Panorama – O Capitão

 

“O capitão afunda-se com o navio”. Esta é uma expressão muito em voga na marinha e também no cinema e literatura. Mas afinal porque é que o capitão tem de se afundar junto com o navio? E é mesmo condenado a morrer junto com a sua embarcação ou pode salvar-se como os outros tripulantes?

 

Recentemente ao largo da costa italiana afundou-se um navio de recreio – o Costa Concordia – um luxuoso cruzeiro com capacidade para quase cinco mil pessoas, incluindo tripulação. Muito me fez lembrar outro famoso naufrágio, em 1912, o do Titanic, no qual morreram mais de mil pessoas. As causas de ambos os acidentes, ainda que muito distintas, são atribuídas a erro humano na operação e condução destes autênticos monstros transatlânticos.

Titanic 1912

 

Diz-se que o capitão afunda-se com o navio porque tudo nele é da sua responsabilidade. É no capitão que é depositada toda a confiança e todas as decisões são por ele tomadas, é também a ele que ficam confiadas as vidas de toda a tripulação e todos os passageiros. Como tal, o capitão tem de manter o navio e todos neles seguros, nunca pode negligenciar qualquer falha ou qualquer aviso feito por quem está a bordo.

Afundar-se com o navio não é tão somente um acto nobre ou um mero sacrifício, é a forma de fazer o capitão interessar-se e cuidar do navio como se da sua própria vida se trata-se. Um navio nunca se poderá afundar e o capitão deve tudo fazer para que isso não aconteça.

 

Infelizmente os nossos capitães, aqueles que nos deviam sempre trazer a porto seguro, não se preocupam como deviam com os seus barcos. Não existe nada que os responsabilize perante os erros (e uso este termo de forma geral) cometidos. Podem destruir o nosso país, a nossa cultura, a nossa economia e o bem-estar das nossas populações sem que nunca tenham de assumir a responsabilidade pelos seus actos.

Numa qualquer empresa ou companhia, os maus gestores são responsabilizados pelos seus actos e, como tal, espera-se que eles consigam fazer o seu melhor. A responsabilização poderá inclusivamente ser feita de forma criminal se as más acções assim o justifiquem.

 

O que falta à nossa classe política e, em geral, à política mundial é a responsabilização dos nossos líderes, dos nossos capitães. A responsabilização política é essencial para que possamos ter a certeza que o nosso navio irá chegar a bom porto e que o capitão não está apenas interessado em si próprio. Se os nossos líderes não se interessam em desempenhar as suas funções correctamente nada existe que os penalize. De salientar ainda que desempenham essas funções como nossos representantes e são pagos com o dinheiro de todos os cidadãos contribuintes.

Costa Concordia 2012

 

É lamentável ver o capitão do Costa Concordia abandonar a sua embarcação sem que todos os passageiros estivessem em segurança e seu accionar os devidos protocolos de abandono do navio. Não digo que o capitão deveria afundar-se junto com a embarcação, mas deveria no mínimo ser dos últimos a abandonar o navio e só depois de se assegurar que todas as pessoas a seu cargo estão salvas. É igualmente lamentável pensar que os nossos líderes não estão muito preocupados pelo nosso barco se estar a afundar, porque afinal eles acabarão por ficar à tona e, aliás, podem abandonar o navio a qualquer momento deixando nos para trás.

 

Fico ainda mais indignado por ouvir alguém queixar-se de uma reforma de mais de mil euros quando a grande maioria da população idosa recebe bem menos que duzentos euros, muitos dos quais são gastos em comida ou medicamentos. Não chega para os gastos? Então corte no que não é essencial e aperte o cinto porque todos o estamos a fazer.

Crónica de Celso Silva
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