Os Suores de Sócrates

Finalmente compreendo a razão dos suores de Sócrates na noite em que perdeu as últimas eleições legislativas para Passos Coelho!
Quem não se sentiu já em situações aflitivas que provocam arrepios frios na espinha, mesmo que esteja calor… aquela vertigem de quem de cima de um penhasco com dezenas ou centenas de metros olha de repente lá para baixo e parece que as pernas perdem a força… aquela sensação desagradável de susto de quem ao conduzir sente a eminência de um acidente (alguém que parece vir bater-nos por ter cometido uma asneira de trânsito)… aquele arrepio e cabelos em pé quando nos assustamos com algo inesperado: a presença de alguém em algum sítio que não contávamos… aquela batida forte e acelerada do coração quando sentimos que alguém descobriu alguma asneira que fizémos e da qual guardávamos segredo escrupuloso… assim como quando vamos na estrada e as autoridades nos mandam parar e ficamos apavorados (mesmo que a documentação esteja toda em dia)… aquele sentimento de bofes a bater logo abaixo do maxilar inferior, lateralizados pela tiróide, quando sentimos que fomos descobertos numa grande marosca e nada podemos fazer para remediar…

Claro que nem a todos tudo isto já aconteceu… mas provavelmente os sentimentos são parecidos a estes.

Pois aqueles estranhos suores de Sócrates naquela – para ele – fatídica noite, adivinhavam provavelmente quase isto tudo que acabo de narrar. Melhor do que ninguém, ele sabia o que tinha preparado para si mesmo e para nós todos pagarmos. Outros viriam e certamente denunciariam o estado de sítio, em tanga e nadando no pântano em que ficou o país, as suas finanças, as suas negociatas, as hipotecas para pagar a posteridade, as obras de coisa nenhuma e de que não serviram nem servem para quase nada e ainda as que apenas – felizmente – não passaram do papel, ou então, estaríamos ainda muito pior.

Salvaram-se as energias renováveis, aplaudo!
Salvaram-se as novas tecnologias no trato do cidadão com o Estado, o cartão decidadão, o documento único automóvel, entre outros. Aplaudo um bocado!
Salvaram-se as excelentes relações com a Venezuela e as vendas de milhares (ou milhões) de magalhães, aplaudo um bocadinho!
Salvou-se o famigerado Tratado de Lisboa, não pelo conteúdo, mas apenas por ser sido assinado e tomado o nome da capital e selado com um Zé Povinhíssimo e brejeiramente português “porreiro pá!” Aplauso timidamente ao penas uma vez e escondo as mãos de seguida.

Não sou juiz, nem quero julgar ninguém, nem é essa a minha intenção. Apenas reflito em voz alta e de cabeça erguida, podendo afirmar para mim mesmo em voz alta, mas de boca fechada para não se ouvir um grandecíssimo e também brejeiríssimo “a mim nunca me enganaste”.

Se é que tudo venha a provar-se verdade, porquê não se matar sozinho e levar consigo também mais três ou quatro pessoas – se calhar pais de família para sustentarem? Além de tudo o que é passível de ser julgado à luz da lei, há mais! Há um-sem-número de atropelos à ética, à boa-fé, à boa convivência em sociedade, à falta de escrúpulo de – sabendo representar um dos cargos mais altos na nação – isso não é suficiente para qualquer cidadão que queira representar o povo ou parte dele se sentir na obrigação da honestidade? Da tomada de exemplo para os outros? Da plena corretude dos seus atos?

Não foram mais de 10 milhões de portugueses enganados. Isso não foram! Porque muitos como eu, intimamente sempre soubémos que a criatura não era de fiar, a sua conduta permanentemente agressiva para com os seus pares adivinhava um escondido medo de perda do poder, de perda de influência que, mais tarde ou mais cedo, se imporia.

Depois disto, apenas ouço nas conversas de rua, de circunstância, nas redes sociais, amigos, conhecidos e outros afirmarem que “são todos iguais!”, “para a próxima é fulano ou citrano ou beltrano!”… É isto que me entristece. Uma nação inteira desconfiada dos seus governantes todos, quando apenas meia dúzia (e já não são poucos) se vieram a revelar a escória da sociedade. Fora os que se conseguem safar, porque se calhar, souberam além de escoriosos, serem também espertos e astutos e souberam minar as suas ações contra a intruzão de bisbilhoteiros, quer eles sejam policiais, jornalistas ou investigadores.

É pena ser assim!
Aplaudo (timidamente) a justiça.
Aplaudo (com entusiasmo) aqueles que não têm medo de denunciar os malfeitores da sociedade.