Os Meus Cinquenta Pesam Mais Que Os Vossos Cem – Carla Vieira

Já não é a primeira vez que me avisam que pode calhar mal quando digo (ou neste caso escrevo) a palavra “gordo”. Lá porque as pessoas são gordas pelos vistos não quer dizer que se possa usar essa palavra. Devemos usar palavras mais suaves como “obeso” ou “rechonchudo” ou outra coisa parecida.

Eu tenho, admito, muita dificuldade em perceber esta lógica que as pessoas me apresentam. É a lógica de que as palavras magoam e devemos ser bem-educados, os argumentos da praxe que as pessoas que comem muito e ganham peso têm problemas e “coitados”. Isto incomoda-me, principalmente nesta era que andamos a viver de “abaixo às modelos” e senhoras como a Adele são idolatrizadas porque têm coxas gordas ou lá o que é que atrai os homens hoje em dia.

Acabei de me pesar e embora não tenho feito nenhum esforço para tal (aliás, ando a comer entre as refeições que é uma coisa doida e quase não saio de casa), perdi peso. Nada que se note, apenas meio quilo. No entanto há pessoas que por muito exercício que façam e comidas saudáveis que comam, não conseguem chegar ao peso-alvo. É assim, eu não sei o que vos diga. Isto simplesmente acontece comigo como acontece com certeza com muitas outras pessoas, mas o que quero dizer é que agora sou eu que levo por tabela. Enquanto que há alguns anos atrás não se podia ser gordo, agora o que mais se vê na internet são afirmações arrojadas de que é lindo “ter curvas” e coitadas das raparigas magras que se odeiam a elas próprias, e que coisa bonita é ver um rapaz magricela a beijar uma rapariga maçuda embora ele não consiga abraçá-la sequer. Que fofo.

Portanto, além de ser magra, tenho de aturar teorias de que faço dietas, ou que sofro de distúrbios alimentares, porque pura e simplesmente não é possível que eu seja magra por ser. Não não, há para aqui qualquer coisa que se passa, tipo cirurgias secretas todos os Domingos ou um desejo intenso de ser a próxima Lindsay Lohan.

Uma coisa engraçada de que as raparigas gordas se orgulham muito é de se designarem a elas próprias de BBW (Big Beautiful Women). BBWs são senhoras gordas como já disse, mas designam-se assim por serem alvo de um grupo fetichista (ouviram bem) de homens que se sentem atraídos por, bem… Mulheres grandes e bonitas. A coisa engraçada deste “orgulho” é o facto de fetiches sexuais serem um comportamento sexual desviante, ou seja, uma atracção sexual fora do normal. As palavras-chave são “fora do normal”.

Vou ser bastante sincera: se vocês quiserem andar em negação acerca do vosso peso, tudo bem. São vocês que vão sofrer um ataque cardíaco brutal quando chegarem aos trinta ou precisar de injecções de insulina para sobreviverem. No entanto, se as pessoas acham altamente gozar com quem é magro só porque secretamente se roem de inveja enquanto devoram Oreos, não me levem a mal não andar com pezinhos de lã e dizer simplesmente que o que vocês têm é gordura e por isso são gordos. Não são rechonchudos, são gordos. Podem ser obesos, mas são gordos na mesma.

Eu não sei o que mais possa dizer para convencer as pessoas de que a minha brutalidade e o meu uso da palavra “pessoa gorda” não é nem de perto nem de longe tão rebaixador quanto este regozijo preconceituoso de que “curvas” é que são bonitas quando as “curvas” a que se referem são duplos ou triplos queixos para não falar da banha horrível que fica por fora da camisola quando se sentam, e a única maneira destas pessoas se sentirem bem é acharem que tratar mal pessoas com um corpo bonito as desculpa dos hamburgers que comeram ao almoço.

Sou magra, pois sou. Eh pá, gozem lá comigo se quiserem. Continuo magrinha e no entanto a minha cintura é das coisinhas mais bonitas que já se viram. Ciúmes? Roam-se para aí. No entanto, se gozarem comigo por causa do meu peso, não se acanhem se eu gozar com o vosso. E há mais sinónimos pejorativos para a palavra “gordo” do que há para a palavra “magro”. Pensem nisso.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente