“O que vem aí”
Mais austeridade vem aí. Mais cortes na saúde e educação vêm aí. Mais privatizações vêm aí. Para quê? Entre outras coisas, para fazer cumprir a promessa à Troika em como o défice das contas públicas do estado português não ultrapassa os 4,5 por cento.
Situação nacional
É num contexto desfavorável a Passos Coelho , Vítor Gaspar e Paulo Portas que as notícias da execuação orçamental surgem. São menos 3 mil milhões de euros arrecadados em impostos, e uma enorme dúvida: como irá o governo, depois de tantos cortes em sectores essenciais como educação, saúde e segurança social, conseguir obter o apenas 3% de défice nas contas públicas.
O valor obtido com impostos é de menos 8,5% do que o previsto no Orçamento rectificativo, logo o défice não baixou o esperado. No entanto, despesas com pessoal, em termos de pagamentos de salários e afins, desceu 17%. O problema registou-se mesmo com o IVA, em virtude da baixa de consumo verificada ao longo deste ano.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental já tinha afirmado, no mês passado, que face aos valores conhecidos da execução orçamental, a obtenção de um défice de 4,5% “já não parecia possível”.
Juntemos estas notícias ao discurso inflamado do “baile do Pontal”, e à anunciada concessão de exploração da RTP 1 a privados (implicando o fim da RTP 2), temos uma ruptura entre a maioria de direita com o PS. O PS vê-se assim apenas com uma opção face ao orçamento de estado para 2013: chumbá-lo.
Creio que a partir de Janeiro do próximo ano, o PS irá ter condições para governar Portugal de novo. Iremos observar uma experiência particular, nos Açores, que servirá como “laboratório de ensaio” para uma coligação entre PS e CDS. Pois é, à falta de maioria absoluta nos votos dos açorianos para um só partido, o PS terá muito possivelmente o apoio dos centristas no parlamento regional. É uma tendência registada desde os governos de Guterres: o CDS apoia o PS, com base em acordos de cedências políticas de parte a parte, e gosta de ser partido do “arco da governação”.
As sondagens de Setembro darão, certamente, o PS à frente do PSD nas sondagens. A má governação do PSD-CDS irá ditar quanto tempo de duração terá este governo.
Situação internacional
Vamos por partes. As “brincadeiras” e experiências no laboratório grego já colocam a Grécia com 99% de probabilidade de default financeiro, ou seja, incumprimento de compromissos de pagamentos com os seus inúmeros credores, e isto já depois de 85% da sua dívida pública ter sido perdoada. Ora, neste capítulo, Portugal vai bem e descer a pique no “ranking da bancarrota” (tabela que enumera os países em risco de bancarrota), elaborado e actualizado, todos os dias, pela financeira CMA Datavision.
A minha previsão aponta para uma muito provável saída de Portugal desta “famigerada” tabela, dentro de poucos meses, pois a Irlanda saiu da tabela quando tinha 32%, enquanto que Portugal, apesar de ter subido na sexta-feira, tem 44% e está em quinto, mas passou toda a semana num “apreciável” sétimo lugar.
Hoje em dia, já não sombra de dúvida que a situação portuguesa está muito dependente daquilo que sucede em Berlim ou Paris, mas acima de tudo em Atenas. Apesar de os mercados mostrarem que um default português é muito pouco provável, a situação grega quanto à sua permanência no euro lança muitas dúvidas e, assim, a vulnerabilidade apodera-se dos investidores, que não escondem o seu nervosismo face às desconhecidas consequências desta crise do euro. É que, de facto, quem viu a conferência entre a alemã Merkel e o grego Samaras em Berlim, só pode ou ignorar aquilo que lá foi dito, ou então rir à gargalhada, enquanto se retira investimentos de activos gregos.
A Eslovénia pode vir a precisar de um resgate, de valor mínimo se considerado até com o português, pois fala-se de “apenas” 300 milhões de euros para apoiar o banco NLB. Nesse país europeu, também já há plano de austeridade, em que se conta poupar cerca de 1250 milhões de euros, entre este e o ano que vem.
Certamente que haverão mais países a pedir ajuda internacional, mas no fundo a situação da zona euro joga-se a 12 de Setembro. Nesse dia, o Tribunal Constitucional alemão irá pronunciar-se acerca das várias providências cautelares interpostas contra o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e o Tratado Orçamental Europeu. Somente aí, os países da zona euro, e os mercados internacionais, poderão estar mais seguros quanto ao futuro do Euro, e a volatilidade dos investidores poderá também diminuir, pois o MEE terá 700 mil milhões de euros para financiar economias em dificuldades. E a partir do ano que vem, o Tratado Orçamental europeu irá limitar gastos e derrapagens financeiras dos estados membros (ler crónica sobre o assunto em https://maisopiniao.com/?p=2682 ).
A recuperação económica europeia, como tenho dito, só se dará quando a China tiver uma daquelas crises do capitalismo, que, por sinal, são cíclicas. Lá para 2014 ou 2015, a China começará a não ter crescimento de exportações, até porque a Rússia aderiu à Organização Mundial de Comércio, e existe assim um novo “player” no comércio internacional. Senão, observe-se um pouco o que tem sucedido com as chamadas “lojas chinesas” em Portugal. Diminuiram, face a 2011, em 25% a quantidade de lojas de artigos chineses, e as que existem têm de fazer saldos para escoar stock.
