Pillars of Eternity – O Regresso do RPG Clássico

Em 1998, a Bioware lançava para o mercado um RPG que iria revolucionar todo o conceito de aventuras virtuais, Baldur’s Gate (1998). O jogo oferecia história e diálogos ricos, uma grande interacção com as personagens, exploração e batalha – tudo o que durante a década seguinte a empresa iria aprimorar com êxitos como Star Wars Knights of the Old Republic (2003), Mass Effect (2007) ou Dragon Age: Origins (2009). Acima de tudo isto estava um motor de jogo que se tornou icónico, o Infinity Engine, que proporcionava uma aventura numa perspectiva isométrica e possibilitava parar o jogo a qualquer momento para reflectir e planear as tácticas de combate.

Depois de Baldur’s Gate muitos videojogos utilizaram o Infinity Engine especialmente porque a Bioware autorizou a sua utilização a empresas como a Interplay Entertainment. Durante vários anos vários títulos utilizaram o motor de jogo tais como Planescape: Torment (1999), Icewind Dale (2000), Baldur’s Gate 2: Shadows of Amn (2000) e Icewind Dale 2 (2002). Muitos destes títulos ascenderam ao estatuto de videojogo de culto e mostraram que o RPG virtual tinha chegado para ficar. Com a popularização de motores mais avançados e a chegada duradoura do 3D o Infinity Engine caiu em desuso mas não foi esquecido.pillars-eternity

Em Setembro de 2012 a Obsidian Entertainment, companhia responsável por RPGs como Star Wars Knight of the Old Republic II: The Sith Lords (2004), Neverwinter Nights 2 (2006) e Fallout: New Vegas (2010), organizou um projecto de crowd funding que arrecadou mais de 4 milhões de dólares. O resultado é Pillars of Eternity, um regressar às origens do RPG isométrico através de uma história completamente nova, com algumas particularidades próprias que não insultam as memorias nem a nostalgia dos fãs de Baldur’s Gate.

A historia de Pillars of Eternity vive de uma certa dose de obscuridade que o jogador deve explorar através da documentação que encontrar ao longo do jogo e à medida que a narrativa progride. Parece no entanto envolver o conceito da existência e comunicação com as almas e os espíritos, com consequências morais na narrativa. O jogador torna-se num Watcher, uma figura capaz de comunicar e utilizar a alma dos defuntos. Embora o mundo tenha sido criado de raiz pela Obsidian Entertainment segue o já habitual cliché da fantasia: humanos, elfos, anões e algumas raças que embora sejam originais partem de inspirações antigas.

Também o trabalho de voz é limitado, apenas uma parte dos diálogos no videojogo é realmente falado o que por um lado libertou a Obsidian Entertainment de limitações textual derivadas da contratação de actores numa aventura que vive de um número enorme de texto. Sem estas limitações que prendem um jogo completamente falado, Pillars of Eternity está cheio de horas e horas de leitura onde o jogador pode ter o seu próprio ritmo. Como a maior parte dos RPGs a aventura começa com a criação de personagem que mais uma vez denota as suas origens em clássicos do fim de século. A criação de personagem pode levar horas para os maiores fãs de RPGs sendo bastante rica, embora as escolhas visuais da personagem sejam limitadas, o que se justifica devido às características gráficas do jogo que não beneficiariam de detalhes que na perspectiva isométrica nunca se notariam.

É possível criar uma personagem com poucos entraves percorrendo  uma interface intuitiva que permite um número ilimitado de escolhas que vão desde sexo, raça ou classe, até a especificações mais complexas que se prendem com os atributos iniciais e a cultura, que torna mais complexa as origens da personagem, ou o retrato, que pode ser escolhido de uma lista default ou adicionado pelo jogador.

O jogador pode ser desde o simples guerreiro ao druida que se transforma num enorme urso. Pode ainda ser da raça estranha dos Godlike com uma fisionomia baseada nos elementos. As escolhas são ilimitadas e abrem azo a uma boa experiência de role-playing.

Todas estas escolhas terão impacto na maneira como as personagens do ambiente virtual vão interagir connosco. Além do combate os atributos poderão permitir escapar mais facilmente de certas secções do jogo ou desbloquear algumas linhas de diálogo durante o mesmo, que podem ajudar a resolver problemas com maior facilidade.

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Depois de uma criação rica e intuitiva o jogador é catapultado para o jogo através de uma zona tutorial onde tomará conhecimento dos primeiros desenvolvimentos da história e das mecânicas do jogo.

