Obrigado e Até Sempre Johan Cruyff (1947-2016)!

É sempre muito ingrato ter de escrever este tipo de crónicas. Hoje estava a ser um dia perfeitamente normal, até ao momento em que recebi a triste notícia do falecimento de Johan Cruyff, o lendário jogador e treinador de futebol holandês que não resistiu a um cancro do pulmão. Devido à minha idade, nunca tive a oportunidade de ver Johan brilhar num estádio de futebol ao vivo, de o ver na televisão em directo ou de ouvir um relato na rádio de um jogo onde fosse certamente brilhar mas, ainda assim, a notícia da sua morte não deixou de me fazer sentir uma certa mágoa.

Sempre ouvi falar de Cruyff. Quase sempre por boas razões e por aquilo que de muito bom deu ao meu desporto favorito, o futebol. Cresci com o meu pai a falar de Cruyff, sempre ouvi grandes histórias acerca do seu talento e inteligência e daquilo que a lenda viva era. Hoje Johan deixa o mundo dos comuns mortais, contudo, a sua história jamais será esquecida e passará de geração em geração. Estamos a falar de um dos Deuses do Futebol Mundial, um dos grandes magos que agraciaram o desporto com o seu dom e um daqueles que mais saudades irá deixar.

Nascido a 25 de Abril de 1947, o outrora filho da senhora responsável pelas limpezas do balneário do Ajax de Amesterdão viria a tornar-se o maior ícone desse mesmo clube, uma lenda do seu país e um dos grandes responsáveis pela ascensão de um clube como o FC Barcelona. Em suma, um dos grandes atletas do desporto mundial. Inteligente na forma como jogava e pensava o jogo, é hoje considerado um dos grandes pensadores do futebol, não só pela forma como revolucionou o desporto enquanto jogador mas também enquanto treinador. Foi a grande vedeta de uma das maiores equipas e gerações de sempre que o desporto-rei já viu, a famosa “Laranja Mecânica”.

A selecção holandesa que brilhou nos mundiais de 74 e 78 com o chamado “futebol total” ou o “carrossel holandês”, que mesmo conquistando o público do futebol mundial nunca conseguiu títulos. No mundial de 1974, o “maestro” Cruyff liderou a orquestra do seu país à final da maior e mais difícil prova deste desporto, mas acabou por perder por 2-1 com a República Federal da Alemanha do “Kaiser” Frank Beckenbauer, outro jogador igualmente lendário. No Europeu de 76 a mítica selecção laranja conseguiu um honroso terceiro lugar. Na qualificação para o Mundial seguinte, o de 1978, a grande equipa holandesa foi novamente liderada por Cruyff até à competição, mas este decidiu não participar no grande torneio. A equipa estava tão bem oleada que chegou de novo à final, mesmo sem a sua grande estrela, acabando por perder mais uma vez. Desta feita com a Argentina, a anfitriã do Campeonato do Mundo. Talvez se Cruyff lá estivesse a Holanda pudesse vencer o seu primeiro e único Mundial. Nunca saberemos.

As versões mais badaladas diziam que os reais motivos pela sua renúncia à seleção na altura do torneio foram os seus ideais e as suas fortes convicções contra a ditadura militar de Jorge Videla, que se fazia sentir na Argentina. Numa entrevista, em 2010, Johan desmentiu essa versão e contou que poucos meses antes da competição foi assaltado na sua casa em Barcelona onde estava com a sua família. Um assalto que colocou a sua vida e a dos seus familiares em risco e que o levou a questionar se queria continuar na alta rota do futebol e a ser vigiado por polícia e seguranças diariamente quando valores mais importantes de levantavam.

Enquanto jogador é inegável que foi brilhante. Era rápido, inteligente, jogava bem com os dois pés e conduzia a bola com a parte de dentro e de fora de ambos, rematava de forma formidável, protegia a bola e driblava como só os predestinados sabem fazer. Tacticamente era do mais evoluído que o futebol já viu, isto numa altura em que os métodos de treino ainda estavam pouco desenvolvidos, sobretudo comparados com os dos dias de hoje, e onde a táctica era muitas vezes desprezada. Incutia na equipa o ritmo de jogo que queria. Em inteligência nem se fala. A inteligência acima da média foi mesmo um dos factores que o tornou melhor que os demais, tanto enquanto jogador como treinador. Era um estratega dentro e fora das quatro linhas e por isso fora tão ganhador.

Liderado pelo histórico treinador Rinus Michels, que lhe terá incutido o estilo de jogo e forma de entender o futebol que iria, ele próprio, aplicar aos seus jogadores, Cruyff conquistou praticamente tudo o que havia para ganhar. Pelo Ajax, clube no qual se estreou com apenas 17 anos, venceu 8 campeonatos nacionais da Holanda e, imagine-se, três vezes consecutivas campeão europeu. Um feito notável. Venceu ainda a Taça da Holanda por cinco ocasiões e a Taça Intercontinental em 1972 contra o Independiente da Argentina. Ao serviço do Ajax foi eleito duas vezes o melhor futebolista do mundo, vencendo então a Bola de Ouro em 1971 e 1973.

