PARTE 1 – Educação e Modelos – Para uma escolha informada, livre e especial

No final de mais um ano letivo, mães e pais, encarregadas e encarregados de educação, começam a preparar o próximo ano letivo com as suas filhas e/ou os seus filhos.

As escolas antecipam bastante esta preparação, e a partir de Dezembro de ano anterior até Julho, muitas vão fechando vagas, preparando as turmas, e caminham num sentido de preparação do próximo ano.
Até aqui nada de novo.

Tenho visto muitas e muitas escolas ao longo da vida, desde as que eu própria frequentei, até às várias que vou vendo para a minha descendência, e ainda todas aquelas em que tenho trabalhado, ora como psicóloga, ora como professora…

Seja em que papel for, fui vendo e observando uma boa quantidade de escolinhas, desde as que têm creche até ao secundário, passando pelo público, em diferentes zonas de Portugal, e passando pelo privado, passando pelo mais caro, pelo tendencialmente gratuito, pelas IPSS, e pelos centros de apoio à infância…

Em todos os locais existem naturalmente coisas mais positivas e outras menos positivas…e não há perfeição, claro está.

Mas o que venho aqui escrever hoje, e o que vou reflectindo, é da dificuldade extrema em Portugal de encontrar escolas que apliquem modelos alternativos, quer quando isto se aplica às idades mais precoces, quer quando se aproximam os anos finais da escolaridade obrigatória, o 3º ciclo e o secundário…

Por modelos alternativos quero dizer, modelos que não sigam o conservadorismo do ensino tradicional e convencional.

No ensino público, salvo a honrosa excepção da Escola da Ponte, com um modelo bastante alternativo ao convencional e com provas dadas de eficiência em vários aspectos relevantes para o ser humano enquanto um “todo” ( e não só no que se refere ao sucesso académico ), as escolas seguem os modelos tradicionais, e também curriculares naturalmente, e para qualquer “criatividade” dependem muito das direções dos agrupamentos, e, mais importante ainda quando falamos do 1º ciclo do 1º ceb, das professoras e dos professores titulares das turmas; por vezes pode haver alguma diversidade nas metodologias de ensino, nos modelos de sala de aula, em toda a componente de metodologia pedagógica, mas de acordo com as professoras e professores em si mesmos, a sua formação de base e as formações complementares e preferências. Quer isto dizer que as escolas públicas “pecam” porque as pessoas não podem escolher a escola ou o agrupamento, muito menos as docentes e os docentes, e portanto as crianças e jovens ficam colocados na área de residência ou de trabalho do encarregado de educação, sem que se possa proceder a uma escolha.

Pode ser fantástico, e, honestamente sei que existem muitas escolas públicas excelentes e com um corpo docente absolutamente dedicado e excepcional, mas também pode correr menos bem, e sobretudo não ir ao encontro das necessidades particulares de uma ou de outra família.

No ensino privado não há dúvida de que a larga maioria das escolas seguem modelos convencionais, e algumas delas, na sua alternativa oferecem um ensino ainda mais “automatizado”, onde as crianças são basicamente “treinadas” a estar e a executar tarefas, para obter resultados na verdade, e muito pouco estimuladas para o pensamento e a criatividade, a diferença, e o desenvolvimento da sua personalidade, os afetos e tantas outras coisas importantes.

Dentre estas, e não vou citar logicamente nenhuma em concreto, existem escolas que mais parecem treinar robots do que outra coisa…existem escolas que transformam crianças inteligentes em crianças com dificuldades, existem escolas que mutilam a personalidade das crianças, a sua individualidade, as suas vidas psicológicas, de forma angustiante, e outras que ajudam e proporcionam um desenvolvimento saudável e estimulado, fomentam o bem estar e a cidadania, incentivam e criam sucessos nas aprendizagens…

