Pequeno Dicionário de Austeritarês

Ajustamento – em austeritarês, não consiste este termo em ajustamento das contribuições do sistema bancário às necessidades de equilíbrio fiscal do Estado, nem em ajustamento dos rendimentos das famílias aos mínimos de dignidade social, nem em ajustamento dos juros da dívida soberana às possibilidades sustentáveis do seu pagamento por parte do Estado. Não. Em austeritarês, ajustamento é um sinónimo de cortes nas prestações sociais e no financiamento dos serviços públicos. Em austeritarês, ajustamento é o nome dado ao processo de acordo com o qual a nossa cintura, cada vez mais magra, se vai acomodando a um cinto que não somos nós que apertamos.

Ambição – em austeritarês, um programa político ambicioso não se traduz numa visão estratégica para o País e as suas potencialidades, nem num plano aprofundado e integrado de reformas em áreas setoriais, nem no grau de abrangência dos compromissos alcançados. Não. Em austeritarês, uma política é tanto mais ambiciosa quanto mais longe se propuser ir na redução das funções sociais do Estado enquanto mais cobra ao nível tributário. Em austeritarês, ambição é o nome dado à intensidade com que o Estado tributa com o mais acentuado dos socialismos e presta serviços com o mais acentuado dos liberalismos.

Competitividade – em austeritarês, a competitividade não se consubstancia numa aposta na formação de adultos e na qualificação de recursos humanos, nem no apoio às empresas exportadoras e de inovação tecnológica, nem na promoção estratégica dos serviços e produtos em que Portugal se possa diferenciar. Não. Em austeritarês, competitividade é, tão só, a diminuição da remuneração do traballho. Em austeritarês, competividade é o nome dado ao processo mediante o qual somos colocados a competir pelo posto honorífico de quem aufere menos por hora de suor.

A austeridade é mais do que a regular prudência de gastar com peso, conta e medida, atitude de senso comum que será relativamente consensual na gestão pública e privada. E um dos pontos em que a austeridade é bem mais do que isso passa por esta sua linguagem que utiliza as palavras fora do seu habitual contexto de uso quotidiano. Não são cortes, é um ajustamento. Não é enfraquecer o Estado, é ser ambicioso. Não é pagar menos por mais trabalho, é ser competitivo.

Richard Rorty, filósofo liberal – no sentido americano do termo – neopragmatista, disse-nos que o desafio político de um filósofo não é descobrir a verdadeira essência de tópicos como o bem, a justiça ou a solidariadade, mas sim, ao invés, olhar para o modo como um conjunto de palavras é concretamente usado e ver quem está a ser beneficiado e quem está a ser deixado de fora. Rorty faleceu em 2007 mas estou certo de que, se estivesse presente nesta era de europa austeritária, não deixaria de nos ajudar a desmascarar, entrada a entrada, o dicionário de austeritarês que nos querem impor.