Panorama – Desacordo ortográfico

Já muito se falou e ainda mais se escreveu sobre o novo acordo ortográfico para os países de língua portuguesa. Digo novo apenas por ele vai substituir a grafia que actualmente utilizo (e gostaria de sublinhar aCtualmente), mas na realidade é um acordo que já se encontra em discussão desde 1990, data aliás em que ambiciosamente se previa mesmo unificar a escrita da língua portuguesa.

Antes de tudo pergunto-me se faz sentido unificar o português. Até certo ponto concordo com a ideia de fortalecer a língua portuguesa e torná-la reconhecida e cada vez mais forte no mundo. No entanto, não consigo perceber como este acordo ajudará a que tal seja realidade.

Vejamos o inglês, que é aceite e considerado como uma língua universal, falado e língua oficial de diversos países em todos os cantos do mundo. Mas o inglês de Inglaterra é bastante diferente do da Austrália e ainda mais do falado e escrito nos Estados Unidos e não deixa de ser por isso que, por um lado, todos se entendem sem problemas e, por outro, o inglês continua a ser reconhecido como uma língua universal independentemente das suas diversas variantes.

Será que unificando a forma de escrever português iria fortalecer a posição da Língua de Camões? Sinceramente não vejo em quê, até porque não é por escrevermos de forma diferente que não nos fazemos entender uns aos outros. Por vezes não nos fazemos entender maioritariamente devido aos diferentes significados usados para as mesmas palavras, mas isso o acordo ortográfico não tem em consideração.

Também a forma de nos expressarmos é diferente, os sotaques são diferentes, mas isso não é impeditivo ainda que requeira uma maior atenção ao que é dito, além do mais, dentro do nosso país temos diversos sotaques que até mesmo para nós se tornam imperceptíveis ou difíceis de descodificar, ou será que os Açores já não fazem parte de Portugal? Pessoalmente entendo mais facilmente um brasileiro que um compatriota açoriano.

Mas afinal qual é o drama? O acordo é apenas ortográfico não vamos passar a falar brasileiro.
O que muda é apenas e só a ortografia, a forma de falar, os sotaques, as expressões típicas, os tempos verbais e tudo o resto não se alteram em nada. Continuaremos todos a falar da mesma maneira que sempre falamos, usando as mesmas expressões e sem que nada alteremos na nossa forma de falar. O acordo ortográfico é mesmo isso, apenas ortográfico. Esse mesmo facto faz com que imediatamente perca todo o sentido para o qual foi criado: unificar a língua portuguesa. Quer os linguistas queiram ou não, a forma de escrever é, e certamente sempre será, motivada pela forma de falar. A nossa língua torna-se complexa por falarmos de uma maneira e escrevermos de outro… afinal porque é que são duas coisas diferentes? A forma de falar e escrever deveria ser igual, afinal a escrita é uma extensão da fala.

Esta questão do acordo ortográfico é, no entanto, fundamental para a nossa identidade e cultura, visto que é através da escrita que preservamos a nossa cultura e as informações para gerações futuras. Todos nas escolas utilizamos livros e manuais para aprendermos, não só a língua portuguesa mas, também, todas as outras disciplinas e áreas de ensino.

O pior é que este acordo é mesmo estranho porque nos obriga em vários casos a escrever duma forma diferente da que falamos. Em parte isso até já acontece mas com o novo acordo enveredamos por caminhos que cada vez mais tornam o português escrito bem diferente do português falado.

Será que por detrás deste acordo se encontram outros interesses? Afinal as novelas brasileiras entram pelas nossas casas a dentro todos os dias, a cultura vinda do outro lado do oceano é facilmente reconhecida, identificada e compreendida por nós. Será que esta é mais uma forma de cada vez mais o Brasil e os brasileiros penetrarem ainda mais no nosso país e também introduzirem os seus livros, romances e restantes obras a todo o mundo lusófono?
Mas porque é que no Brasil este acordo altera a escrita em menos de 1% das palavras usadas e em Portugal as palavras a alterar, além de serem muitas mais, são igualmente usadas com uma maior frequência? Porque é que sinto um abrasileiramento da minha Língua?
Será que nos estamos a submeter a um maior poder do Brasil? Faz algum sentido abrasileirar a nossa língua? Em que é que este novo acordo beneficia o nosso país e a nossa língua?

Este texto foi escrito no português que aprendi, no português que até uns anos era ensinado nas nossas escolas e no português que todos os professores de língua portuguesa sabem.
Não me recordo de ter assinado nenhum acordo e, que eu saiba, não tenho Alzheimer.

Crónica de Celso Silva
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