Os Emigrantes de Outrora e os Emigrantes de Hoje. Parte 2 – Júlio Silva

O descontentamento dos emigrantes já instalados há algumas décadas por essa Diáspora fora, perante a nova vaga de emigração que se tem feito sentir ultimamente é notória e simples de compreender. Qualquer Português, ficaria indignado ao ver um compatriota seja aqui em Portugal e muito mais no estrangeiro, a remexer num caixote do lixo há procura de restos de comida para matar a fome, esta é a versão que os canais de televisão fazem chegar a Portugal. Muitos destes emigrantes, nem sequer acreditam que tal possa acontecer aqui em Portugal, uma vez que estão ausentes já há tantos anos de Portugal que desconhecem a realidade que se vive hoje em Portugal. No entanto, quando se deparam com um seu conterrâneo a mexer num caixote de lixo num país por exemplo como o Luxemburgo, ficam envergonhados perante os naturais deste país. Se vão a pé, e seguem pelo passeio que passa junto desse caixote de lixo onde se encontra esse individuo a remexer no dito cujo, esses emigrantes veteranos procuram logo mudar de passeio, fingido que não vêm ou que não se aperceberam do que ali está a acontecer. Muitos destes emigrantes, desconhecem que existe a Cruz Vermelha Luxemburguesa ou as Caritas do mesmo país que podem ajudar estes candidatos a emigrantes. E como desconhecem a existência destas associações, são incapazes ao mesmo tempo de encaminharem esses Portugueses que por lá deambulam ao Deus dará. Depois de verem e assistirem, estes casos de miséria dentro da própria Comunidade Portuguesa, é lógico que isto seja o motivo de conversa, ora seja no trabalho, ora seja nos cafés, em casa, nos transportes ou até em reuniões de associações. E como é natural, se um diz que viu dois, o outro que escuta ao repetir a conversa que ouviu acrescenta-lhe mais uns números e por ai além. Catalogando-os com adjectivos menos próprios, do mal dizer habitual e corriqueiro de que os Portugueses já são famosos.

Em alguns casos, eles os emigrantes, que se encontram estabilizados, nesses países que eles escolheram para viver por opção própria, até que têm razão não digo que não têm. Sim tem razão, porque no meio de muita boa gente que emigra para tentar conseguir uma vida melhor do que a aquela que tinha qui em Portugal, acredito que irá há mistura alguns bandidos, oportunistas, gente vigarista e que se aproveitam neste caso mais preciso, das leis do Luxemburgo para viverem há conta do estado.

Depois há também a diferença de cultura e de educação, desta nova vaga de emigrantes perante a que emigrou há 40, 30 ou até há 20 anos atrás, nesses tempos os emigrantes tinham normalmente a 4 classe. Emigravam e assujeitavam-se a qualquer trabalho não olhando ao que fosse, o importante era começar a ganhar dinheiro logo se possível no dia anterior ao da chegada, envia-lo para Portugal e começarem a construir a sua casa na sua aldeia, Vila ou Concelho. Hoje, já não é bem assim uma boa parte dos novos emigrantes levam na bagagem um canudo universitário, e vão com uma ideia fixa do trabalho que procuram, não se assujeitam a um qualquer trabalho. Além disso são as condições de trabalho de hoje em dia nada comparadas às de há 30 anos, hoje as empresas estão estruturadas com membros do sindicato, e como que isto não bastasse o Estado têm ainda gabinetes de pessoal para fiscalizar essas mesmas empresas, e verem se estas cumprem ou não a lei estabelecida pelo governo desse país. Os Portugueses emigrantes neste caso os Veteranos, ainda não se habituaram lá muito bem a estas leis, cumprem-nas sim senhor mas faz-lhes impressão, habituados que estavam a trabalhar 10, 11 e 12 horas por dia. Dai que o tema de conversa destes serem sempre o mesmo, vocês deveriam era de vir para cá mas era em 70, 80 ou em 90, ai é que eu vos queria ver aqui a trabalhar no meio de 50 cm de neve com 11 graus negativos durante 11 horas, e é lógico que nem tudo é verdade pois quem conta um conto acrescenta-lhe mais um ponto.

A verdade, e agora eu falo na 1ª pessoa, é que quando eu emigrei em 82 para o Luxemburgo, tinha eu 22 anos feitos tinha acabado de cumprir o serviço Militar, quando eu resolvi emigrar.

