Parte 2 – Modelos pedagógicos: Waldorf e a Antroposofia – “O ser e o mundo”

Na sequência de uma crónica escrita há cerca de três semanas (parte 1), hoje escrevo sobre um dos modelos que elegi para esta abordagem, com o seus pontos mais positivos e também os outros de que gosto menos, abordagem que pretendo continuar posteriormente, talvez por mais duas ou três partes, seguidas ou intercaladas no tempo. Hoje falo-vos sucintamente da pedagogia ou do modelo pedagógico de Waldorf.

A pedagogia Waldorf, fundada por Rudolf Steiner em 1919, em Estugarda, na Alemanha, caracteriza-se por ter métodos pedagógicos divergentes das metodologias clássicas ou tradicionais, e outras, que se centram sobretudo na antroposofia, donde derivam, e no conceito antroposófico do ser humano, vendo-o portanto na sua dimensão holística também.

Esta pedagogia, hoje procurada por muitas pessoas que não se identificam com os modelos tidos como tradicionais, e por associarem, e bem, Waldorf à Natureza e a uma concepção do ser humano, criança e adulto, como integrante e pertencente à Natureza e ao Universo, começou no entanto a ser utilizada numa escola para filhos de operários que trabalhavam numa fábrica tabaqueira Waldorf-Astória.
Os seus métodos “revolucionários” à época, e ainda hoje largamente contestados, são praticados em Portugal, se pensarmos numa linha purista de Waldorf, por muito poucos estabelecimentos, a apenas desde a década de 80. Atualmente existe apenas um a funcionar em pleno até ao 9º ano de escolaridade, por exemplo.

Em Espanha e noutros países da Europa, bem como no Brasil, já temos o ensino total de base, à excepção do universitário, em alguns estabelecimentos/comunidades, seguindo a metodologia Waldorf.
É provável que com o ensino obrigatório até ao 12º ano de escolaridade, passemos a ter também o ensino secundário num ou noutro estabelecimento/comunidade por terras lusas…

Para perceber melhor o que vem a ser na verdade a pedagogia Waldorf, antes de mais ela não se deve confundir com alguns modelos pedagógicos que recorrem em alguns itens e atividades a técnicas e métodos desta pedagogia, mas integrada noutros métodos pedagógicos, e até noutras pedagogias. Por vezes este “mix” funciona bem e produz bons resultados, outras vezes este “mix” é um disparate completo, se me permitem, que em nada valoriza nenhum dos modelos, já que alguns deles são até na sua essência perfeitamente incompatíveis.

Em Portugal tenho conhecimento, e com boas referências, de que existem dois Jardins de Infância a ter em consideração (com crianças até aos seis anos), e que efetivamente aplicam na sua linha mais purista a metodologia Waldorf , um em Lisboa na zona de Alfragide, e um a sul, no Algarve, no concelho de Lagos.

Existe ainda um estabelecimento, uma Associação, que presta um imenso serviço à sociedade na verdade, e que é uma referência sempre a tomar em consideração quando se fala do modelo Waldorf, neste caso aplicado à educação das crianças e dos jovens, e também na fase adulta. A atividade desta Associação, na zona de Alhandra, estende-se à comunidade nas suas diferentes atividades, passando também pela educação até ao 9º ano de escolaridade.

Encontramos também uma escola de educação especial, mais a norte do país, em Seia, que funciona de acordo com a pedagogia e o modelo Waldorf, a ter em consideração e como um referencial desta metodologia aplicada às necessidades educativas especiais.

Internacionalmente, contam-se mais de 700 escolas que aplicam a metodologia Waldorf, e dentre estas várias estão reconhecidas e são tidas como parceiras da UNESCO.

Falando do verdadeiro modelo em si mesmo, como se disse, ele insere-se numa visão antroposófica do ser humano, e até foi considerado há pouco tempo um dos modelos que tem melhores resultados no ensino das crianças e dos jovens, num estudo levado a cabo ao nível internacional e em vários estabelecimentos onde se aplica o método, na sua essência.

A pessoa, que nasce e passa por ser criança, é, acima de tudo, e dentro da perspetiva deste modelo, uma pessoa que se desenvolverá e ao seu caminho, de forma livre, indo ao encontro daquilo que será o seu papel, o seu lugar, na vida e no mundo, mais ainda no Universo.

Nesta perspetiva é objetivo desta pedagogia levar o ser humano a encontrar o seu caminho, permitindo desde tenra idade que a criança se enamore com o mundo à sua volta, a humanidade, a natureza, o mundo físico em ser redor, para mais tarde o poder servir com reverência e amor.

As práticas estão associadas às atividades escolhidas, sendo um ponto comum trabalhar com as crianças e jovens por forma a valorizar as suas experiências sensoriais precocemente, viver ao ritmo da natureza, das estações do ano, etc., num perfeito respeito pela natureza “mexida” e irrequieta das crianças, e nunca acionar um travão, muito menos “acabrunhar” a tendência natural das crianças em serem curiosas, ativas e gostarem de explorar o mundo à sua volta.

