Outra vez a Justiça…

E voltamos à Justiça. É impossível não comentar as noticias que têm vindo a público.

Segundo a comunicação social, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça – que tem a responsabilidade de fazer a manutenção do Citius, como referido noutra das minhas crónicas – elaborou um relatório sobre o que poderá ter causado o “crash” do Citius. Esse relatório afasta qualquer responsabilidade da direcção do Instituto. Isto não parecerá aos olhos de todos como uma natural evidência? Quantos dos caríssimos leitores acham que um Instituto público elaboraria um relatório sobre a sua própria actividade e apontaria as culpas a um dos seus ou, pior, à sua direcção? Logo à partida, este relatório é tendencioso. Mesmo acreditando no profissionalismo de alguns (enquanto os de outros é posto em causa devido ao próprio “crash”), uma instituição que se avalia a si mesma num caso desta importância, deixa sempre dúvidas no ar.

Vi declarações da Ministra da Justiça a indicar que mandou o referido relatório para ser avaliado pela Procuradoria Geral da República (PGR). A comunicação social, pouco tempo depois, revelou que o relatório acusava dois técnicos que trabalhavam para a PJ de terem provocado o “crash” (“sabotagem informática”, diz a imprensa). Não consegui evitar em associar imediatamente a um organograma que a rádio Mega Hits publicou na sua página de Facebook e eu, por piada, partilhei:

organograma

Não há melhor forma de afastar os “holofotes” da comunicação social do que por as culpas noutra instituição, não é?

Mas ainda há mais: a comunicação social, dias depois da PGR ter recebido o relatório, refere que foi afastada a hipótese de “sabotagem informática” e investiga-se agora apenas “ocultação de informação das chefias intermédias”. A PGR diz apenas que a investigação está em curso e a Ministra negou, nas jornadas parlamentares conjuntas de PSD e CDS/PP, que alguma vez tivesse usado a expressão “sabotagem informática”. A “novela” relatório continua quando a comunicação social descobre, depois de um comunicado da Sra. Procuradora Geral da República que um dos técnicos acusados pelo Ministério teria sido “braço direito da magistrada do Ministério Público Maria José Morgado. Nesse comunicado, Joana Marques Vidal explica que Maria José Morgado nunca foi indiciada como suspeite e, como tal, nunca esteve sob investigação. Mais: explica que, “na sequência do envio do referido relatório pelo Ministério da Justiça foi, nos termos da lei, instaurado um inquérito com a finalidade de investigar os factos descritos naquela participação, os quais, de acordo com a mesma, poderão configurar a eventual prática de crime de sabotagem informática(…)” , o tal termo que a Ministra diz nunca ter usado.

O inquérito ainda decorre pelo que não há conclusões. Mas podemos fazer um exercício de memória para lembrar tudo o que sabemos até agora: foi noticiado que a equipa que, até pouco tempo antes do “crash” geria o Citius, se demitiu porque a tutela não respondia aos seus alertas que que a plataforma não estava preparada para as alterações que a reforma exigia; várias instituições ligadas ao sistema disseram ter avisado a tutela de que tinham informação fidedigna que a plataforma não iria aguentar a carga a 1 de Setembro – um deles foi o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, dito pelo próprio em directo, no programa “Prós e Contras” da RTP1 sobre o assunto, confirmado pelo Secretário de Estado da Justiça, presente no programa; foi noticiado que o chefe de gabinete da Ministra se demitiu pouco tempo antes do “crash” por ter sido ignorado quando tentou alertá-la para o que iria acontecer com o Citius a 1 de Setembro; a Ministra disse, numa comissão de inquérito na Assembleia da República que não entendeu como os testes, em 2 ou 3 comarcas, correram sem problemas e no dia “a sério” não funcionou.

A resposta à dúvida da Sra. Ministra já eu dei na minha crónica de dia 4/10/2014 com o exemplo do copo e do garrafão de água. A restante informação, alguma (mal) desmentida, outra ignorada, faz-me pensar que – voltando a recorrer à água como exemplo e a um pouco de ironia – a Ministra achou que ignorando os alertas e fazendo “figas”, a 1 de Setembro teria uma “tempestade num copo de água”, mas quando abriu a porta tinha um “tsunami”.

Depois da demissão do chefe de gabinete, da equipa responsável pela plataforma informática e de o Secretário de Estado da Justiça ter confirmado num programa em directo na RTP que tinha recebido informação do que se previa vir a acontecer (e aconteceu mesmo) com o Citius do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, alguém ainda acreditará que a tutela não sabia o que ia acontecer?

Crónica de João Cerveira