Existem escolas que não estão preparadas para a inclusão e outras que a rejeitam de forma tácita…
Existem escolas que expulsam meninas e meninos porque “não servem”, escolas que trabalham para o mérito e para a excelência e competitividade, que contribuem mais para o bullying do que o evitam, que contribuem para criarmos modelos de sociedade com pouca originalidade e pouco pensantes……
Existem também escolas cuja função é diluir a personalidade nas “massas”, o que também gera logicamente “handicaps” em termos individuais e de descoberta de si mesmo e do seu lugar no mundo…
Existem ainda escolas alternativas mas que são demasiado fundamentalistas nas crenças que as sustentam, e que acabam por de igual forma não ir ao encontro da criança…
Não há perfeito…

Mas apesar de todas estas variantes existe ainda uma imensa falta de opção em Portugal.
E existe também falta de pequenas liberdades e direito de opção em pequenas coisas…
Um exemplo: as meninas e os meninos não podem trazer comida de suas casas, em muitas, mesmo muitas escolas… Cobra-se uma mensalidade muito mais alta, justifica-se a ausência de condições para conservar em bom estado e de acordo com as normas os alimentos que venham de fora (pois eles não entram), e massifica-se a opção.

Assim, numa grande maioria de casos as opções vegetarianas são basicamente vedadas.
Noutros casos as preferências das famílias são de igual forma vedadas, respeitando-se apenas dietas medicamente recomendadas…

Veja-se pois que continuamos a defender os modelos em que todas as crianças têm de comer igual…e que é isto que as prepara para a vida…

Pois, mas na vida cá fora, em qualquer snack bar, restaurante ou pastelaria, existem um sem número de opções…a escolha faz parte da vida, e ter de fazer escolhas simples como estas, ou a roupa que se veste, ajuda, do meu ponto de vista, a que as crianças lidem com essa angústia que é escolher…

Porque é que isso não prepara para a vida?…É a falta de opção que prepara para a vida?…é o ensino igual para as massas que prepara bem as crianças e jovens?…

Prepara para quê?…Ah, já me esquecia: “é já um bem ter comida na mesa, porque há fome no mundo…” Um dia ouvi uma criança dizer em resposta a este tipo de frases qualquer coisa como: mas se eu comer o que tenho no prato, não estou a ajudar as meninas e os meninos que passam fome no mundo?…pois não?…
(Pois não…não está…)

Que é uma enorme benção poder saciar a fome, sem dúvida…
Que devemos ser solidários com as pessoas que passam fome no mundo, é incontestável.
Agora não permitir a diferença, que até em tempos de outrora era permitido em qualquer colégio, mesmo os mais conservadores – chamava-se serviço de refeitório e cada vez é mais raro… – parece mais uma questão economicista e mercantilista, carregada de justificações do mais variado tipo, do que outra coisa qualquer…

As fardas que justificam alegadamente a não diferença entre classes sociais, dizem…e que diferenciam as meninas e meninos de colégio dos que estão na escola pública, são uma hipocrisia…do pior tipo diria eu…e por muito conforto que possam dar às famílias (é menos uma preocupação de facto), continuam a ser uma forma de identificar o estabelecimento, promovendo-o logicamente, não tendo em conta a privacidade das crianças e das famílias, que, desta forma, são facilmente associadas ao local onde estão a estudar…

Nos tempos que vão correndo, nem considero isso uma proteção para as crianças e adolescentes na verdade, pois quer queiram quer não, qualquer desconhecido tem acesso ao local onde estuda a criança ou jovem através da farda…

Enfim, quem tiver essa preocupação terá de mudar de roupa à saída…
Outras escolas decidem vender as fardas e equipamentos dentro do estabelecimento, e com isso lucram bastante na verdade…enfim…hoje em dia alguns colégios são apenas “máquinas de fazer algum dinheiro”, e pouco ou nada têm de diferente ou útil para oferecer a quem paga e a quem frequenta os mesmos…Deixam muito a desejar…mesmo!

Outros são realmente muito bons, e podem ou não corresponder aos desejos de uma ou de outra família.
Mas o que importa é percebermos que existem uma minoria de colégios que praticam o ensino com metodologias alternativas, e embora sejam poucos, cada vez vão existindo mais adeptos.
O ensino encarado de forma diferentes não vislumbra apenas a parte académica, nem a descura.

