Papa Francisco I – Reflexos de ‘’normalidade’’

Francisco I, o primeiro Papa americano da história, é daqueles homens que gostava de conhecer pessoalmente e trocar muito mais que meia dúzia de palavras, aqui em casa ou, se estivesse bom tempo, num jardim que podia ser o da Estrela, com chá e bolachas de manteiga, daquelas que se esfarelam como se se lembrassem dos pombos, banda sonora de Chopin ou Miles Davis se preferisse, tratando-o por tu e ele a mim, como amigos, e dizer-lhe obrigado.

Para além desse agradecimento, dava-lhe os parabéns. Não só pelo inédito papado, nem tão pouco pelo título conquistado pelo seu clube do coração, San Lorenzo, mas também por ter sido eleito personalidade do ano, deste que termina, por ter conseguido aguentar a pressão dos media, com um simples sorriso, esse que cala qualquer um remetendo-o à sua humilde mudez, pela sua moderada erudição e sentido de oportunidade e, por fim, pela coragem de, sendo Papa, ser, sobretudo, um homem normal. No real sentido da expressão, sem embelezamentos propícios ao estatuto que alcançou nem reflexos de fundamentalismos descabidos. Dava-lhe os parabéns porque é ele o Sumo Pontífice, mesmo sabendo que prefere ser apenas Papa, ou Francisco.

Por outro lado, refletindo melhor, talvez não o congratulasse pela eleição de Personalidade do Ano. Isso é para gente importante, que por alguma intervenção pública, descoberta ou invenção o mereceu. Afinal, ninguém é personalidade do ano sendo normal. É preciso descolar da normalidade, ultrapassar essa barreira que é o hábito ou o ‘’de sempre’’. Francisco apenas foi Francisco. Agora, lidera uma história milenar, não deixando que ela o lidere a ele. Se alguma coisa aqui descolou dos parâmetros normais foi a instituição em si, revertendo o princípio básico do decorrer do tempo, e dessa forma, rejuvenescendo.

Quanto aos agradecimentos, talvez também fossem desnecessários. Ele próprio provavelmente os dispensaria. Apenas se manteve e se soube manter. E aqueles que se mantêm nada criam de novo, quiçá não tenham nada de novo a criar, ou não se sintam impelidos a tal, perpetuando no tempo o que já existia. Francisco conserva a sua doutrina, preserva a sua dogmática em assuntos tão ‘’triviais’’ como a bioética, o tradicionalismo cristão, as relações homoafetivas ou a justiça social. É a linha orientadora da instituição que lidera, que outra posição poderia ter? Apenas se inibe a julgamentos, porque num mesmo organismo pode haver caminhos diferentes, que encontrem uma mesma meta. É isso o que lhe interessa, que a meta seja a mesma. Também ele, tanto quanto eu, se interroga sobre questões pastorais, aquelas que se conferem quase como um consuetudo da cristandade, e por isso de todos duvida e a todos pergunta. Quer saber se, tal como ele, outros se interrogam. A ele todos respondem, numa espécie de confissão global sem prejuízo de pecar. Todo o Homem pensa, e ele sabe-o, esmiuçando então os ‘’quês’’ desse pensar através de um inovador, face ao costume católico, inquérito. Entrou em modo ‘’Auditoria de Fé’’ em questões pastorais, – não em dogmas, porque esses são o que são por si só e assim devem continuar – porque todos fazemos a Igreja, e é por isso que lhe agradeço, por querer fazer Igreja connosco, no meio de nós, sem distinção de elite, idade ou credo.

Credo! Deve ter alguém gritado, alguém de um outro mundo, quem sabe de um mundo imundo, sem a visão de Francisco. Sem a vontade de fazer melhor, sem vontade de revistar as máfias escondidas nas catacumbas da Igreja nem alvedrio de desmascarar os seus responsáveis. É por esta vontade já demonstrada que Francisco I marca a viragem do catolicismo para um futuro presumivelmente risonho, para uma modernidade doseada, que ao longo dos anos se promete perpetuar, se assim o deixarem, claro, e se demasiada comichão não fizer.

Estou certo que a conversa que teria com Francisco seria um sucesso. Percorrer numa tarde todos os temas possíveis e imaginários, viajar por um interminável conjunto de contendas sobre problemas societários, cinema e gostos musicais. No fim, qual sonho tornado realidade, uma despedida cordial, (mais) um obrigado e um ‘’volta sempre’’…

-‘’Qual Ronaldo? A bola de ouro vai para o Messi!’’ , rematava Francisco e terminava o encontro!