Precisa-se de um momento de silêncio – 1ª Parte – Lúcia Reixa Silva

Há pouco tempo, estava sentada no meu espaço de consulta, à espera de um “paciente” que raramente se atrasa, e dei por mim a pensar em como era raro esse momento de pausa e de silêncio à minha volta, na vida quotidiana.

Atrevi-me a pensar em como seria bom na próxima hora ficar sentada na poltrona absolutamente sozinha, olhando para o lugar vazio à minha frente e encontrando nele o espaço necessário a ouvir-me a mim própria, em silêncio…escutando apenas o mundo, ouvindo o silêncio em si mesmo.

Na verdade, raras são as vezes em que conseguimos ao longo dos dias estar em silêncio e escutar o próprio silêncio em si, sem mais. Muito menos nos conseguimos ouvir com clareza e sem interferência nos nossos próprios pensamentos e reflexões.

Pensei, naquele momento, que quase sempre temos por companhia um certo ruído de fundo, quer no sentido literal do ruído – o carro que buzina, a pessoa que grita ou ri, o comboio ou autocarro que passa, o barco que sinaliza o nevoeiro na sua travessia, o cão que não pára de ladrar, etc. – quer no que respeita ao ruído interior, que fica em “banho maria” derivado das mensagens e da comunicação verbal e não verbal entre seres humanos; a verdade é que dificilmente se consegue encontrar o espaço e o tempo da pausa, da calmaria, do silêncio.

Esta pausa é, no entanto, uma necessidade imensa do Eu…uma necessidade quase terapêutica – arrisco dizer; é por ventura o momento – espaço e tempo – que possibilita “arrumar” ideias, organizar a “mente” e os afectos. Esta “pausa” no quotidiano permitiria o pensamento livre, a reflexão, o fluir da criatividade construtiva.

Não pude deixar de pensar que existe na vida da maioria das pessoas, das mais diversas faixas etárias, uma dificuldade constante em encontrar estes momentos de pausa, de silêncio…Faz-me lembrar aquele brilhante filme italiano, de que gosto muito aliás, com o título traduzido de “A vida é bela”, em que a certa altura o protagonista nos deixava uma pergunta sobre qual seria a palavra bela que ao ser dita deixava de existir (qualquer coisa deste género…), essa palavra era pois o próprio silêncio…

Pois penso nisto até hoje, porque muitas vezes parece que assim que começo a ouvir o próprio silêncio algo o quebra quase de imediato…só de pensar nele…

Senão vejamos:

– A criança ouve os mais diversos ruídos e estimulação oriunda de todo o meio circundante desde a mais tenra idade: desenhos animados a todas as horas nos diversos canais existentes nos “super pacotes televisivos” de “n” operadoras; ruído da vizinhança, da casa, da escola (lembrem-se que as campainhas substitutas do sino que tocava em tons musicais há uns anos atrás, sinalizando com alguma graça o começo das aulas, são agora sons absolutamente aterradores, e um sinal muito pouco tranquilizador de começo de aulas, bem pelo contrário, faz lembrar aqueles alarmes irritante com que ninguém deveria ter de começar o dia!); toda a mais diversa tecnologia ruidosa e brinquedos em tons de ruído variados…Só para lembrar alguns dos sons presentes no dia a dia…A ausência total de momentos de paz na vida das crianças, exceptuando quando dormem, não parece contribuir para a tranquilidade necessária ao bom desenvolvimento emocional e cognitivo…pelo contrário…as crianças tendem – digo eu – a ficar mais irrequietas e até mais agressivas eventualmente, por diversos factores obviamente, mas dentre os quais, a ausência de momentos de pausa e a hiperestimulação constante proveniente do mundo à sua volta, terão naturalmente a sua quota parte de responsabilidade – penso eu…

– O adulto passa o seu dia envolvido numa panóplia de ruídos vários e constantes solicitações, cada vez mais invasivas e permanentes – o “telefone” mais ou menos “smart”, que não só sinaliza as chamadas e as mensagens várias, como ainda os e-mails ou informações das redes sociais, os barulhos no local de trabalho ou em casa, na rua ou no café mais ou menos irritantes, etc.

Até os programas televisivos se tornaram cada vez mais “sonoros”, com música alta e palavras em som menor, obrigando as pessoas que assistem aos mesmos a ter o volume um pouco mais alto que o aconselhado, e obrigando-me a mim – que nem aprecio grandemente ver/ouvir o que “passa” na televisão, na grande maioria dos casos – a ouvir directamente das casas da vizinhança, o ruído imenso – e chamo-lhe ruído propositadamente, pois claro – que os referidos programas ou anúncios/publicidade insistem em fazer.

No meio deste ruído do quotidiano, ainda podemos assistir ao volume que as pessoas utilizam para falar na rua ou em suas casas (mas que se ouve nas casas mais próximas…), no local de trabalho ou de estudo, parecendo-me a mim, com toda a honestidade, que as pessoas cada vez estão mais envoltas num ruído constante, literalmente por um lado, e, por outro, nas suas “mentes” que são invadidas pelas várias mensagens que lá ficam sem filtro adequado, tornando-se pessoas menos tranquilas e menos serenas…necessariamente menos pensantes, do ponto de vista reflexivo, porque este tipo de pensamento exige uma pausa no quotidiano, um momento de silêncio.

Na verdade, as pessoas tornam-se, sem dar conta, mais agressivas, mais inquietas, diria mesmo, e em certos casos, com maior stress e consequente ansiedade/depressão, não só pelos múltiplos factores que contribuem para cada situação concreta, mas com a cumplicidade desta ausência de momentos de pausa e de escuta de si próprio no quotidiano.

– Os idosos, ainda que necessitem de conviver e de não estar sozinhos, são das pessoas que mais se “queixam” do “barulho à sua volta”…Com o cérebro um pouco mais “cansado” e muitas vezes medicados, precisariam de usufruir destes momentos de pausa e de tranquilidade, mais do que aquilo que podemos pensar…infelizmente essa pausa é-lhes muitas vezes vedada no dia a dia, das mais diversas formas.

Na sociedade em que vivemos, parece ser cada vez mais árdua a tarefa de encontrar momentos de silêncio, de paz, de tranquilidade…

Convido-vos pois a reflectir sobre isto durante a semana…deixo-vos o desafio de observarem com maior atenção onde encontram os ruídos e os momentos de tranquilidade ao longo dos dias…

Para a semana espero partilhar convosco o desenvolvimento deste tema de hoje e a conclusão desta minha reflexão…

Até lá, tenham uma óptima semana!

~

LúciaReixaSilvaLogo

Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega