Portugal: Um país que despreza os seus monumentos – Bruno Neves

Portugal, tal como todos nós humanos, tem igual número de qualidades e de defeitos. Se por um lado temos sol e calor durante todo o ano e um povo extremamente acolhedor, por outro temos o chamado espírito do “deixa andar”, nunca planeando ou antevendo o futuro e apenas nos preocupando com o presente. Um país não é nada se deixar morrer a sua história e os seus monumentos e é este o tema desta semana.

É o nosso passado que define o que somos hoje assim como o que seremos no futuro. Como tal é doloroso constatar a forma como Portugal trata os seus monumentos. Um recente relatório sobre o estado do património cultural, remetido pela Secretaria de Estado da Cultura ao grupo parlamentar do Bloco de Esquerda deixou a descoberto um cenário dramático.

Este documento é basicamente uma lista gigantesca que analisa os monumentos edificados e classificados de norte a sul do país. Foi realizado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e pelas quatro direcções regionais de cultura (Norte, Centro, Alentejo e Algarve).

Juntando todas as intervenções necessárias em todos os monumentos constatamos que seriam precisos 500 milhões de euros para as concretizar. Sim, leu bem: 500 milhões de euros. Por sua vez a DGPC tem uma verba anual de 6,321 milhões de euros para a conservação, restauro e reabilitação dos monumentos. A discrepância entre o orçamento anual e o investimento necessário é abissal: seria preciso uma verba 80 vezes superior. Mas mesmo que o Estado dispusesse deste valor para investir ainda temos a questão temporal: levaria entre oito e dez anos a resolver todos estes problemas.

Entre os monumentos com maiores necessidades encontram-se: Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, Convento de Cristo, Mosteiro da Batalha, Mosteiro de Alcobaça, Sé de Leiria, Igreja do Carmo (em Coimbra), a Sé de Viseu, o Castelo de Belmonte, as ruínas de Conímbriga, o Mosteiro de Seiça (na Figueira da Foz), as Termas Romanas de São Pedro do Sul e o Claustro do Convento de Santa Clara-a-Nova (em Coimbra). E atenção que esta é apenas a lista dos monumentos que necessitam de intervenções mais urgentes!

Uma das principais preocupações é o Mosteiro dos Jerónimos. São aconselhadas acções prioritárias de intervenção e acções de manutenção e conservação no valor de 1,159 milhões de euros. Valor esse que é precisamente o orçamento que Isabel Cordeiro (directora-geral do Património Cultural) vai ter de dividir também com a reabilitação da Torre de Belém, do Panteão Nacional, da Sé de Lisboa e de mais quatro museus.

É certo que com o passar dos anos e com o acumular de intempéries é normal que a degradação dos monumentos se agrave. Mas o ponto principal é a falta de manutenção e de uma filosofia de conservação, dado que nenhum trabalho é feito nesse sentido. Muitas vezes bastaria algum esforço para impedir que situações inicialmente pequenas se tornem muito graves no futuro.

O pior no meio de tudo isto é o seguinte: a Lei das Bases do Património estabelece expressamente que “o Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, de três em três anos e com início em 2001, um relatório sobre o estado do património cultural em Portugal”, algo que nunca foi realizado. Mesmo este documento acima citado é apenas parcial dado que deixa de fora boa parte do património imóvel classificado e nada é dito sobre o património móvel nem sobre o património imaterial.

O que está a ser destruído não é coisa pouca: é a nossa memória, a nossa cultura, as nossas jóias e o acesso ao conhecimento. O cenário é assustador e não é sequer a ponta do icebergue. A lei já existe, e têm de ser pedidas responsabilidades a alguém por nunca ter sido aplicada. Estão a matar Portugal, estão a destruir a nossa história, o nosso passado, a nossa cultura mas acima de tudo o nosso futuro.

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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