Porto. O meu! – João Nogueira

O Porto é, dogmaticamente falando, o local mais encantado do planeta
( Fala-vos alguém que, dos cento e noventa e tal países do mundo, já visitou dois. Aliás, um, porque ir ali a Vigo não conta)
Se tem apenas um conhecimento vago sobre o Porto, disponibilizo-me, desde já, para ser o seu cicerone.

O Porto tem casas, supermercados, estradas, um rio com água, pontes, escolas e alguns T3 com vista para o mercado abastecedor.

Então? Ficou ou não extasiado com a descrição?

Não se iniba em demonstrar o seu espanto. Solte aquela interjeição barra palavrão começada por “F,” e, para ficar tudo na paz do Senhor, complemente-a com a siamesa que principia por “C”! Uma a seguir à outra. Esteja à vontade! Não se preocupe com pudores! Ninguém se vai melindrar. Estamos no Porto!

A profissão mais difícil do mundo é ser guia da cidade do Porto! Não é possível!
Sem querer pôr em causa a sua capacidade persuasiva, permita-me duvidar do seu sucesso se optasse por ganhar a vida a vender camisolas de gola alta, cem por cento poliéster, na praia da Aguda, em meados de Agosto. Ser guia no Porto é mais ou menos isso. Só que mais difícil
O Porto não tem nada de especial! (Não me insulte já. Sugiro que o faça mais daqui a pouco).

Se for turista e quiser fazer um périplo de dois ou três dias pelo Porto, não o faça!
O trânsito é caótico, as francesinhas são fantásticas para um indivíduo falecer de colesterol, há merda no chão aqui e acolá e, se quisermos ser justos, falta-nos, por exemplo, a tristeza poética do Chiado ou os ângulos rectos da baixa de Lisboa! E a Torre dos Clérigos nem sequer foi a obra mais bem conseguida do Nasoni…
Aqui, fala-se mal! Escancaram-se as vogais e assassinam-se ditongos.
Já ouviu a palavra “máinhe”?
Esteja à vontade para não acreditar mas, veja lá bem, que este homicídio significa “Mãe”. Sim, com seis letrinhas apenas se escreve a palavra “Mãe”!
Vá a Óbidos ou a Vila Nova de Mil Fontes! É mais giro!

Eu sei que a palavra “alma” é de uma subjectividade brutal! Eu não posso obrigar o leitor a gostar ou a sentir algo que não seja visível a olho nu! Mas, lanço-lhe um desafio: se alguma vez quiser fazer uma Tese de Mestrado ou um Projecto de Investigação sobre o tema, poupe algum dinheiro, instale-se durante um mês numa das muitas pensões ali de Campanhã e deambule para cima e para baixo. Deambular será suficiente para lhe dar aquilo que nenhuma “montanha bibliográfica”, por mais filtrada que esteja, alguma vez o conseguirá. O Porto não vem nos livros!

Recorda-se da parte em que lhe disse que o Porto não tem nada de especial? Peço-lhe desculpa. Há três parágrafos atrás eu tinha problemas de álcool. Entretanto, ultrapassei-os!

O Porto não é nenhum Adónis. Não é, de todo, um metrossexual que hidrata a pele do rosto e escanhoa os pelos do nariz com uma pinça . O Porto não veste Prada! Nem sequer Zara! A última vez que foi ao ginásio fazer abdominais e trabalhar os glúteos foi no intervalo das invasões Napoléonicas.
Ainda bem que o Porto, o meu Porto, não é um bibelô macrobiótico, acrítico, de rosto pálido e robótico. Aqui não se maquilham emoções nem são usados preservativos nos sentimentos. Os sentimentos são alérgicos a latex, são um assunto demasiado sério para não serem sentidos na sua totalidade
O Porto não põe bottox no sotaque (o sotaque feio mais bonito do mundo)

O Porto faz amor com os palavrões, é um Kamasutra de afectos. É o coração de D.Pedro IV, 31 de Janeiro, um comício do Humberto Delgado e um golo do Gomes num domingo com sol de Inverno.
Perdoem-nos o atraso civilizacional, mas aqui, no Porto, no meu Porto, ainda vale mais ser do que parecer!

Porto, de gente boa. De gente má. De gente “mais ou menos”. Porto, que não és melhor que ninguém. Nem pior! Nem igual!

Porto, mãe que me tens no ventre, eu sou de Ti. Por esta luz que me alumia!

O Porto é possessivo. É a saia da minha mãe! Às vezes sufoca.
Irónico, o estupor, esboça um sorriso quando decido partir, alegando querer conhecer o mundo. Ele sabe que volto, não me dá importância!
Parto! Arrependo-me antes de chegar à Ponte da Arrábida. Outra má decisão, a juntar a tantas outras. Quero a saia da minha mãe outra vez. Não posso, é tarde e o Porto fica definitivamente para trás!
Chego a outras paragens, com a barba grande. Decido soltar-me das amarras do Porto. Sinto-me um pateta por depender tanto de um sítio onde, por casualidade, nasci.
Sou como os outros. Deposito a alma num prostíbulo e começo a falar um português escangalhado, em que o “burguês” “V” começa a substituir o telúrico “B”. De “baca”, de “bento”, de “Bitó”. É esquisito dizer os “V´s onde, de facto, se devem dizer os “V´s”. Sinto-me sujo, como uma viela da Rua Escura.
A viagem não me devolve o dia-a-dia alegre. Nunca chego a desembarcar de mim mesmo…
Tenho saudades das inutilidades úteis. Sinto falta do vento pungente e da hulha da minha gente.
Durmo! Tenho erecções! Primeiro com o Bolhão, a seguir com a noite de S. João.
Acordo a chorar.
Aproveito o excesso instantâneo de lucidez e decido voltar para de onde nunca saí! Desfaço a barba, desfaço o sotaque novo. Faço a mala.
Passo a Ponte D. Maria Pia. Pezinhos de lã porque pode cair. As pernas tremem-me, tenho um terramoto de emoções. Olho para o Douro, água benta que me abençoou. Fico com medo que me engula.
Motivo? Traição!
Assim mesmo, sem meias palavras!
Saio inteiro e lá está o Porto! O mesmo. Mas diferente!
Com a testa franzida, pergunta-me como é o mundo. Como são as cataratas do Niagara, o Forte de Mombassa e os poemas do Frank O`Hara…

Depois, pretensioso, pergunta-me quem é que eu quero enganar.
Encolho os ombros estreitos, baixo a cabeça e aceito a evidência: sou um pateta, sou um intrujão! Não consigo deixar o sítio onde, por acaso, nasci…

Se decidir vir ao Porto, seja justo com Ele e fique, no mínimo, um “ror” de dias. Livre-se de recorrer aos serviços de um guia. Por melhor que ele fale da fantástica obra arquitectónica que é, por exemplo, o edifício da Câmara Municipal, ele vai reduzir o Porto a pedra.
E o Porto não se vê….

JoãoNogueiraLogoCrónica de João Nogueira
Pés bem assentes na lua

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