Portugal sem presidente? Uma UE sem o Euro? – Nuno Araújo

O discurso de Cavaco Silva, nas comemorações oficiais do 25 de Abril, foi o pior que já ouvi em toda a minha vida por parte de um presidente da República. A responsabilidade institucional de Cavaco exigia que no discurso se enaltecessem virtudes nacionais, em vez de se recorrer ao ataque ao PS, o que denota que Cavaco se demitiu da sua função presidencial, que era a de promover consensos. Cavaco pediu consensos, mas afastou qualquer hipótese de entendimento entre governo e PS. Talvez motivado pela forma como Cavaco se assumiu adepto das políticas neoliberais do governo PSD-CDS, Passos Coelho levou um cravo na lapela e mostrou mais uma vez o quão provocante e indecoroso é para com os portugueses democratas, pois ele é o primeiro-ministro do governo que está destruir Portugal, e usa o símbolo do estado social construído de acordo com os valores de Abril .

Ao se ter demitido da sua função presidencial, que tem de passar pelo dever de neutralidade, Cavaco faz com que Portugal perca um presidente da República; porém, não é uma grande perda, até porque o presidente não presta para nada. Somente presta para lembrar o PS e restante esquerda de que em Belém mora o líder do governo português. Para o executivo de Passos Coelho, há um ganho essencial: a certeza de que Cavaco assumiu fazer parte do governo, pelo menos “espiritualmente”, e assim o governo só será demitido caso Portugal esteja “à beira do abismo”. Para lá chegarmos não falta muito, com tudo de mau que isso implica.

Governo “desgovernado”
Paulo Portas, líder do CDS e ministro dos Negócios Estrangeiros, confrontou Vitor Gaspar, segundo foi referido na imprensa, no passado fim-de-semana. Segundo foi tornado público, Portas não concorda com os cortes que Gaspar quererá aplicar, nomeadamente nos salários dos funcionários públicos e nas pensões dos reformados, incluindo as mais baixas.

Após 11 horas de reunião em conselho de ministros, foi necessário marcar mais uma reunião congregando todos os ministros, por forma a que haja consenso quanto ao teor do orçamento rectificativo que incluirá os cortes na gestão corrente do estado, de modo a que se atinjam 1300 milhões de euros, o mesmo montante do “roubo” efectuado por este governo PSD-CDS aos portugueses reformados e funcionários públicos.

Uma constatação: como pode o governo, pela voz do PSD (e de Cavaco Silva), pedir consenso com o PS, se nem consegue esse consenso com o CDS, parceiro de coligação?

Uma pergunta: Paulo Portas estará só a querer “visibilidade mediática”, ou irá mesmo “roer a corda”, como já se vai dizendo nos bastidores? Em boa verdade, a influência vísivel do CDS nas lides governativas tem sido cada vez menor, pois dos últimos nomeados para o governo, nenhum consta ser militante dos centristas.

Congresso do PS
António José Seguro realizou, neste fim-de-semana que passou, um ponto de viragem na estratégia socialista quanto ao combate ao governo e às políticas de austeridade. Esse combate far-se-á em sede de eleições autárquicas, a realizar em Outubro/Novembro. Quer isto dizer que o PS responde ao discurso inflamado de Cavaco Silva, afirmando que o PS vai ter as eleições que ambiciona, ainda que sejam autárquicas, mas que vai tentar ganhá-las. Sendo um desafio de grande envergadura, Seguro arrisca (quase) tudo ao apontar todas as “baterias” para esse acto eleitoral a nível nacional, porque sabe que uma vitória do PS nas eleições autárquicas, em totais nacionais, retirará condições de governabilidade ao PSD-CDS, dado que com esse cenário uma nova maioria social estará definida.

Neste momento, o PS é uma alternativa credível de governo, que conta já com propostas muito claras quanto ao seu projecto para o país, e que passa por reformar o estado, sem recorrer a despedimentos, e a revitalizar a economia, sem baixar salários, fomentando a procura interna, entre outras medidas. Todos precisamos de um novo governo, e não adianta dizer-se que se isso acontecer virá mais um resgate, porque se isso acontecer a culpa é do governo. E os portugueses não têm culpa desta tragédia em que o país está mergulhado mas sim as políticas neoliberais de Merkel para a UE é que são as culpadas e, agora, o “melhor aluno da Alemanha”, Passos Coelho e restante governo PSD-CDS também não conseguem esconder a sua responsabilidade no nosso “triste fado” do desemprego, da pobreza e da submissão à austeridade.