A liberdade é amplamente respeitada, mas, ao mesmo tempo, nunca deve servir de desculpa para o “desmazelo” e negligência nos espaços e nos cuidados com os materiais, alimentos, e, muito menos, com os seres humanos ao cuidado de outros. Digo isto porque algumas pessoas críticas acérrimas deste modelo, acusam precisamente os espaços que o aplicam na educação, de nem sempre estarem aptos a dar resposta em casos de acidentes, e em não se verificar um maior cuidado e responsabilidade que acompanhe a “dose extra” de liberdade que é dada às crianças…

Por isso mesmo escrevo o que escrevo, os bons espaços educativos que sigam a metodologia Waldorf, são de igual forma responsáveis e atentos à segurança das crianças, e não é este aspeto relegado para segundo plano. Se existem espaços onde tal não é respeitado, isso nada tem a ver com a pedagogia Waldorf, mas com más práticas, que podem acontecer em qualquer espaço, em qualquer modelo pedagógico, e que são sempre de lamentar…

É vulgar e salutar, práticas e atividades em comunhão com os ritmos da natureza, com destaque para o desenvolvimento da criança e do jovem a partir dos sentidos nas idades precoces, estimulando a imaginação e a imensa alegria natural que as crianças têm em viver.

Ao caminhar na idade, passam então a ser desenvolvidos os aspetos cognitivos e intelectuais, e, com excelentes resultados em todo o mundo. Mas nas idades mais precoces é de facto predominantemente os aspectos sensoriais e motores que são desenvolvidos.

Manuais escolares em Jardim de Infância são absolutamente descabidos nesta metodologia, e é no “brincar”, sentir, escutar o mundo, o próprio e os outros, que assentam a maioria das atividades e das práticas.

A educação Waldorf implica o desenvolvimento de todas as vertentes: científica, artística e estética. O importante é, como Steiner dizia, que “cada criança encontre o seu papel no mundo”, e que isto vá ao encontro de si mesma enquanto ser humano, e jamais seja apenas derivada da influência dos pais, professores, dentre outros…

Somos todos um ser único, especial, que tem de ser respeitado como é, nos seus limites e potencialidades, mas sobretudo a quem tem de ser dado espaço e condições para o desenvolvimento pleno do que é e do que pode ser no mundo, “à sua maneira”, e não formatado de acordo com um qualquer modelo que para ele criaram e onde decidiram que se deveria encaixar…
Parte-se aqui do pressuposto, para mim verdadeiro, de que o ser humano passa desde que nasce por um processo de desenvolvimento, e que todos aprendemos com todos…neste sentido não há a típica hierarquia, de uns maiores do que outros, todos somos pessoas, aprendemos com as crianças e elas connosco, porque somos seres individuais, que trazemos connosco desde logo algo que é só nosso. Não somos tábuas rasas à nascença, não somos propriamente educáveis, mas sim temos de ter oportunidades para nos desenvolvermos, em pleno.

A liberdade e a harmonia com a natureza e com o universo, fazem parte das premissas da pedagogia Waldorf, que procura que cada ser humano se torne capaz de ser responsável e de intervir zelando pelo planeta onde habitamos todos, zelando pelo respeito entre as pessoas, os animais, a natureza.

Aqui a filosofia de vida prende-se, ou melhor liberta-se, a partir da tomada de consciência de que somos corpo-alma-espírito, e de que temos de respeitar os ritmos da natureza e os nossos, que dela fazemos parte. Não há portanto espaço para a competição, para metas e objetivos a ritmos absurdos. Há um respeito pela individualidade de cada criança e de cada um.

Por outro lado, Waldorf é mais do que um modelo educativo, ele é um movimento que vai ao encontro de uma escola de pensamento, a antroposofia; Waldorf é na verdade um movimento internacional com uma abordagem multicultural, onde se fomenta o respeito pela diversidade, e donde derivam estas práticas pedagógicas que visam tornar a criança mais responsável e autónoma, um ser humano capaz de zelar e interferir positivamente no mundo que o rodeia, procurando criativamente e de forma individual a sua forma de integração na sociedade e na construção de uma nova sociedade mais saudável.

A alimentação praticada nas escolas Waldorf, se forem realmente defensoras desta corrente de pensamento, é vegetariana, pelo respeito e pela ética que não permite ver animais enquanto alimento, mas sim enquanto seres que merecem todo o nosso respeito e proteção. Existem também outros fundamentos no âmbito da escola de pensamento onde se insere o modelo que remetem para o vegetarianismo, mas, acima de tudo, a ética o justifica.

