Olá, chamo-me… – Mara Tomé

Diz o Código Civil que temos direito ao nome e a usá-lo. É isso que me torna igual ao Manuel, à Maria, à Joana, ao Francisco e ao Joaquim (nomes fictícios para pessoas reais) e às minhas filhas.

Diz a Declaração Universal dos Direitos do Homem que temos direito à educação. É isso que nos torna todos iguais, sem exceção.

Diz Piaget que “a vida é um constante ato de aprendizagem”. É isso que nos torna todos iguais, sem exceção.

Em que somos então diferentes? Bem, o Manuel e a Maria têm epilepsia resistente à medicação, a Joana tem paralisia cerebral, o Francisco sofreu um acidente em que perdeu massa encefálica, o Joaquim tem uma doença genética rara e as minhas filhas são autistas.

No âmbito da celebração do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, fui convidada a trabalhar com cerca de 300 crianças. A grande mensagem e aquilo que tentei passar, de acordo com a minha visão das coisas, foi a de que o respeito é mútuo e pode começar de forma tão simples e básica como chamar a pessoa pelo seu nome e não pela sua condição. Antes de qualquer deficiência, característica física ou psicológica, boa ou má, aquilo que nos aproxima de uma pessoa com deficiência e nos torna iguais a ela é o nome e o direito ao nome. Sei bem que as piolhas vão ser as miúdas gémeas autistas mas antes de serem as miúdas gémeas autistas e até antes de serem as miúdas gémeas são a E. e a B. Ponto. O “gémeas” e o “autistas” e o “giras” e o “hiperativas” vem depois do nome delas. É isso que consta dos seus documentos de identificação, não a sua deficiência.

O que nos aproxima de uma pessoa com deficiência é também a aprendizagem contínua – nossa e deles. Porque lutamos pela integração numa sociedade que é complicada de entender, porque temos que lidar com a deficiência, porque temos que aprender novas coisas para lidar com isso mas porque eles também aprendem, porque eles também têm que lidar com uma sociedade na qual os tentamos incluir e integrar, porque têm que aprender coisas tão básicas como falar quando isso é dado adquirido a outros… Diferentes sim mas muito iguais também. Mostrar a diferença mas também mostrar os pontos comuns.


Não houve referências a autismo nem a nenhuma outra patologia ou deficiência. Houve sim a tentativa de mostrar, em vários polos, que todos aprendemos coisas adequadas para nós: braile, escrever ou pintar sem usar as mãos, encontrar estratégias de mobilidade numa cadeira de rodas ou andarilho. E o mais surpreendente foi ver que aquelas 300 crianças com quem falei e conversei e para quem li não veem a cadeira de rodas ou o andarilho ou as miúdas gémeas autistas: veem os seus colegas de turma, veem o seu rosto, chamam-nos e tratam-nos pelo nome.

Hoje sinto que o mundo pode ser um bocadinho melhor. Hoje estou feliz pelo amanhã próximo das piolhas.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4