Quando Van Gogh, na sua infinita bondade e saudade de um passado que nunca foi verdadeiramente vivido, quis unir a sua torrencial demência criativa a outro génio de igual estirpe- Gauguin, algo de terrível aconteceu.
De génios e de loucos todos temos um pouco.
Van Gogh e Gauguin tinham muito, e não pouco, quer de génio, quer de algo que se confunde através dos tempos com a loucura mas que se torna, com o desvanecer da névoa da mortalidade e sobretudo da eterna inveja tão tipicamente humana, em autêntica mestria psicológica.
Os críticos de arte- sempre ignorantes das reais razões que movem os artistas- trataram logo de culpar Gauguin pelo suicídio e extrema debilidade mental a que Van Gogh chegou.
Será isto sério?
Será isto a verdade do que se passou?
Na hoje mítica e ridiculamente endeusada “casa amarela”, um ser com uma alma do tamanho do mundo mudou a história da pintura, da arte, entrou pelo Impressionismo adentro e transformou-o em Expressionismo, arrastando consigo um turbilhão de emoções descontínuas e de intensidade que qualquer humano desconhecia e desconhece, até hoje, seja esse humano o Zé da esquina ou o Excelentíssimo Sr. Dr. António Damásio (pelo qual nutro enorme respeito, aliás).
Cada génio tem o seu próprio Tempo de sentir, de existir, de sofrer, amar e morrer.
Gauguin tinha o seu, e não deixou nunca que Van Gogh pudesse intervir nessa área.
Será correcto, justo, criticar, atacar Gauguin, agora?
Cada um tem o seu Tempo.
E será a Natureza, e as suas forças abstractas- e não Deus, como muitos afirmam, a decidir o que foi justo, nesta vida que se esvai como areia por entre os dedos.
A Arte, essa, nunca morre.
Mesmo que nunca tenha existido, mesmo que apenas assista ao que ainda não é nascido.
Amo Van Gogh porque ele me amou também.
E respeito Gauguin, pois ele amou as trevas e as forças obscuras, de que o mundo é feito.
Seja feita (alguma) justiça através destas poucas palavras a dois monstros sagrados da pintura, da arte, da vida e da morte.
Crónica de Francisco Capelo
O Suspeito do Costume
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