Que pena… era um velhote tão simpático

O trenó quântico aguardava há séculos parado, o dono estava lesionado, mas finalmente a sua espera tinha acabado, uma vez que o velhote de barbas brancas tinha finalmente encontrado, o seu vizinho Jesus que depressa o fez curado. “Para alguém omnipresente, tu és lixado de encontrar”, sussurrou para si, enquanto a terapêutica divina lhe era administrada, no entanto, o omnisciente sorriso do amigo, depressa o fez arrepender-se de tal comentário ousado.

O momento estava próximo, nada foi deixado ao acaso, os pais já tinham sido avisados da sua volta, o trenó, o saco das prendas, calibrados pelo respeitável Físico quântico Rodolfo, as renas sentadas nos seus lugares, à frente de outros tantos computadores. O momento em que uma pequena criatura mostra os dentes, mesmo com alguns em falta, sinal da felicidade que está a sentir, o momento em que uma criança sorri, estava realmente próximo.

A sinal do comandante, com todas as renas nas suas cadeiras a fazerem intermináveis equações, Rodolfo carregou na ignição, e no instante seguinte, todas as prendas tinham sido entregues. Diria, ao melhor estilo quântico.

Como é que te sentiste?”, perguntou  ela, preocupada com o velhote. “Como andar de bicicleta”, foi a resposta vigorosa que obteve.

Enquanto aguardavam, partilhavam um charuto mágico, especial para a ocasião, e por entre piadas inconsequentes, tentavam esconder o inevitável nervosismo pelo qual passavam.

Um apito electrónico interrompeu-os, o alarme, também ele quântico, assinalava a primeira criança do mundo que tinha acordado para abrir as suas prendas, bom sinal, sinal de grande expectativa infantil. Depressa saltaram todos aos seus postos, Rodolfo fazia lembrar um qualquer capitão Kirk, tal era a forma como capitaneava a equipa. E mais uma vez, dobrando tempo e espaço, numa fração de segundo, estavam de frente para a criança.

Entrou pela chaminé, não sem antes ter colocado o cobertor mágico da invisibilidade, que Frodo lhe emprestava para estas ocasiões, também eles eram vizinhos. O momento pelo qual aguardava estava próximo, apesar da celeridade com que a criança se aproximou das prendas, e a ainda maior rapidez com que rasgou todos os papéis para descobrir o que lhe tinha reservado este Natal, pareceu-lhe uma ainda maior eternidade que o seu período de abstinência sem ver aquele sorriso, que era a sua razão de viver.

As mãos, os olhos, as pernas, o nosso velho amigo de infância tremia por todo o lado, era agora, não tinha que esperar mais.

Mas nada aconteceu, a criança ficou estática a olhar para os presentes, sem se mexer, num estado catatónico, para incompreensão do Pai Natal, que olhou para Rodolfo à procura da sua inteligência, conseguindo do outro lado apenas maior incompreensão.

Depressa percebeu que talvez tivesse feito surpresas a mais, talvez fosse demais para o pequeno aguentar, sentiu-se mal por isso, censurou-se, e fez um pequeno barulho para os pais da criança virem em seu socorro.

Na expectativa, ali a poucos metros do paciente, viu-o reagir da pior maneira à solicitação dos seus progenitores, num grito contínuo, desafiando os seus pulmões de curta dimensão, que até fez os vidros tremerem.

Passado cinco minutos, a explicação soluçada da criança explicou a patologia.

– O FIFA está com a capa de Portugal, e eu pedi especificamente a capa que saiu na Alemanha!

Não vou mentir, isto foi um golpe na expectativa do nobre senhor, no entanto, putos estúpidos sempre existiram na face desta terra, e até um envergonhado sorriso lutou para sair das suas fortes barbas com sucesso.

Enquanto ainda se recompunham, o alarme começou a apitar sem parar, fazendo um ruído contínuo, era hora de mais uma vez, dobrar tempo e espaço, e visitar todos aqueles sorrisos de criança agradecidos.

Bem, o bom humor manteve-se nas primeiras dez mil, às cem mil começou a esmorecer, mas foi ao milhão de reações idênticas, de outros tantos putos mimados, que finamente perdeu a esperança.

Rodolfo com o nariz vermelho da radiação, deixou os cálculos matemáticos que estava a fazer, e acompanhado de Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago, aproximaram-se daquele que sempre cuidou deles, e tentaram animá-lo.

Fizeram de tudo para aquela teimosa lágrima não cair, desdobraram-se em comentários, dizendo-lhe que aquelas pessoas não mereciam o seu trabalho, que a família deles iria continuar, até disseram que assim, as prendas ficariam para eles e poderiam ter um natal perfeito no Polo Norte.

Rodolfo, com a sua habitual perspicácia percebeu que não haviam palavras que parassem aquelas gotas de água e sal, deu-lhe apenas um forte abraço, e levou-o para o trenó que estava pronto a levá-los para casa.

– Anda velho amigo. – disse a Rena.

E andaram, sob a irritação sonora da criança, e as tentativas infrutíferas dos pais em acalmá-la.

Porém, já quase à entrada do trenó, algo parou os passos de todos.

– Não te preocupes, no próximo ano o pai compra novamente as prendas. E nunca mais vai deixar o Pai natal tratar disso.

Lembro a todos mais uma vez, que estamos a falar dum homem que vivia para o sorriso duma criança, que vivia para entregar alegria em forma de prendas, que esteve séculos a aguardar o momento em que se encontraria de novo com essa imagem, por isso, peço-vos para não o censurarem pelo que irá acontecer de seguida.

Pois bem, nesse momento, o manto da invisibilidade caiu, e com ele a paciência de todo o grupo, olharam bem nos olhos de cada um, não havia equação nas leis da física ou da matemática que resolvesse este vazio que sentiam, somente uma ação bem humana poderia curar esta maleita.

Entraram na casa, sob o silêncio estupefacto da jovem família, pegaram em todas as prendas, sem esquecer os pequenos embrulhos perdidos no chão, e enfiaram-nos pela goela de todos, observando sem remorso , enquanto a família sufocava até à morte.

Mas não se ficaram por aí, fizeram o mesmo em todas as casas do mesmo bairro, que tinham crianças mimadas a minar o verdadeiro espírito natalício.

E mais uma vez, não se ficaram por aí, navegaram no tempo, e visitaram novamente o milhão de famílias que já tinham visitado, e dum milhão de maneiras diferentes, todas elas pagaram pelo seu desrespeito.

Na casa da última família, do último puto mimado, utilizaram as luzes de Natal para escrever uma bonita mensagem para todo o mundo.

O espírito de natal não cairá. No próximo ano, voltarei. Feliz natal para todos vós. HO HO HO”

Com esta nova tradição, o espírito de natal voltou e perdurou em eterna felicidade.