Preocupações com o Mundial Brasil 2014

Na passada semana, abordei muito por alto a preocupação situação brasileira da atualidade. No artigo desta semana, gostaria de propor uma maior análise ao fenómeno, uma vez que, como caminhamos a largos passos para o início do Mundial Brasil 2014 FIFA em futebol, a radicalização aumenta, a dramatização aumenta e parece-me que o governo brasileiro e as autoridades brasileiras, não estão a dar conta do recado.

Todo o mundo reconhece hoje que o Brasil de Lula não é o mesmo Brasil de Dilma. O poder da autoridade dada pela palavra e postura de Lula, que cresceu desde o povo operário, até ao Palácio do Planalto, em nada se compara com a autoridade que emana da voz de Dilma.

É claro que nenhum protagonista político possui igual poder persuasivo e que consiga transmitir ao povo aquela sensação de confiança que seria necessária em alturas de crise, principalmente ao nível social.

Quando a FIFA decidiu o Mundial de 2014 para o Brasil, que me parece ter-se concretizado numa das presidências de Lula o Brasil, apesar de todos os seus problemas sociais, era um país emergente, com uma economia crescente e aparentemente com uma situação social em franca melhoria e, por isso, seria espectável que, em 2014, o país demonstrasse níveis de segurança, de confiança e de pacificação social suficientes, para que o maior evento desportivo do planeta pudesse ter lugar de uma forma razoavelmente aceitável.

Sabemos hoje que isso poderá não acontecer e, o mais grave, é que os acontecimentos de insurreição são de intensidade crescente.

O povo está revoltado, principalmente aquele que vive em barracões, nas favelas e não só, aqueles a que nós chamamos “sem abrigo” e que no Brasil chama de “sem teto”. Por ventura com razão! Denunciam os milhões e milhões de dólares gastos em 10 estádios, quando depois existem cidadãos brasileiros que não têm uma casa onde dormir, aconchegar a sua família, num mínimo de condições dignas para qualquer ser humano. E é verdade! Será que o dinheiro gasto nos estádios e outras infraestruturas necessárias ao Mundial não seriam suficientes para ajudar os sem teto a obter a dignidade de possuírem uma casa?

Recordo, para os mais esquecidos, que em Portugal aconteceu algo semelhante, mas, dessa feita, aconteceu também de maneira diferente: um dos Governos de Cavaco Silva, decidiu criar um programa para acabar com os chamados “bairros de lata”, nos finais dos anos 80, inícios dos anos 90. Houve ou não dinheiro para isso? Houve! Houve também a candidatura ao Europeu de 2004, que originou a construção e renovação de 10, 12 estádios. Também se fez. Ainda estamos a pagar? Possivelmente sim! Mas, nesse capítulo, podemos nós, os portugueses, orgulharmo-nos de que não colocámos a “carroça à frente dos bois”.

Não discuto a bondade da decisão do Europeu em Portugal e os excessivos gastos em estádios que, muitos deles, se encontram “às moscas” e outros servem clubes que militam em divisões secundárias… muitos deles nem têm posses suficientes para pagar os custos de jogarem nesses estádios e, muitas vezes, têm que ser as câmaras municipais a pagar essa fatura, como são o caso dos estádios de Aveiro, de Leiria, do Algarve e talvez do Bessa, no Porto.

Como quase sempre, por cá, tudo calmo e pacífico.

Porém, no Brasil, o situação é muito mais grave hoje do que aquela que tínhamos em Portugal nessa época. Não só atendendo à gravidade da situação social, como à (evidente) alegada corrupção que envolve a maioria dos políticos, nomeadamente os que estão no poder e atendendo ainda à quantidade astronómica de pessoas que se encontram nestas circunstâncias sub humanas de sobrevivência. Supõe-se que, apenas em São Paulo, com 11 milhões de habitantes, cerca de 700 mil sejam “sem teto”. É de facto assustador!!!

Esperamos que tudo corra bem, não só para os residentes, como para os visitantes, equipas e respetivos staffs, no entanto, espera-se que este problema seja mais uma lição que os altos diretores todos-poderosos da FIFA, aos quais ninguém ousa argumentar, mas que de supra-sumos nada têm e muito têm ainda a aprender em termos de humildade, reconhecimento de erros e quiçá assumirem uma postura mais ativa na preparação dos eventos que realiza. Já agora, também nas decisões que toma.

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro