Olha o bilhetinho prá bola!

A primeira coisinha que passou pela cabeça dos benfiquistas foi que, eliminando o F. C. Porto e estando aberto o caminho para a final da taça de Portugal, a partir do dia 16 de abril todos os caminhos que saíam do estádio da Luz em Lisboa iam direitinhos ao parque de jogos da mata do Jamor. Porém, o apuramento da equipa para a derradeira partida da Liga Europa, a disputar diante de uma equipa espanhola que só não era modesta na secreta ambição de vencer a competição, veio demonstrar que, ainda mais difícil do que percorrer o caminho seguido pela equipa para chegar a Turim, era desbravar um que permitisse aos sócios comprar o desejado bilhete para poderem assistir ao jogo ao vivo e sem o qual uma visita à principal cidade da região do Piemonte e quarta maior de Itália em número de habitantes não passaria de um passeio.

Os primeiro sócios a chegarem, dispostos a passarem ao relento uma noite que se previa longa, precisaram de esperar pela abertura das bilheteira mais de 15 horas numa fila, que às primeiras horas da manhã se prolongava por mais de duzentos e cinquenta metros a partir de uma barreira metálica que estabelecia um perímetro de segurança destinado ao funcionário que mal abrisse as portinholas ao público seria tomado de tantas solicitações que não só não teria mãos a medir como bilhetes que chegassem para atender à procura, tão poucos eram os ingressos que haviam sido disponibilizados ao clube pelo organismo europeu que gere o futebol.

Mas nem tudo eram más notícias. A ser verdade o que previam os meteorologistas, o dia, que começara com céu nublado mas ia dando, à medida que as horas passavam, pistas úteis sobre a melhor forma de passa-lo a quem não trocava uma ida à praia por uma partida de futebol, ia ser em tudo igual ao da véspera, no qual, quase tanta como a água que correu sob a ponte que unia as duas margens do Tejo, foi a tinta gasta pelos jornais só para falar dos jogadores que o treinador encarnado tinha ao dispor, o primeiro a não querer que o jogo se desenrolasse sob piores condições climatéricas a fim de não ver muito desgastada a equipa que precisava de apresentar-se nas melhores condições ante o Rio Ave dali já dali a somente 4 dias.

Atravessando a segunda circular, uma forte corrente de ar talvez tentasse arrefecer os ânimos dos benfiquistas ainda a quente pela recente conquista do campeonato de futebol que nos últimos 3 anos mudara de ares. Ali pontificava o outro clube rival ao qual um título escapava há tantos anos que os seus dirigentes eram unânimes em considerar serem cada vez mais escassas as modalidades onde podiam competir em pé de igualdade com os mais diretos concorrentes pela supremacia a nível nacional.

Foi só quando já passavam poucos minutos das 9 que se fez ouvir o primeiro coro de sócios insatisfeitos. Inicialmente através de uma monumental assobiadela que já não se escutava fora do estádio desde a passagem dos Superdragões no jogo da primeira volta a contar para o campeonato. Depois por via de apupos que se estendiam a todos os membros do Governo e à Troica, a quem culpavam pela crise do país e sobretudo por não lhes vir a sobrar depois dinheiro para irem com a família sequer um fim-de-semana a banhos nas praias sem areia da Costa de Caparica.

Seguidamente, ouviu-se um clamor em redor do recinto e um burburinho acendeu-se como um rastilho prestes a incendiar um paiol.

Começaram os empurrões e ao cabo de uns minutos estavam invertidos os lugares reservados pela ordem de chegada: ou seja, os dos lugares dianteiro, que haviam passado a noite ao relento sem outro conforto que não fosse imaginarem-se num voo sem escala em direção ao destino, recuaram uns metros enquanto os que estavam mais atrás passaram para a frente, formando a linha avançada de uma falange pronta a cair sobre o inimigo a qualquer momento.

No meio da desordem, eram audíveis vozes discordantes e gritaram-se palavrões de ordem até que um polícia apelando à calma irrompeu no meio da multidão. De porte altivo, envergava uma farda que só se manteve imaculada até ser arrastado para o lado como num ajuste de contas, antes de acabar por se calar como um boneco ao qual se tinham esquecido de continuar a dar corda.

Cientes de que dessa vez não seriam os últimos a rir, porque rapidamente acabariam os bilhetes e para esses não sobraria nem vestígios da cor, antes que se generalizasse o uso da violência muitos benfiquistas começaram a desmobilizar e foram para casa, conformados por terem que se contentar em assistir no sofá a um jogo pelo qual estavam dispostos a pagar os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal para ver ao vivo.

Dou razão à desilusão de cada um, que resumia o desapontamento dos desportistas em geral. Quem no seu perfeito juízo, e tendo experimentado a sensação de ver um simpatizante da mesma causa roubar-lhe o lugar, não teria tido vontade de insuflar-lhe o ego nos termos em que costuma falar dos adeptos das equipas adversárias?

Eu próprio, que nunca vou ao futebol mas jamais perco a oportunidade de estar bem informado acerca do que se passa em campo, ficaria furioso e insurgir-me-ia contra quem me contou esta história se viesse a descobrir, por fonte mais fidedigna, que ela afinal era falsa.

Nota final: Escrevo sem saber ainda o resultado dos dois jogos mas desejo que o Benfica os tenha vencido, de contrário, ficariam zangados comigo e insurgir-se-iam contra mim aqueles a quem conto esta história, que, por via de alguma fonte não fidedigna, podiam ficar a pensar que eu não era benfiquista.

abiliobernardo_logoCrónica de Abílio Bernardo
Crónicas Vadias
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