Olá. O meu nome é Ricardo, e eu acho que sou um ex-toxicodependente…

“Olá. O meu nome é Ricardo, e eu acho que sou um ex-toxicodependente…” – esta é a forma mais correcta de principiar esta crónica, porque relata perfeitamente o que tenho passado nos últimos dias. Têm sido dias muitos difíceis, em que tive a (infeliz) oportunidade de sentir na pele o que é tentar deixar de ser dependente de algo que me tem sufocado há já alguns anos e preenchendo grande parte da minha ainda curta vida.

E sendo o mais honesto possível – e apesar de ainda sentir que tomei uma das opções mais importantes da minha vida –, não é fácil ser-se completamente dependente de algo, e depois decidir optar por abdicar dessa mesma dependência de um dia para o outro. Acho que esse é o primeiro passo a tomar: admitir que, de facto, somos realmente dependentes. Ou melhor: que somos completamente viciados. Ou, optando ainda por usar um vocabulário mais reles: que somos uns “agarradinhos de primeira”.

Depois da primeira fase – em que admitimos que sofremos de “dependência de algo” –, vem a segunda fase: a fase de tentar lutar contra uma recaída. E porquê? Porque estamos tão “agarrados” àquela dependência diária que, por mais que queiramos, não nos conseguimos desligar. Não conseguimos deixar de pensar naquilo. Naquela maldita dependência que, sem nos apercebermos, nos fazia sumir da sociedade que nos rodeava, para vivermos apenas naquele nosso pequeno tóxico mundo.

Então, todos os dias, a toda a hora, minuto após minuto, pensamos naquilo. Sentimos uma falta tremenda daquela maldita dependência. Como se, sem aquela dose diária, não conseguíssemos respirar. Ou simplesmente viver. Que o mundo não fizesse qualquer tipo de sentido. A pressão de uma recaída é tanta que, para fugirmos dela, optamos por dormir. Enquanto dormimos, é impossível estarmos a pensar naquilo. Mas não podemos dormir para sempre, e quando acordamos o mundo ainda se apresenta pior do que estava antes de fecharmos os olhos. E porquê? Porque o primeiro pensamento que surge assim que acordamos é a ausência da dependência na nossa vida. Queremos voltar rapidamente, porque o mundo não faz sentido. É como se tivéssemos um enorme fosso na nossa vida, que só pode ser tapado, não com uma valente dose de areia, mas sim com a dose diária do raça daquela dependência.

Tentamos adormecer novamente, mas o corpo não permite. Primeiro surgem os suores frios, que nos deixam ensopados como se tivéssemos tropeçado e caído para dentro de uma poça de água da chuva, mas num abrasador dia de verão. Depois surgem os tremores, e começamos a tentar esconder a razão dos mesmos, optando por enganar o nosso consciente de que estamos a ficar velhos e que se trata de um sinal que o Alzheimer aproxima-se a uma velocidade estrondosa – só para nos tentarmos abstrair do raios partam da dependência. De facto, nesta fase da desintoxicação, o consciente chega ao absurdo de preferir sofrer de uma doença grave, do que admitir que estamos a quebrar perante a falta da dependência.

Depois surge uma vontade absurda de roer as unhas. O que se torna muito complicado, devido aos intensos tremores que sentimos e que nos levam a arrancar enormes pedaços de pele das falangetas, em vez de roer as unhas (Quando é que abre o casting para figurantes da série televisiva The Walking Dead? É que acho que estou pronto para fazer de zombie… visto que até já tenho uma boa parte da caracterização despachada…).

Aliado ao resto dos sintomas, surge o mau-feitio. Tratamos mal quem está à nossa volta, porque sentimos mais do que nunca a falta da maldita dependência. Porque, por mais que queiramos tentar esquecê-la, quem está à nossa volta não perde a oportunidade para colocar o dedo na ferida. E só depois se recordam da nossa abstinência, e exclamam bem alto e cheios de fingida preocupação: “Ai, desculpa! Não me lembrava que já não te metias nisso!…”

E, por último, chega a altura em que a insanidade toma conta de nós, e que, sem nos apercebermos, começamos a falar sozinhos e a imaginar coisas. É nesta fase que surgem ideias absurdas na nossa mente e que até a vontade de assassinar alguém – ou alguma coisa! – surge como se de uma coisa normal e facilmente aceitável se tratasse. E depois começamos a colocar em causa a desintoxicação, e damos por nós a olhar para os dois lados da balança; onde de um lado temos o pequeno Diabo a argumentar os prós para voltarmos à dependência, e do outro lado temos o inocente Anjo a argumentar os contras de voltarmos à dependência.

E, confesso, foi aqui que eu desisti e tive a minha recaída. A loucura estava a apoderar-se de mim, e não consegui resistir aos argumentos apresentados pelo pequeno Diabo – que sussurrava ao meu ouvido esquerdo, e que, por mero acaso, é o ouvido de que ouço melhor. Se calha o Anjo estar a sussurrar-me ao ouvido esquerdo, e se calhar a história seria outra… –, que eram realmente muito válidos.

Então agarrei no portátil, abri o browser e digitei Www.Facebook.com no motor de busca. De seguida, coloquei o e-mail e a palavra-passe e entrei novamente no terrível e tóxico mundo da “dependência facebookiana”. E, porra… Não é que soube tão bem? Raios.

(Quero deixar aqui um forte abraço para o meu dealer Mark Zuckerberg. Sempre que eu preciso, é o primeiro a emprestar-me o seu ombro amigo… Já existem poucos amigos assim, pá…)

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…