Cheguei ao Luxemburgo com um contrato de trabalho para a agricultura, contrato de trabalho que logo há prior era-me prejudicial. Pela simples razão de que eu nunca tinha trabalhado na agricultura, e no meu contrato não vinha explicito o horário de trabalho, nem as minhas folgas. E ainda pior nada, nem ninguém me tinha informado que eu ao assinar esse contrato, teria que trabalhar no mesmo ramo durante 5 anos, e acreditem que o ramo para o qual eu fui trabalhar era um dos piores, ou em caso de se acertar com um bom patrão era um dos melhores, no meu caso tive mesmo azar acertei com um fascista de um Luxemburguês. E agora eu pergunto quem nos dias de hoje, e mesmo no ano de 82 aguentaria, trabalhar desde as 5.30 horas da manhã, até às 22, 23 e 24 horas normalmente a quase todas os dias, com uma alimentação medíocre que se baseava em às 9 horas, comer duas fatias de pão com manteiga e uma chávena de café com leite, depois às 13 horas o almoço era consistente. No entanto, era a única refeição do dia completa, o jantar não tinha hora de ser servido e resumia-se a umas fatias de pão de trigo barradas com doce ou novamente com manteiga e de novo com café e leite. Para tanta hora de trabalho, a comida era muito pouca. Depois, era o ordenado que não ajudava em nada porque eu fui para o Luxemburgo ganhar 10.000 francos Belgas o que rendia aqui em Portugal 25.000$00 escudos. Quando eu saí de Portugal eu já ganhava 20.000$00 escudos, mas eu assujeitei-me a emigrar por mais 5 contos, porque era minha ideia logo que chegasse ao Luxemburgo, mudar de patrão e de trabalho, mal sabia eu que tinha assinado a minha prisão por 5 anos consecutivos. Mesmo assim, ao final e 6 meses de trabalhar para o tirano do meu patrão pedi-lhe aumento. A resposta que eu obtive da boca dele é que 10.000.00 Fr Belgas que ele me pagava e que com toda a certeza sairia do País ou seja do Grão Ducado do Luxemburgo, já eram divisas demais a saírem para fora do país. No entanto, a mim parecia-me que tinha era sempre aumento de trabalho, por exemplo quando era o tempo da enfardamento de palha, tinhas-mo que vir há França cortar virar a palha para secar e depois a enfardar e carrega-la, cheguei a dormir 2 horas em cima de uns fardos de palha, depois de andar 22 horas a carregar fardos com uma forquilha para cima dos reboques, que consistiam em 3 reboques tipo comboio puxados por um tractor. Reboques estes, que chegavam a atingir 5 metros de altura na última fiada de fardos. Agora imaginem, o que era andar a carregar estes fardos, alguns de erva meia verde pesadíssimos com uma forquilha na mão, é lógico que para tudo é preciso um jeito, mas até eu apanhar esse jeito que me facilitaria em muito o meu esforço, tive de trabalhar conforme eu sabia que era aplicando toda a minha força dos meus 22 anos. No tempo do silo, eram também 3 semanas que não tinha hora para dormir, ou seja os empregados não tinham hora para dormir porque o patrão esse, dormia ora fosse dentro da cabine do tractor ora fosse em casa. Depois, ainda para piorar a situação esse meu patrão, embora soubesse falar o francês só me falava o Luxemburguês á mistura com o Alemão. O que eu não compreendia patavina do que ele me dizia, o que em nada ajudava na minha auto-estima, o que já por si andava bastante em baixo. Entretanto tive o meu primeiro fim-de-semana livre ao fim de três meses de trabalho, até esta data os meus passeios resumia-se a dar uma volta a pé pela Vilage que só tinha uma rua que circundava toda a aldeia. Quando ficava, em casa isto é, eu não saia para lavrar ou fresar ou semear, tinha que dar de comer a mais de duzentas cabeças de gado, limpar os estábulos, chegava ao final do dia farto de ver vacas, bois e vitelos. Aqui quando subia para o meu quarto eu tomava um duche vestia-me e saia a dar a minha voltinha dos tristes, na qual eu aproveitava para fumar o meu cachimbo. Vocês perguntaram fumar cachimbo com 22 anos de idade? Sim era o que eu fumava, pois o meu patrão proibiu-me de fumar cigarros por causa da palha, uma vez que um morrão poderia causar um incêndio, nos estábulos. Dai, que quando eu não saia para o terreno terminava o trabalho mais cedo e saia sempre fosse às 22, 23 ou até às 24 horas e levava + ou – 3 quartos de hora a percorrer a rua da Vilage. Agora pergunto eu, a estes moços que tenham 22 anos de idade e que pensam em emigrar agora, ou que até que emigraram nessa altura do ano de 82 quantos é que aguentariam um trabalho como o meu nessa altura? Se olhar-mos a esses tempos e compara-los com os tempos de hoje é natural que se dê mais valor aos homens e mulheres que emigraram nessas épocas, uma vez que as condições de trabalho são hoje totalmente diferentes das de outrora. Dai talvez a revolta de alguns desses emigrantes, ao verem nos tempos que correm e com as condições que hoje existe de facilidade para emigrarem, verem Portugueses a viverem de fundos de apoio no estrangeiro, e por sua vez a passarem fome. Sendo eu um dos emigrantes que passou as passas do Algarve para conseguir o estatuto de emigrante, sinto-me também eu um revoltado da maneira como esta vaga de futuros emigrantes amostram do Povo Português como emigrante.

 

Crónica de Júlio Silva
A opinião de Júlio Silva