Mais: algumas lojas, como o Primark, conseguem vender roupa mais barata que as próprias lojas chinesas. Porquê? Poderiam explicar Karl Marx, ou mesmo John Manyard Keynes, que o capitalismo cria necessidades de consumo às pessoas, logo essas necessidades, vulgo consumismo, fazem aumentar lucros de quem vende produtos, logo criam aumento de preços, porque quando não se vende, a tendência é que os preços baixem. Ora, as necessidades das centenas de milhões de chineses que vivem em cidades como Pequim ou Xangai são de terem um iPod, ou de possuirem internet móvel no portátil, ou até de comprarem um Mercedes-Benz. Estas necessidades, conjugadas com a altíssima dependência de combustíveis fósseis, que são importados, fazem com que se gaste mais e se amealhe menos. Esta sequência irá prosseguir porque não há forma como parar: uma economia capitalista, como a chinesa, terá mais cedo ou mais tarde, uma grande crise que porá a sua economia em recessão, e outras lucrarão como isso, crescendo portanto.
Extraordinária análise da economia internacional. Faz-me pensar que estas situações são bem mais cíclicas do que aprece à primeria vista, sobretudo ao pessoal mais novo que ainda mal as viveu na pele.
Fica, contudo, a questão de quanto tempo poderão estes ciclos durar na actual organização económica e política mundial. Pergunto-me qual será o potencial para o surgimento de movimentos ou filosofias políticas que ameacem mudar o estado das coisas, como a Revolução Francesa, ou os movimentos do proletariado. Atenção que não estou a dizer tais coisas sejam altamente prováveis, mas tendo em conta a sua visão profunda da questão, gostaria de saber o que acha desta possibilidade.
Em todo o caso, continue a interessante crónica. Tenho aprendido bastante.
Francisco:
Muito obrigado pelas suas palavras. Nas minhas crónicas tento somente expressar a minha opinião acerca destes tempos conturbados que a sociedade ocidental vive.
Lança duas questões. Tenho a dizer que em relação à primeira questão, este ciclo económico, em que a nossa sociedade globalizada está, dura cerca de 20 anos (ciclo de Kuznets), e terá começado por volta de 2001-2002, altura em que surgiram as primeiras deslocalizações de empresas do espaço económico europeu para a China. E, por exemplo, o economista Kondratiev fala de ciclos económicos com duração de 50 anos, definindo que cada ciclo começa com prosperidade, depois vem recessão, depressão e por fim recuperação. Isto mesmo sucedeu, por exemplo na II Guerra Mundial: os “loucos anos 20” desembocam na desgraça do crash da bolsa, os anos 30 são da ascensão de Hitler e de recessão económica para vários países industrializados, a depressão toma conta desse mesmo espaço mundial (já em período de plena guerra) e, no fim da guerra, surge o plano Marshall, que faz com que a Europa se erga novamente.
Por isso, e aproveitando a deixa para abordar a sua segunda questão, que se prende com o aparecimento, ou não, de movimentos de massas que mudem o estado das “coisas”, creio que é uma grande incógnita. Mas uma revolução do proletariado parece-me, por exemplo, distante da nossa realidade, até porque a sociedade está demasiado “terciarizada” para que isso possa acontecer. Quanto a movimentos filosóficos novos que surjam, não vislumbro também novas ideias e arquétipos capazes de mudar o rumo dos acontecimentos. Acho antes que as elites estão sempre prontas para tomar a liderança e o poder quando as situações assim o exigem, logo creio ser uma questão de tempo até os “players” certos assumirem a liderança do mundo ocidental.
Não esqueçamos que a crise que vivemos se deve, entre outras coisas, à débil situação financeira da Grécia que, só com ajuda de bancos norte-americanos, é que conseguiu entrar na moeda Euro, porque se tivesse mostrado as suas contas tal e qual como eram de verdade, nunca conseguiria ter entrado na zona euro. Logo, esta crise de dívida soberana tem a ver com desconfiança de investidores e estados membros europeus ditos cumpridores, como Alemanha ou Finlândia.
Concluindo, acho que este ciclo económico está a conhecer os seus últimos tempos. Este foi o tempo do crescimento dos países chamados BRICS, mas que tem o seu fim, tal como o Brasil, que já parou de crescer e se prepara para uma contenção orçamental no próximo ano. Uma nova era chegará, mas com equilíbrio e confiança para o mundo ocidental, porque a Rússia entrou na OMC, mas a dependência que os produtos do capitalismo ocidental irá criar no mercado russo sairá caro a Putin. O crescimento e a retoma não tardarão, até porque a China exporta cada vez menos, e com isso ganharão os produtores ocidentais.
Saudações cordiais,
Nuno Araújo
Creio que compreendi bem o que disse. A noção cíclica da crise é bastante interessante. Faz-me pensar porque é que não se fala mais no assunto. Em todo o caso, a busca de soluções imediatas e a habitual “politiquice” poderão, certamente, remover tal tópico das discussões que normalmente vemos (na TV e não só).
A sua análise do futuro imediato também me elucidou bastante. Novamente, ficou-me a parecer que o fluxo de líderes e de mercados é altamente responsável pela dinâmica de riqueza e pobreza. Existe um certo limite para o crescimento e dependência de produtores em relação a produtores, e, assim, no fluxo de dinheiro de um lado para o outro. Ou pelo menos assim me parece.
A questão ideológica é mais complexa, mas eu já tinha essa noção. Mas, como disse, achei por bem perguntar a quem percebe do assunto mais que eu.
Muito orbigado por responder. Deu para aprender bastante.
Saudações,
Francisco Duarte