No Barcelona juntou-se de novo a Michels que saíra do Ajax após a primeira grande conquista europeia. Na Catalunha e enquanto jogador, o acto de vencer nem sempre foi uma constante. Conseguiu com que o clube fosse campeão ao fim de 14 anos, foi considerado o melhor jogador a actuar em Espanha e outra vez, o melhor do mundo. A terceira vez na sua carreira e o primeiro jogador da história a conseguir tal feito. Apenas mais um dos notáveis da sua inigualável carreira. A nível de títulos nacionais, apenas conseguiu um em 1974 e uma taça em 1978, perdendo vários para o grande rival, o Real Madrid. Nem por isso deixou de encantar o mundo do futebol.

Mais tarde e após um curto período de reforma futebolística, Johan Cryuff voltou a jogar. Fê-lo nos Estados Unidos da América em diversos clubes. A escolha por um país onde o futebol não tinha tanta competitividade e fama foi justificado pela paz encontrada no anonimato para si e para a sua família e para a recuperação de algum dinheiro perdido em negócios mal sucedidos após a sua breve saída do futebol. A sua passagem pelas terras do Tio Sam foi discreta dentro dos relvados e houve algumas polémicas com treinadores dos clubes onde jogou. A lenda holandesa corrigia muitas vezes a estratégia implementada pelos seus superiores e gritava muito com os seus companheiros de equipa. Ele era um sábio do desporto, lá saberia do que falava…

Saiu dos EUA para regressar a Espanha. Desta feita para jogar no humilde Levante, que actuava no segundo escalão do futebol espanhol. A passagem foi breve e depressa regressou ao Ajax, já veterano e fustigado por lesões. A sua última estadia enquanto jogador em Amesterdão voltou a ser óptima, conquistando a Liga duas vezes em dois anos e a taça mais uma vez.

Infelizmente para ele e para os adeptos do Ajax, a saída não foi a mais bonita que poderia ter. Discussões com a direcção acerca da sua idade e os altos valores do salário fizeram com que saísse. Logo para o rival do Ajax, o Feyenoord. Na cidade de Roterdão, conquistou o campeonato no seu último ano enquanto futebolista e a taça da Holanda também. A Federação Internacional da História e Estatística do Futebol (IFFHS) considerou-o o 2º melhor jogador de sempre, apenas atrás de Pelé e à frente de Diego Maradona, considerando-o portanto, o melhor jogador europeu de sempre. Haverá de certeza quem o considere “o melhor de todos os tempos”, sendo sempre subjectiva, tal afirmação. Indiscutível parece ser o seu lugar junto dos melhores.

A sua inteligência pedia que ensinasse aos outros aquilo que fazia nos relvados. Tornar-se-ia treinador. Um treinador ganhador, claro está. Como treinador voltou a representar o Ajax e o Barcelona. Venceu, entre outros títulos, a Taça das Taças pelo clube holandês, quatro campeonatos seguidos pelo clube espanhol e ainda a primeira Liga dos Campeões da história dos Blaugrana.

Treinou alguns dos melhores futebolistas do mundo como Gullit, Rijkaard, Van Basten, Hagi, M. Laudrup, Stoichkov, Lineker ou Romário entre outros. Romário considerou-o o melhor treinador que teve mesmo apesar dos seus feitios chocarem com frequência. O seu estilo de jogo perdurou no clube da Catalunha que ainda hoje aplica a mesma ideologia a todos os jovens da sua Academia, a La Masia que passa, obviamente, para a equipa principal e que teve o expoente máximo com Pep Guardiola.

Johan era um homem de ideias fixas. Gostava de vencer e muitas vezes colidiu de frente com os seus jogadores e presidentes. Há quem diga que era um verdadeiro génio. E tal como a maioria das pessoas consideradas geniais, era incompreendido por aqueles que o rodeavam. Estava muito à frente na sua forma de pensar o desporto em questão. Foi por isso que tanto venceu e que tanto encantou o público do futebol. Ele é uma das figuras a quem devemos o futebol-espetáculo que temos hoje em dia.

É uma pessoa a quem devemos um simples e ao mesmo tempo tão sentido “obrigado”. Eu adoro futebol e se Cruyff fez do meu desporto favorito um desporto ainda melhor só tenho que lhe agradecer. Acredito que todos os amantes de futebol olhem para ele como um exemplo e que neste dia triste sintam, de alguma forma, um vazio difícil de explicar.

Figuras míticas do futebol como Pelé, Maradona, Ronaldinho, Messi, Beckham, Beckenbauer, Luís Suarez, Frank Lampard, Steven Gerrard, Falcao, Gary Lineker, Lothar Matthäus, Yaya Touré, Xabi Alonso, Peter Schmeichel, Sérgio Ramos, Ronald Koeman, Klinsmann ou Robin Van Persie lamentaram a sua morte. Benfica, Porto, Sporting, Arsenal, Manchester United, Real Madrid, AC Milan, Ajax e Barcelona também homenagearam um atleta e um homem que ultrapassou as barreiras da rivalidade e do tempo, cujo talento não ficou indiferente a ninguém. Hoje, os grandes ícones do futebol, juntamente com milhares (senão milhões) de adeptos por todo o mundo se curvam para fazer uma última vénia a um dos poucos reis do futebol.

Obrigado Cruyff e até sempre!