É obiviamente importante que as famílias defendam esta corrente e a apliquem às suas vidas, pois dificilmente se consegue harmonizar estilos de vida que sejam incompatíveis neste sentido.
A moderação é importante, claro, mas neste caso é muito complicado compatibilizar aspetos que sejam realmente contraditórios, e sobretudo se colidirem uns com os outros.
Waldorf insere-se num modelo de sociedade diferente, mas as pessoas não estão fora da realidade, de forma alguma, nem precisam de estar.

Por outro lado os aspetos das vacinas, por exemplo, inseridos no quadro desta corrente de pensamento, podem provocar situações de conflito. Lembre-se que a vacinação em Portugal não é obrigatória, embora fortemente recomendada. No entanto, as pessoas podem optar.

Pessoalmente sou muito a favor desta corrente de pensamento, mas sempre encontrei dois pontos onde realmente discordo – um é precisamente o da vacinação. Ainda que saiba e tenha plena consciência dos riscos inerentes às vacinas sobretudo pela forma como são produzidas, mas também por ouros aspetos, pesa para mim muito mais, os riscos tenebrosos das doenças que são evitadas por muitas desta vacinas…A vacinação é promotora da saúde pública, e neste aspeto, apesar dos riscos que não ignoro, de todo, na hora da decisão sou defensora das vacinas a todo o custo.

Outro deles é no que diz respeito à tecnologia: sou defensora do uso da tecnologia para beneficiar a humanidade, e fã da tecnologia sempre…assim, confesso, é-me complicado aceitar que as tecnologias fiquem à porta…
Defendo que as crianças e adultos de hoje usem computadores, tablet, play stations, e toda a tecnologia segura e ao seu alcance, com moderação, e pedagogicamente, mas também como lazer e diversão, comunicação etc.

Sou uma apaixonada pela humanidade, pela natureza, e identifico-me muito com correntes como a da antroposofia, teosofia, e afins…mas nesta questão, defendo o ecletismo, e este leva-me sempre a procurar um “equilibrar” das coisas, em que tendo a “receber com gratidão” tudo o que Waldorf nos dá em pedagogia, e a antroposofia nos transmite e ensina, mas respeitando aquilo que de novo se acrescenta, este conhecimento imenso que a ciência material nos trouxe também, e onde incluo as vacinas, os tratamentos médicos, a tecnologia…

Neste sentido, defendo o harmonizar de conceitos, quando aplicados na vida, e cada vez mais acredito que os afetos, a tolerância, e o harmonizar conceitos e correntes, quando possível, podem ter os melhores resultados.

Relativamente à pedagogia em si, lamento que não haja a implantação que há noutros países, porque preferiria certamente um modelo que integra o ser humano, a natureza e o universo, bem para além daquilo que se aprende nas nossas escolas de modelo mais convencional…

No entanto, existem aspetos dos quais não consigo “abrir mão”, no sentido mais purista, e mesmo como psicóloga, acredito que se para umas crianças este é o modelo “correcto” onde se podem descobrir e “inventar”, para outras com famílias também diferentes, é provável que as escolas onde se usem as tecnologias ainda as interessem mais do que aquelas mais próximas da natureza no seu estado mais puro.Tudo depende das crianças e claro das famílias. O importante é conhecer para melhor escolher, creio eu, pelo menos sempre que nos é permitido escolher.

Como dizia Melanie Klein: “Quem opta pelo conhecimento é sempre expulso de algum paraíso”….
Pois bem, é um preço que se “paga”, mas se o conhecimento antroposófico, e o pensamento de Steiner são verdadeiramente importantes, e para mim, são importante realmente, e de forma incontornável, não tenho dúvida de que acompanhar a evolução do conhecimento humano, e da própria ciência, mesmo a materialista, faz parte do amor pelo conhecimento, e pode, e deve, ser posto igualmente ao serviço da humanidade.

Neste sentido, perco o “paraíso” que reconheço rever e encontrar nos espaços onde a metodologia Waldorf é aplicada e levada à prática, quando me encontro na e pela ciência mais pura, mas sei que algures há um caminho que nos coloca em sintonia e união entre uma e outra coisa, sem fundamentalismos, com espírito de dádiva ao mundo e à humanidade, o caminho que se quer feito de pontes, de pontos que se cruzam, e onde se pode de forma integrada ir complementando uma e outra perspetiva e visão da vida, numa harmonia perfeita que é a que defendo que devemos escolher…cada um de nós, de acordo com o que lhe faz mais sentido, à sua maneira. Neste sentido todas e todos, crianças e adultos, temos de ter o “nosso espaço”. sem “ismos”, sem julgamentos, apenas com mente aberta e espírito livre, em busca do nosso caminho e do nosso papel no mundo, harmonizando teorias, correntes ou conceitos que nos façam eco, que nos façam sentido…nas escolas, como na escola que é a nossa vida terrena.

Que assim seja.
Tenham uma boa semana, plena de harmonia.