As Pastilhas do Esquecimento

Vou tentar não me esquecer de alterar alguns dos meus velhos hábitos.

O primeiro deles, por causa do efeito nocivo para a saúde que devem ter as “pastilhas do esquecimento” provavelmente postas a circular na rede pública do abastecimento das águas, vai ser o de deixar de beber o precioso líquido que chega a nossas casas através da torneira e ingeri-lo apenas na forma engarrafada à venda nas prateleiras de qualquer supermercado.

Tomei esta decisão no passado dia 25 de maio, em face do resultado das eleições para o parlamento europeu, das quais saiu vitorioso um Partido político que num passado ainda não muito distante dera sinais de não saber governar o país, conduzindo-o a uma situação de pré-bancarrota da qual ainda não se restabeleceu.

Bem sei que quase tudo foi dito a respeito destas eleições, pelo menos a julgar pelo número de comentadores que apareceram, cada qual com uma opinião, aproveitando o tempo de antena no horário nobre que os canais televisivos lhes disponibilizaram para nos enriquecerem com a análise política que ultrapassou largamente o espaço que essas estações dedicaram às ações de cobertura de campanha dos partidos de menor dimensão.

A esses comentadores de fato e gravata cinzentos a condizer com a situação económica do país, era vê-los, esforçando-se por manter acordadas as pessoas que os ouviam, rebuscando nos seus apontamentos, de aros na ponta do nariz empertigado, com as lentes que deviam estar sujas ou desfocadas pois viam uma realidade diferente da minha.

Talvez trouxessem a vista enevoada pelo clarão dos holofotes que iluminavam todas as sedes dos Partidos que à hora dos telejornais reclamavam vitória, ou a incapacidade que demonstravam de saber ver e ouvir o que as pessoas sentiam não passasse de um efeito secundário do facto de andarem a beber daquela água contaminada, em excesso.

Para não perderem o fio à meada dos seus discursos de campanha, recorriam-se de caderninhos de apontamentos onde tomavam nota dos pensamentos do dia como faziam os escritores a quem, no entanto, bastava menos de um quarto das palavras deles para dizerem o que pensavam.

Era a partir do registo que os outros faziam dos acontecimentos, que eles baseavam as críticas que faziam a um tempo em que ainda não eram nascidos, e de improviso só falavam das vantagens de vivermos atualmente num regime democrático ou dos ideais da revolução de abril, como se esta resultasse espontaneamente da vontade de um grupo de militares envolvidos num golpe de estado que nem sequer haviam planeado.

São estes cavalheiros chamados a intervir em maior número quando há eleições, mas admitem falar no rescaldo dos congressos em que os líderes dos Partidos derrotados são tão atacados como o chefe do Governo o é por eles na Assembleia da República em dia de apresentação de Moção de Censura, e tanto podem ser fator de união dentro de um Partido como foco de desestabilização entre os seus dirigentes, por via de opiniões manifestadas muitas vezes de uma forma de que talvez nem os seus pais se viessem a orgulhar se um dia se enchessem de paciência para ouvi-los.

A esses comentadores, porém, talvez pouco ou nada importe a opinião que deles possam fazer, pois sabem que por efeito dessas pastilhas na água de ninguém se atreve a falar e em menos tempo do que demoram muitas vezes a decidir apoiar um candidato diferente a secretário-geral de um Partido, as pessoas se esquecem do que eles dizem, assim como fazem os políticos às promessas eleitorais que os fazem ganhar votos.

É que volvidos 3 anos desde a entrada da troica em Portugal, eis que, por incúria ou esquecimento do eleitorado, uma das forças políticas que mais anos têm governado o país volta a ocupar o 1º lugar nas intenções de voto para as legislativas de 2015.

Pergunto: não serão tantos lapsos de memória, por parte de um povo esquecido de motivos que o encham de orgulho, sintoma de uma doença que lesa a pátria muito mais grave e de maiores proporções?

Certamente que se a culpa não é de nenhuma substância que deitam na água, deve ficar a dever-se a alguma bactéria que se transmite no ar, e como se já não bastasse vir aqui pedir às pessoas que tenham cuidado com a água que consomem, atrevo-me a pedir aos politólogos da nossa praça que tenham tino naquilo que dizem.

O mesmo que uns e outros provavelmente dirão de mim, ou seja, que quem se deve preocupar com o que escreve sou eu para não tirar o sono aos cidadãos que, na minha modesta opinião, mais do que do ar que respiram para viver, precisam de um antídoto que os ajude a lembrar de punir com uma derrota caseira os candidatos dos Partidos que ao longo dos anos não nos têm sabido governar.