Mas vê o ensino como sendo tudo o que envolve as e os alunos, e os prepara para vários aspetos da vida…

E fazem-no muitas vezes, felizmente, não partindo do pressuposto de que a vida não é fácil, e que dificultando vamos conseguir educar as nossas crianças e jovens, mas antes pelo contrário, criar ambientes de saudável respeito pela diferença, de apoio mútuo, de tolerância e liberdade, de responsabilidade, e porque não de felicidade?…A vida encarrega-se de colocar as nossas crianças e os nossos jovens em diversos momentos no tempo menos positivos…é um facto. O sofrimento vai sempre aparecer numa ou noutra altura da vida de cada pessoa.

Não há, da minha perspectiva, nenhum interesse salutar em fazer das suas vidas escolares um pesadelo…ou pelo menos uma formatação excessiva que leve as crianças e jovens a serem absolutamente castrados nas suas opções.

As mães e pais deste país, e de outros, cada vez mais se revoltam contra esta formatação “fora de época”, e o homeschooling e o unschooling são uma realidade crescente nas escolhas das famílias mais informadas, em certa medida também por isso – porque os modelos que existem não servem para estas famílias.

Uma rebelião perfeitamente justificada, mas nem sempre a mais favorável para as famílias, que também têm de fazer opções árduas quando decidem por esta modalidade. Se umas optam porque podem e querem esta solução, outras optam por não encontrarem opções que as tranquilizem e respeitem as suas opções de vida, crenças e valores.

O homeschooling muitas vezes é apoiado por tutorias e associações, e em muitos casos as crianças até frequentam estes locais…mas não encontram nos modelos vigentes nas escolas resposta para as suas necessidades.

Por esta razão, dentre outras, e porque o nosso sistema de ensino está obsoleto e ainda remonta na sua base estrutural ao final do século XIX, é urgente mudar o sistema no público, mas com consistência e num projeto que dure gerações…”não dá “ ir “saltando” de modelos e metas curriculares a cada dois ou quatro anos…Tem de haver um consenso alargado, e talvez até uma liberdade de escolha entre modelos até por parte das escolas.

É urgente implementar serviços de refeitório nas escolas e/ou opções de ementas diferentes por opção das famílias, como a vegetariana (aliás a mais democrática, e própria de uma escola laica, que poderia existir, porque respeita as várias restrições associadas a religiões e filosofias de vida diferentes).
Mas sem ser no público, porque no seu todo isto é matéria para uma discussão e debate muito mais profundo e alargado, fale-se do privado e de como é urgente acima de tudo alargar as opções das famílias…

Se para uns a escola conservadora, o ensino militar, a doutrina católica ou evangélica ou outra cristã, ou mulçumana, ou judaica, faz pleno sentido, e esta oferta vai existindo, também aquelas e aqueles que optam por filosofias de vida diferentes, e uma visão integral e diferenciada do ser humano, deveriam ter um maior leque de opções – felizmente já as há, mas são poucas…e há ainda pouca informação.
Às famílias que procuram soluções no privado, sugiro que possam procurar alternativas que se adequem às vossas crenças e valores, procurem…procurem modelos adequados à vossa forma de estar e de ser, em liberdade, sem julgamento de valores.

Todas as escolas e modelos têm o seu espaço…Há pessoas que se identificam com este ou com o outro modelo.

Mas por sermos pessoas diferentes, considero que as famílias não se devem deixar “acabrunhar”, nem à sua descendência, porque não “encaixam” nos modelos que lhes são apresentados em maioria, ou perto de “casa”.

Esse esforço de “pertença” onde vos é impossível sentirem-se bem, apenas contribuirá para tornar as vossas vidas num inferno, com constantes divergências e problemas, com repercussões na vida das vossas crianças e jovens.

É fundamental aceitar as vossas diferenças e prioridades em educação. É ainda mais importante aceitarem a criança ou jovem que têm em casa, as suas necessidades, o que contribui melhor para o seu desenvolvimento e crescimento enquanto ser humano, a pessoa adulta de amanhã.

