Para o amigo que todos temos, infelizmente

O último suspiro. O último bater. A última respiração. A última pulsação. Sem dor. Sem sofrimento. Sem lamentações mas também sem avisos, despedidas ou qualquer hipótese de redenção. Tantos abraços suspensos. Tantos beijos perdidos. Tantos sentimentos selados. Esta é a tua primeira lágrima, meu amigo. A primeira de muitas, infelizmente. Este é o teu primeiro vazio, meu amigo. O primeiro de muitos, infelizmente. Esta é a tua primeira estrela guia, meu amigo. A primeira de muitas, infelizmente. Preferias que o teu céu noturno fosse escuro sem qualquer luz a olhar por ti, não preferias meu amigo? Eu sei que sim. Acredito que sim. Conheço-te há largos anos e nunca te tinha visto chorar. És realmente incrível. A vida trapaceou-te, pondo-te à prova tantas vezes, que é realmente incrível que nunca tenhas soluçado antes; sempre preferiste dar o peito às balas, caíres sete vezes e ergueres-te oito… sem nunca perderes a força para sacudir a água do capote e acreditar que o dia de amanhã seria diferente. Sabes que o Sol, ao contrário do que dizem, brilha para todos! És o que confirma isto, uma das pessoas mais humanas que tenho a honra de conhecer e, ainda assim, só transbordaste, em fio, pela face, agora. Como me custou isso… Como doeu a minha impotência perante a tua angústia. Como é horrível atarem-me mãos e pés e colocarem-te perante mim completamente destroçado. A língua portuguesa é das mais ricas em vocábulos e das únicas que possui a aniquilante e destruidora “saudade” – essa maldita que invade o nosso dia-a-dia, entra sem pedir licença e permanece depois de a contrariarmos; sou conhecida por falar muito, em demasia até, e dei por mim a pedir, a suplicar por palavras para ti. Palavras que te dessem alento, palavras que te aquecessem, palavras bonitas e de conforto… mas não passariam de palavras. Pedi isto a pessoas frias e racionais que sabem controlar sentimentos, medir emoções e calar o que lhes bate mais forte no peito, ignorar o que os acelera e faz perder o controlo. Nenhuma dessas duas pessoas me soube dar o que eu precisava, aconselharam-me a seguir o meu coração pois é sempre com este pequeno e frágil músculo que eu penso, falo e ajo. Mas para quê usá-lo agora, está tão apertado de te ver assim, para isso possuis o teu que parece não aguentar tamanha perda. Há palavras demasiado ocas, ínfimas e frouxas para deterem esse pesadelo – esse enguiço com que todos nascemos e que todos os dias esquecemos, ignoramos ou fingimos que não é verdade: a nossa condição humana tão fraca e vulnerável. Basta um segundo e foi-se. Entregamo-nos a algo que desconhecemos e pintamos de múltiplas cores, fés, feitios, formatos, viagens, paraísos e personagens do imaginário de cada um de nós. Não questiones, ninguém te vai saber responder porquê a ti, meu amigo.

Há sempre alguém no mesmo lugar que eu e sempre alguém “meu amigo”.