Pois…são empatias…

Aos pés da cama, o namorado de Cora alcançou-lhe com o braço os cigarros que estavam ao lado da jarra em cima da cómoda.

O rapaz de braços musculados era ágil e tinha mãos de dedos finos, como as de um pianista que toca de cor uma partitura de Chopin, sabendo que pela ausência das variações de tom não poderia tratar-se de uma sonata de Beethoven.

Naquele momento, a Cora não apetecia levantar-se, a não ser para desviar o namorado do caminho do duche e convencê-lo a voltar a fazer-lhe companhia na cama, de onde o som da água a cair que mais gostava de ouvir, era da chuva a embater nos estores, dando-lhe ainda mais um pretexto para se enroscar no seu peito pedindo-lhe que a apertasse. O corpo lânguido de Cora pedia-lhe cama. Espreguiçou-se, olhou para ele e esfregou as pernas nos lençóis de flanela pejados de borboto, na esperança de que não demorasse a sentir comichão para ternamente lhe pedir que as coçasse.

Era sábado e Cora não sabia ao certo onde iam almoçar. A mãe do namorado era uma velhota encantadora a quem não incomodava que o filho, em idade adulta, dormisse fora de casa todas as noites, com quantas namoradas tivesse, desde que não lhas apresentasse, só para na presença delas não ficar triste lamentando a beleza igual à delas que fora perdendo ao longo dos anos.

De comum acordo, foram almoçar a um restaurante da moda, em que aos pratos confecionados só faltava terem posto o nome de comida portuguesa para se pensar que era caseira. Malgrado ser sábado e haver menos gente a levantar-se para ir trabalhar, do que pessoas à porta de um shopping para abastecer a despensa no primeiro fim-de-semana do mês, o percurso que ambos fizeram de carro desde a morada de Cora foi bastante lento, como se propositadamente o tivessem feito com a mesma pressa que tem para ir almoçar quem acabou de tomar o pequeno-almoço uma hora antes.

Por causa da afluência de trânsito nas imediações daquela zona comercial, tiveram de estacionar a viatura de dois lugares ainda longe, mas suficientemente perto para acharem que percorreriam mais depressa a distância que faltava se se deslocassem pelo seu próprio pé. Entraram ofegantes e sentaram-se já meio arrependidos de terem saído do conforto de sua casa, como se por se terem atrasado ligeiramente em relação à hora a que pretendiam chegar, o mais provável era já se terem esgotado os ingredientes nas arcas frigoríficas e não haver comida disponível com que pudessem saciar-lhes a fome.

Pediram uma refeição ligeira e ainda antes de, através da prova dos ingredientes, conseguirem perceber do que era feita aquela piza nova-iorquina, verificaram com desagrado que, contrariamente ao esperado, a massa da base não era tão estaladiça como anunciara e empregada. Levava tomate, azeitonas e rodelas de ananás tão finas que praticamente se via tudo o que estava por de baixo. Pagaram a conta e saíram, e levavam em conta dar um passeio pela marginal que ligava a zona monumental de Belém à cidadela de Cascais, quando um telefonema do namorado de Cora a mãe, os fez mudar bruscamente de planos.

A pretexto de saber do estado de saúde dela, que andava queixosa das artroses, o rapaz ligou-lhe e após aquilo que ouviu, entre contrariá-la e ficar mal com ela ou fazer a vontade à mulher que amava e continuarem o passeio que tinham planeado, optou por ir ter fazer companhia à mãe. Despediu-se de Cora, meio à pressa, evidenciando uma desenvoltura que, se não herdara da mãe, talvez significasse que fosse filho de outra mulher e prometeu-lhe passarem a noite juntos, antes da possibilidade de ela ter alguma recaída grave que os obrigasse a ficar depois mais tempo afastados um do outro.

Sozinha, Cora afastou-se do carro e começou a caminhar. Estava uma tarde quente e o calor convidava a refletir sobre por que razão não podiam os dias estar sempre assim. A jovem mulher sentia-se irremediavelmente apaixonada, pensou, e se havia coisa de que ela estava certa era de que caminhava sem ter os pés assentes no chão, esse mesmo chão do qual se elevava a uma altitude inimaginável quando pensava na pessoa amada.

Parou na margem do rio que, àquela hora parecia um mar de águas paradas e deteve o olhar numa frota de embarcações à vela que davam ao cenário um colorido próprio de uma corrida, em que não vencia quem terminava em primeiro lugar, mas quem, por ser considerado o mais bonito, recebia maior número de aplausos do público no momento de cortar a linha da meta.

Se há coisa que eu não tenho é os pés assentes no chão, foi o título que Cora escreveu numa folha em branco do pequeno bloco A5, depois de assentar o rabo num degrau de pedra, que sendo tão desconfortável, parecia ali ter sido colocado para não demorar muito tempo a ir á procura de um assento que fosse mais confortável.

Depois estreitou a esferográfica entre os dedos, como se fosse um cigarro roubado do maço do namorado às escondidas e anotou um nome feminino, para ser a protagonista de uma história de amor que não lhe saíra da cabeça, desde que ouvira falar da empatia que pode estabelecer-se entre um homem e uma mulher.