Uma UE sem o Euro?
A queda de um sonho, o Euro, já vai sendo uma realidade cada vez mais abordada por especialistas internacionais. Fala-se no seio da alta finança mundial que os mercados, ultimamente em crescendo notável, estão animados perante esse cenário, em que o Euro desaparece e dá lugar a moedas nacionais, de novo, recolocando o dólar como “rei das divisas” nas trocas comerciais internacionais.

A especulação à volta do mero cenário do fim do Euro já colocou os EUA em crescimento estável; o empregabilidade cresce e o número de desempregados tem vindo a baixar desde o início deste ano. Cenário perverso mas bem real.

Como europeísta que sou, gostaria muito que o Euro não acabasse, pois diversos países foram protegidos na crise de 2008, pelo simples facto de possuir como divisa corrente o Euro; porém, essa protecção foi efémera e, países como Portugal, pagaram mais tarde por essa estratégia de defesa mal pensada e pior executada, com assinatura de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy.

Porém, concordo com Merkel, quando diz que para a UE progredir, todos os países terão de estar dispostos a ceder um pouco da sua soberania.

Face a estes e a outros factos, o SPD de Sigmar Gabriel e Peer Steinbrück, aliado aos Verdes alemães, poderá vencer as eleições a Merkel, em Novembro deste ano. Não será fácil, pois a esquerda parte para a pré-campanha eleitoral em desvantagem, mas será seguramente a única forma de o Euro se manter “vivo” e em circulação. Se Merkel vencer, terá o apoio do seu partido, o conservador CDU, do FDP, de índole liberal e actual parceiro de coligação, e do Election Alternative-2013, eurocéptico. Facto é que em todos estes partidos, SPD e Verdes, encontramos alguma oposição à divisa Euro, um posicionamento estratégico que poderá valer votos.

PELOURINHOS A VOTOS 2013
Parte dedicada às eleições autárquicas de 2013

Oeiras: a (in)governabilidade
Isaltino Morais foi detido na passada semana, pela PJ, por força de um mandato de prisão sobre a pena aplicada ao actual presidente da Câmara de Oeiras. Isaltino e os seus advogados já fizeram valer todos os seus recursos, restando agora apenas recorrer da ordem de prisão emitida por um juíz, que corresponde à pena de prisão a aplicar ao autarca.

Posto isto, resta perguntar: haverá vida para além de Isaltino?

A verdade é que sem Isaltino na liderança dos paços do concelho (Isaltino já não se iria recandidatar à presidência da autarquia), Oeiras perde o seu presidente, e o movimento de cidadãos que o apoia, poderá ainda perder mais do que isso: a estabilidade e a coesão interna. A detenção de Isaltino é um duro golpe no seio do movimento Isaltino Oeiras Mais À Frente (IOMAF), que prepara a candidatura do nº 2 de Isaltino, Paulo Vistas, assim como está criada uma situação que poderá “abanar” seriamente a “máquina camarária”.

Os dois vereadores do PSD, que compunham o executivo camarário, em coligação com os vereadores do movimento independente IOMAF, já abandonaram a responsabilidade sobre os pelouros que geriam, por ordens do partido; a poucos meses das eleições autárquicas, a desarticulação dessa coligação IOMAF-PSD poderá levar a dificuldades na gestão da vida do concelho, havendo mais trabalho para os vereadores actuais do IOMAF executarem, e todos os processos burocráticos irão, naturalmente, atrasar; será que Paulo Vistas, o vice de Isaltino na C.M.Oeiras, conseguirá gerir o concelho, e o movimento IOMAF, como Isaltino Morais geriu desde 1985? A dúvida restará sem resposta, pelo menos para já.

Tricas e intrigas

As eleições autárquicas deste ano já estão “na estrada”. Em boa verdade, e no país onde vivemos, uma campanha ganhadora inicia-se um ano antes das eleições, quando um candidato é “abençoado” pelo secretário-geral do partido em causa ou pelo presidente do mesmo. Ora, se essa “benção” não ocorrer, então algo de muito mau poderá acontecer.