Em termos visuais o jogo oferece uma ambiência nostálgica e rica nas suas duas dimensões. Embora queira reflectir e ser uma ode aos RPGs mais antigos acompanha visualmente o progresso possível com fundos de pinturas detalhadas, que embelezam a ambiência e dão um toque único ao mundo onde decorre toda a narrativa. Pode não ser uma visão convidativa a quem tem em mente um videojogo com gráficos modernos e efeitos visuais de topo, mas em poucos casos o grafismo é a parte principal do jogo.

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O jogador conhecerá um número considerável de personagens que o acompanharão durante todo o jogo. Estas personagens irão proporcionar diálogos, irão comentar o progresso do jogador e por vezes estarão relacionadas com quests secundárias. Se o jogador quiser pode descartar os heróis principais e recrutar as suas próprias criações na taberna, no entanto, é desaconselhável pois este heróis não interagem da mesma forma com o jogador, por uma razão óbvia, não fazem directamente parte da narrativa.

O mundo está cheio de quests, tanto através da narrativa principal como através de tarefas secundárias. É apenas através da exploração e destas quests que o jogador ganha experiência o que por um lado torna insignificante o contributo do combate para a evolução das personagens mas por outro incentiva a procura de soluções menos evasivas na exploração. Evitar um combate não prejudica o jogador e mantém todas as personagens num certo equilíbrio de experiência que não seria possível, se por exemplo, um rogue matasse sozinho um inimigo pelas costas e arrecada-se só para ele a experiência ganha.

A interface é central, intuitiva e simplificada, as quests estão bem organizadas na sua respectiva lista e o inventário embora simples não oferece qualquer tipo de dificuldade embora se possa tornar caótico. O jogador tem ainda acesso a um cofre onde pode colocar muitos dos materiais e utensílios sem ser necessário gastar espaço no seu inventário para necessidades mais imediatas. Tem ainda à mão os botões que possibilitam entrar em stealth ou acampar de forma a descansar as personagens.

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O combate não é fácil, mesmo na dificuldade normal é necessário pensar nas estratégias possíveis. Barrar a passagem dos inimigos com um fighter pode ser a diferença entre a vida e a morte de toda a party. Personagens destinadas a fazer dano de longe são normalmente frágeis e necessitam de ajuda rápida no caso de ser interceptadas. Os inimigos têm varias estratégias e habilidades mas também fraquezas que devem ser exploradas de forma a levar a batalha a bom porto. As personagens do jogador têm ainda um certo número de habilidades que podem utilizar antes de se “cansarem” enquanto outras regeneram a cada batalha. O jogador deve montar campo para recuperar vida e reactivar as suas habilidades. A vitality (vitalidade), a conjugação da health (vida) com a endurance (resistência) permite perceber a resiliência das personagens a ataques. Perder ambos estes valores faz as personagens desmaiar e ficarem sujeitas a um golpe mortal. A morte é irreversível em Pillars of Eternity, as personagens mortas não ressuscitam e deixam um vazio na narrativa. A morte da personagem principal significa o fim do jogo.

Durante a aventura há ainda espaço para alguns eventos que são activados através da interacção com objectos. Estas interacções transportam o jogador para um momento narrativo e de escolhas que faz lembrar os antigos RPGs em livro que davam ao jogador a hipótese de traçar o seu próprio caminho. É nestas circunstâncias onde os atributos podem desbloquear opções. Alguns objectos podem também ser fulcrais para a interacção.

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 O jogador terá mais tarde acesso à sua fortaleza, uma ruína que pode melhorar construindo edifícios e defesas. Pode enviar ainda personagens em missões e utilizar a dungeon de vários níveis que se encontra nas profundezas da sua fortaleza para evoluir e melhorar as suas personagens, e que se pode mostrar um pesadelo para a party menos preparada.

A banda sonora tem peças que ajudam a criar a ambiência necessária, algumas destacam-se pela positiva e ficam no ouvido muito depois do jogo ter acabado. Destaque para a peça musical que acompanha o primeiro texto do jogo mesmo antes do menu de criação da personagem ou até mesmo a musica que ecoa nas tabernas por onde o jogador passa.

Pillars of Eternity tenta fazer renascer um estilo de RPG proporcionado pela influência de um motor de jogo “extinto” mas simulado para não cair em esquecimento. Há primeira vista poderá dar a ideia que ignorou 20 anos de um avanço glorioso no género, no entanto, está longe disso! É uma ode a clássicos como Baldur’s Gate e Icewind Dale utilizando o seu próprio twist e bebendo tanto do clássico como do moderno sendo capaz de chamar tanto jogadores antigos e experientes como novos à descoberta. No que faz e promete mostra-se brilhante rivalizando com jogos mais recentes num estilo que parece não ter desaparecido, só adormecido, à espera de uma nova era que o valorize e glorifique…

PofE

Até ao próximo mês com mais videojogos…