Feita a seleção de prioridades (uma lista do que mais “pesa” para vós, e o que menos “pesa” por exemplo, é um bom recurso), procurem o mais possível, visitem, informem-se, peçam referências, façam perguntas. Depois ponderem com calma, mesmo com prazos curtos por vezes, e decidam. Se algo correr menos bem, equacionem novamente as vossas opções, não tenham medo da mudança…
As crianças e os jovens têm capacidades extraordinárias…mas têm características únicas e especiais…

Saiba que existem escolas com modelos pedagógicos alternativos como : Highscope; MEM (Movimento Escola Moderna); Waldorf; Montessori; e ainda modelos que integram influências de mais do que um modelo pedagógico deste tipo, numa tentativa de reunir no ecletismo aquilo que de melhor se encontra nestes modelos, e colmatar uma ou outra falha…

Não se julguem “esquisitos”, pesquisem sobre cada um dos modelos e escolas. Nós não somos todas e todos iguais. Somos diferentes. E ainda bem que assim é.

Temos de ser e estar no Mundo, da forma como melhor nos encontrarmos connosco mesmos e com os outros, e com a sociedade de que queremos fazer parte, mas onde também queremos fazer a diferença…
Como dizia Rudolf Steiner:
“(…) A educação deve ser totalmente dedicada às necessidades do desenvolvimento da criança.
(…) Não procura a qualificação profissional e a produtividade económica, como se tem exigido da educação desde a revolução industrial.
(…) A criança, crescendo, vai aprender a compreender qual será o seu papel no mundo sem qualquer imposição dos pais, das escolas e da sociedade em geral.”

Acrescento eu, a criança e o jovem, devem ser sempre tidos como um todo nas suas dimensões bio-psico-social-espiritual. Ao ser humano é necessário que lhe sejam reconhecidas todas estas dimensões desde que nasce até que morre, e muito particularmente ao longo das fases de desenvolvimento.
Assim, se para umas famílias, os modelos conservadores servem, para outras não servem.
Se para umas crianças e jovens os modelos mais convencionais servem, para outros não servem de todo e até os oprimem ou revoltam, por exemplo.

E sim, não é o seu filho ou filha que “não serve” , é urgente que procure, se puder, um sistema que aceite a criança ou jovem como é, que respeite a sua diferença e personalidade, e que vá ao encontro das necessidades de cada pessoa.

Existem sistemas que matam a curiosidade e o gosto por aprender à partida…E esses são modelos que, mesmo que tenham provas dadas com muitas crianças e jovens, podem não servir para outras crianças e jovens.

Escolha portanto sempre em consciência.
O resultado não se pode prever…mas a escolha deve ser sempre livre, consciente e informada.
O artigo de hoje prende-se sobretudo com esta reflexão, pelo direito à diferença e à escolha, à liberdade.
Espero que possa contribuir para alguns pais e mães que se encontram em busca de algo diferente, sem saberem bem por onde ir…Ou outros que estão “aflitos” com os seus filhos ou filhas, porque a escola os “rotulou” e não os consegue por algum motivo, integrar e motivar para a aprendizagem… Frequentemente a questão está no facto de que aluna/aluno e modelo não “encaixam”…

Acima de tudo nunca permitam que o sistema “acabrunhe” e “amachuque” as suas crenças e valores mais profundos, nem na educação da sua descendência, nem noutras matérias importantes.
Não permita a opressão das crianças e jovens, ou modelos que discriminem de forma negativa, que excluam, e que não se coadunem com a vossa visão da vida e do mundo.

É um direito que assiste a todas e todos nós, cidadãs e cidadãos do mundo, que a ele pertencemos, que nele participamos, com consciência e em liberdade: poder escolher, poder ser diferentes, poder encontrar novos caminhos.

Abordarei proximamente alguns modelos alternativos pois penso que vale a pena olhar para um ou outro com maior detalhe…
Até lá!