Partidos e Opinião Pública: Uma Crise de Representação?

A campanha para as próximas legislativas já começou. O Partido Socialista e a coligação PSD/CDS-PP apresentaram os seus programas e o eleitorado começa agora a formar as suas opiniões e a estruturar, no seu interior, aquela que será a sua estratégia de voto. Esta será, porventura, uma das eleições mais importantes do Portugal democrático. Uma dicotomia de valores vai a votos no próximo mês de Outubro e o povo português será chamado às urnas para decidir qual o caminho para os próximos quatro anos. Será, portanto, uma boa altura para medir alguns dos aspectos que constituem a opinião pública portuguesa e que explicam o seu poder na tomada de decisões a nível político. Por outro lado, farei um breve ponto de situação da actual relação entre eleitores e partidos, que, a meu ver, apresentam indicadores preocupantes.

A opinião pública é normalmente considerada como uma realidade objectiva que exprime a média das opiniões individuais observadas num determinado espaço social. É através dela que o tecido social se forma e se uniformiza. Porque é a opinião pública importante para o poder político? Numa palavra: legitima-o. São os meios de comunicação social que permitem a circulação do discurso da opinião pública e que o transmitem de forma eficaz para as várias áreas da vida social, nomeadamente, para a esfera política. Sem ela, os representantes dos cidadãos e as suas decisões não poderiam ser responsabilizados. Sem ela, não existiriam instituições democráticas. Sem ela, o poder político seria déspota.

As campanhas políticas demonstram hoje uma inversão na lógica das relações sociais: a subordinação do poder político ao poder dos media. Não é possível haver mobilização social, e a consequente apropriação do Estado pelo poder político, sem a intervenção da máquina das massas. É ela quem comanda o discurso eleitoral. Cumprindo, ou não, as suas promessas, quando ouvimos na televisão António Costa dizer que irá reduzir a Taxa Social Única (TSU), ou Passos Coelho a declarar numa entrevista que não serão feitos mais cortes salariais ao trabalhadores da função pública, ambos encontram-se a tentar influenciar a opinião pública, ou seja, a manipulá-la. Parece pouco ético, mas a verdade é que este processo é fundamental para que os eleitores consigam estruturar o voto e para que a responsabilização dos actos dos nossos representantes se realize. Mas estará a opinião pública satisfeita com a performance dos nossos políticos?

O European Social Survey (ESS) é um inquérito transnacional de cariz académico no qual Portugal participa há vários anos, juntamente com 30 países, que tem sido realizado a cada dois anos por toda a Europa desde 2001. Permite medir e interpretar as mudanças que ao longo do tempo ocorrem nas atitudes, percepções e padrões de comportamento dos europeus e a sua interacção com as transformações nas esferas económica, social e política. Segundo este estudo, em 2012 (dados mais recentes que englobam a legislatura da coligação PSD/CDS-PP) os portugueses encontravam-se bastante insatisfeitos com as instituições políticas e os partidos. Na verdade, cerca de 77% dos inquiridos afirmava ter “muito pouca confiança” na Assembleia da República, uma instituição cuja principal função, entre muitas outras, é representar os seus constituintes. No que toca à confiança no Governo, 74,4% encontrava-se “pouco satisfeita” com a coligação, nada que não se estivesse à espera tendo em conta as brutais políticas de austeridade que levaram milhares à pobreza em nome do bom equilíbrio das contas públicas.

Se analisarmos os dados referentes à confiança nos políticos e nos partidos os resultados são ainda mais desanimadores. Quando questionados sobre a confiança na classe política, 51,2% da amostra afirmou ter “nenhuma” ou “muito pouca” e 49,3% confirmou que não confiava nos partidos que constituem o sistema partidário português. Estes indicadores são demonstrativos da profunda crise entre partidos e eleitores. As pessoas não se sentem representadas e culpabilizam os partidos pelos problemas do país. Há cada vez mais uma clara dificuldade entre articular os interesses dos partidos e os interesses dos seus eleitores. A nível institucional os partidos têm cumprido as suas funções (recrutar os Deputados e os líderes políticos, organizar o governo e o parlamento e elaborar políticas públicas), contudo, ao nível representativo (estruturação do voto, representação e mobilização social) acumulam um deficit perigoso.

Em suma, a crise dos partidos parece existir apenas na ligação partido-sociedade civil. Em oposição, a ligação partido-Estado nunca esteve tão forte. O declínio generalizado dos níveis de participação, a constante necessidade de procurar outras fontes de financiamento assim como a decadência da acção partidária condicionaram as posições dos partidos tradicionais e obrigam a que haja uma reformulação dos objectivos dos partidos. Tanto o PS como o PSD terão de ter em conta que a opinião pública portuguesa se encontra insatisfeita e mais exigente do que nunca. Esperemos que estes sinais façam mossa nas fileiras partidárias e que estas demonstrem estar à altura durante a próxima legislatura.