar, desde de defesas a penaltys sem luvas, a resultados históricos contra equipas mais fortes, a defender com unhas e dentes vantagens tangenciais, tudo isto nos fez acreditar e pensar que um dia deixariamos de ser o país do “quase” e passaríamos a ser aqueles que gritam e exultam a vitória de um país. Até lá vamos fazendo o que fazemos melhor, sonhar.