Para uma melhor compreensão do Cancro – Primeira Parte – Lúcia Reixa Silva

Hoje venho falar sobre um tema que não é de todo agradável, mas que necessita por vezes de ser abordado abertamente e sem dramatismo, numa tentativa real de ajudar e informar as pessoas relativamente a uma das doenças que mais “assusta” quem dela padece e os seus amigos e familiares. Desde sempre conotada com a sua gravidade, o medo e a dor de desfechos menos felizes, levam a que quem sofre desta doença evite por vezes sequer mencioná-la, não propriamente pelo medo em si, mas muitas vezes pelas reacções em seu redor, que, ao invés de ajudarem, muitas vezes “rotulam” mais do que na realidade ajudam a pessoa a enfrentar e ultrapassar as fases que começam no diagnóstico e terminam na decisão do tratamento a ser aplicado.

Hoje falo sobre o Cancro e os tratamentos inovadores que existem em Portugal, para ajudar todos os que precisam de lutar e vencer a doença.

Não me vou detalhar nos tipos concretos de cancro, porque não é isto que se pretende com este texto, mas fazer um esboço geral, daquilo que existe e que pode ajudar no presente e no futuro, no combate a determinados tipos de Cancro.

Não irei aqui distinguir o tipo de tratamentos a que se pode ter acesso através do SNS – Serviço Nacional de Saúde versus o Serviço Privado de Saúde, porque infelizmente existem algumas diferenças que remetem para questões muito importantes, mas que não são meu objectivo abordar nesta crónica de hoje, eventualmente por nos fastarem daquilo que considero essencial partilhar.

Pretendo partilhar o tipo de tratamentos invoadores que já se fazem em Portugal, e onde reside maior esperança no combate a esta doença.

De uma forma muito simples, poder-se-à dizer que o Cancro se desenvolve em três fases: A primeira fase é a da Mutação – os genes de uma célula sofrem alterações no seu ADN, dando lugar a uma informação “errada” que vai produzir defeito na sua estrutura; nesta fase as células afectadas passam a multiplicar-se sem controlo. A segunda fase, tem a ver com a formação de um ou mais tumores malignos – é a fase habitual de diagnóstico do Cancro. Nesta segunda fase, as células com informação errada, vão-se multiplicando e aglomerando, fazem-se rodear de vasos sanguíneos criados pelas mesmas, e vão continuando a multiplicar-se, a crescer portanto, sem controlo – estas novas formações – neoplasias – são na verdade o ou os Tumores. Numa fase tardia, designada aqui pela terceira fase, desenvolvem-se as Metástases. Nesta fase, as referidas células malignas – ou seja com a informação errada – vão soltar-se do seu orgão ou tecido de origem – o local onde começou o Cancro – e irão invadir outros orgãos ou tecidos saudáveis. Nesta fase poderão nascer novos tumores, idênticos ao tumor incial, mas em orgãos ou tecidos diferentes, alguns bastante distantes da área onde incialmente o Cancro se manifestou. Esta fase de Metástases é pois uma fase tardia da doença, que significa que o Cancro passou a ser sistémico – está no sistema da pessoa e já não se refere a apenas um orgão ou tecido. Nesta terceira fase de desenvolvimento da Doença, o Cancro poderá ter tratamento paliativo, mas raramente poderá ter tratamento curativo, ou seja, na verdade, a doença, nesta fase, tende, nos dias de hoje e com a ciência actual ao serviço do Homem, a ser vista e tratada como uma “doença crónica”; significa pois que o Cancro nesta fase pode não “desaparecer por completo” (remissão total), mas poderá ser, num número cada vez maior de casos, controlado a médio e longo prazo.

É na segunda fase que o Cancro é maioritariamente diagnosticado, e é quase sempre nesta fase que existe um leque cada vez maior de opções de tratamento, com vista à cura da doença.

Neste momento existem opções de tratamento várias, e obviamente nem todas se adequam a todas formas de Cancro. Existem formas de Cancro que necessitam de um tipo de tratamento, e outras formas de Cancro que têm de passar por outros tratamentos específicos.

Mas, salvaguardando as especificidades inerentes a cada tipo de Cancro e sobretudo a cada doente, existem opções várias: técnicas e tecnologias avançadas de Cirurgia (as clássicas e as novas técnicas menos invasivas, num grande número de casos), Radioterapia (externa ou em alguns casos Braquiterapia), Radioterapia externa de uma só sessão (já aplicada a alguns tumores específicos e de pequenas dimensões – Pulmão e Próstata), Crioterapia (aplicada já em muitos casos no Cancro do Rim e da Próstata), Hifu (Ultrassons – apenas dirigida a cancros muito específicos, como carcinoma do rim e da próstata), Quimioterapia “clássica” (aplicada caso a caso, com uma gama cada vez maior de medicamentos), Hormonoterapia (apenas para Cancros hormonodependentes, com excelentes resultados no caso de alguns cancros da tiróide, por ex., mesmo em fases tardias da doença, dentre outros cancros glandulares), novos medicamentos composto por anticorpos (bloqueadores da acção das células cancerosas – com bons resultados em alguns casos, mas contra-indicados em algumas situações onde parece até haver agravamento do estado – depende muito da avaliação genética), Medicamentos bloqueadores dos vasos sanguíneos em torno do ou dos Tumores (basicamente bloqueiam os vasos que alimentam o tumor, e “matam-no à fome”), etc.

A verdade é que “não existem doenças”, “existem doentes”. Cada pessoa é única e cada caso é um caso.

Obviamente existem características comuns aos diferentes tipos de Cancro, que possibilitam a oferta de tratamentos concretos para cada situação; mas, cada vez mais, é necessário que o médico olhe a pessoa em concreto que tem à sua frente, faça os exames adequados e coloque as diferentes opções de tratamento à disposição da pessoa, para que esta, devidamente esclarecida, possa decidir qual a sua melhor opção neste momento, e participe activamente na escolha do tratamento do seu caso, sempre que possível.

Cada vez existe maior informação, maior prevenção e rastreio, e maior oferta de tratamentos, portanto, nesta batalha, o doente não se deve sentir só, mas apoiado; deve ser esclarecido devidamente sobre as suas opções, e tomar uma decisão apoiada.

A partir daí, deve ser respeitado na sua forma de estar e de querer estar. Algumas pessoas preferem falar abertamente sobre a doença, sobre os tratamentos, e devem poder fazê-lo de forma livre, sem preconceitos, sem secretismo, sem “tabu”. Outras preferem permanecer um pouco mais reservadas, ainda que devam ter um espaço onde podem falar, de forma reservada também; devem poder permanecer em silêncio o tempo que precisarem, mas haver espaço para falar se sentirem essa vontade.

O doente é livre, sempre, de optar por uma ou outra forma de tratamento, inclusive se quer de facto fazer esse tratamento ou não, e deve ser apoiado e esclarecido na decisão, porque a escolha é sempre dele, mas não o deve fazer sentir só nem em desespero.

Para a semana, tentarei desenvolver este tema, no sentido de prestar informação mais detalhada sobre os passos a seguir quando é diagnosticado um Cancro e compreender melhor a doença e seus tratamentos, bem como o doente e os seus sentimentos, dentro do que é possível, claro está.

Esta informação visa informar, sem alarmismo, o doente e seus familiares e amigos, para que a doença seja o menos penosa possível, e que a “batalha” a travar seja um pouco menos injusta, e um pouco menos só, para quem a trava…

Desejo-vos uma semana tranquila,

 

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega