Para Mim É Como Acaba

Tudo para existir tem de começar. A forma como começa muitas vezes nem importa assim tanto. Olhamos para o início das nossas histórias como únicos e especiais. Invariavelmente para quem ouve é só mais do mesmo, só mais uma história. Só mais uma aventura, que quem nos acompanha, ouve. A questão é que passamos a vida a ouvir histórias que começam, a ouvir como continuam, mas nunca sabemos como acabam. Para mim é como acaba que conta.

“Epá estava bêbedo e pedi-lhe o número, ela disse que não”, vocês já conhecem o início desta história, contei-vos como começou, não cheguei ao fim. Sinceramente porque o fim das histórias é um estado transitivo. Olhando para a minha vida em retrospetiva quando chegamos ao fim de uma história raramente a percebemos, é disso que se trata. Mas da história que vos comecei a contar, a probabilidade de hoje vos contar o fim é bastante grande.

Quando estamos numa aventura nova perdemos demasiado tempo a tentar perceber para onde vamos e onde estamos. Estamos errados. Usamos a analogia correta de forma errada. A aventura deve ser entendida como um veículo. Começamos sempre com uma carroça. Umas melhores, outras piores. Umas com rodas, outras só com o burro, mas todas são carroças. Esta história que vos comecei a contar, sobre uma Pocahontas, começa com uma carroça que nem rodas tinha. Nem rodas, nem burro nem nada. Eram só duas pessoas numa carroça que não se movia. Entretanto construímos um par de rodas, compramos um burro e isto começou a andar. A viagem via-se engraçada. A companhia boa. A carroça aguentava bem, o burro não estava cansado. Percebemos, podemos comprar um carro. Nada de mais, um Fiat Uno dos velhinhos. Carro fiável, consome pouco, pequeno, arruma-se em qualquer lado. A viagem passou a ser ainda mais engraçada. O pequeno Fiat, por ter rádio, passou a ter alguma música.

As constantes perguntas de onde estávamos e para onde íamos, não é menos que uma criança no banco de trás do carro a gritar, de cinco em cinco minutos “Já chegámos!? E agora?” E isso só estraga. Isso e termos de responder. Não é uma voz da rádio a fazer perguntas retóricas. São pessoas que fazem parte da nossa vida, pessoas que se acham no direito de saber tudo. Pessoas cujas intenções até podem ser as melhores, mas porra, percebem tanto daquilo como eu de batatas. Nada! As constantes perguntas sobre tudo, fazem com que quem esteja na viagem queira sair de lá. Agora o leitor pensa “pronto já vi que está tudo estragado, quem é que fez merda?”

Ninguém fez asneira, a questão é que as pessoas só podem estar confortáveis num carro onde queiram estar. A constante ameaça de poder sair do carro faz com que quem queira ficar, use todos e mais alguns argumentos para convencer o outro a ficar. Como podem calcular, este processo é cansativo. O cansaço é desconfortável. E assim sendo, uma bola de neve. Chegamos então à conclusão de que afinal, naquele carro, o motor somos nós. Nós, que por não sermos movidos a feno ou a gasolina, sofremos de cansaço. Desgaste. Desconforto.

Assim sendo, as perguntas de onde estamos e para onde vamos, passam a ser cargas pesadas. Daquelas que nem os TIR aguentam. Daquelas que fazem parecer os Doze trabalhos de Hércules, coisa para meninos; que fazem parecer que o Dia D,a invasão da Normandia, foi coisa fácil. Afinal de contas eles tinham canhões, espingardas e mais 150 mil tropas com eles. Esta aventura, esta batalha, esta viagem é feita a só. Sem armas, nem estratégia. Todo este percurso só pode ser feito se houver dois a puxar para o mesmo lado. Não tire conclusões precipitadas. O destino no GPS não é a Epistemologia do Pipi. É fazer a outra pessoa feliz. É querer que o bem dessa pessoa seja o nosso bem também. A possível epistemologia do pipi pode ser parte do caminho, nunca o destino. E é isso que quem nos pergunta tudo, não percebe. É por isso que essas pessoas não percebem nada disto!

O combustível que estes veículos consomem é a paciência, o querer, e tudo o resto que alimenta qualquer que seja a relação interpessoal. É dar tempo ao tempo, ao outro. É perceber que antes de embarcar em qualquer viagem a outra pessoa já tinha tido outras. É saber que expectativas não são legítimas, mas que desilusões não são permitidas. É acima de tudo, entender que podem fazer o que quiserem daquela viagem. A paisagem é a que quiserem fazer. Se o mundo lá fora é o Inferno, façam desse carro o vosso refúgio. Se lá fora o arco-íris e as borboletas reinam, então façam do vosso carro o antro de tudo isso. Mas acima de tudo, partilhem o esforço. A viagem, só pode ser melhor se nunca acabar.

Para mim, é como acaba que conta.