Sintra é um óptimo caso para exemplificar o que pode acontecer quando um partido se divide quanto ao apoio a uma pessoa para a Câmara Municipal. O candidato à presidência de Sintra dá pelo nome de Pedro Pinto, e é o “alvo a abater” por parte de Marco Almeida, o vice de Fernando Seara, “actual ex-candidato” a Presidente da C.M.Lisboa, segundo decidiu um juíz. Mas já lá vamos. Marco Almeida viu “ser-lhe retirado o tapete” pela actual direcção distrital do PSD, assim como pela direcção nacional do partido. Só que a direcção nacional do PSD não tem figuras de relevo, como António Capucho, ex-edil de Cascais, e que apoiará Marco Almeida…por vezes, quem semeia ventos colhe tempestades…e, dessa forma, Pedro Pinto “comprou uma guerra” com o actual vice da edilidade de Sintra e, mais importante, carimbou a sua derrota nas eleições do Outono deste ano, o que implica a vitória (e ainda bem!) do socialista Basílio Horta.

Tricas e intrigas…ocorrem um pouco por todo o país. Uma campanha mal desenhada é sempre sinónimo de derrota. Muitos candidatos do PSD a câmaras municipais tentam demarcar-se da actual liderança, conotada sobretudo com austeridade, miséria e pobreza. Ora, as pessoas quererão mais é identificar-se com candidatos que poderão trazer prosperidade, de novo. Por isso, é que temos candidatos do PSD a “criticar” o governo, mas sempre de forma estratégica. A verdade é que a reconfiguração das freguesias em Portugal, vulgo “Lei Relvas”, ditou grande parte do teor desses comentários que até já cessaram, uma vez que Miguel Relvas já não está no governo, mas sim a tratar da candidatura de Durão Barroso às presidenciais portuguesas de 2015.

 Porto: um “case-study”
Luís Filipe Menezes, do PSD, tem um processo para invalidação da candidatura à edilidade do Porto, processo esse movido pela Associação Transparência e Integridade (ATI), que é liderada por Paulo Morais (quem não oi conhece na luta contra a corrupção?). O motivo desse processo prende-se com a lei da limitação de mandatos, que impede Menezes (e Fernando Seara, e outros mais…) de se candidatarem a câmaras municipais, ainda que uns quilómetros ao lado daquelas de onde saiem. Menezes, de uma verdadeira eloquência, respondeu: “Volta Estaline que estás perdoado”.

Rui Moreira será candidato à Câmara do Porto. Certamente que se trata de um candidato independente, mas isso não significa ausência de apoios partidários. Pois é, parece que até o CDS em peso irá apoiar a candidatura do “homem-forte” do comércio da cidade do Porto…e que é adepto do F.C.Porto…e que goza de prestígio e retórica incomparavelmente diferentes de Menezes.

Com a certeza de que Manuel Pizarro, do PS, será o próximo presidente da C.M.Porto, resta saber quem ficará em segundo lugar: Rui Moreira ou Menezes (se for a eleições…)?

Lisboa: Costa escolhe o governo como oposição
Face a factos, não há argumentos. Fernando Seara é mesmo um “dinossauro” autárquico, e os tribunais já recusaram liminarmente a candidatura do ilustre benfiquista à edilidade “alfacinha”, pois Seara já atingiu o limite de mandatos possíveis em Sintra. Assim, a coligação PSD-CDS fica “orfã” do seu cabeça-de-lista. Para já, pois claro…

António Costa, o socialista e actual presidente da autarquia lisboeta, tem de encontrar um alvo como oposição, naturalmente. E assim será o governo de Passos Coelho a fazer “as vezes” de Fernando Seara, como oposição a Costa.

António Costa mencionou a “firme oposição” a que o governo concessione o modelo de gestão da rede de transportes públicos da cidade sem consultar a autarquia lisboeta, declarando “guerra” ao executivo de Passos Coelho. Fazer oposição ao governo a partir da Câmara de Lisboa é um sinal positivo para o PS e para o país, farto deste governo de direita ultraneoliberal.

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana