A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Parte 1 – A Caldeira Europeia

“E toda esta loucura, toda esta raiva, toda esta morte flamejante da nossa civilização e das nossas esperanças, foi trazida devido a um conjunto de importantes cavalheiros, a viver vidas luxuosas, maioritariamente estúpidos, e todos sem imaginação ou coração, que escolheram que tudo isto iria ocorrer para que nenhum deles sofresse sequer uma infinitésima rejeição no orgulho do seu país.”

– Bertrand Russell, 1914

Desde o inicio dos tempos que tribos, reinos e nações lutam entre si, de forma a atingir os seus objectivos. A História da Humanidade está cheia destes momentos, que caracterizam a natureza humana, ou desumana, por detrás de motivações, por vezes mesquinhas ou lutas dementes de um só homem, que arrastam milhões para conflitos destrutivos que arruínam civilizações e sociedades. Setenta e um anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o Ideias e Opiniões recua atrás no tempo para compreender a base do conflito que seria a “Guerra Para Acabar com Todas as Guerras”, mas que acabou somente por lançar as sementes para uma nova ainda mais mortífera. Recuaremos até 1914 para o conflito que ficará para sempre conhecido como a Primeira Guerra Mundial…

Seria redutor tentar perceber o Primeiro Conflito Mundial através do ambiente vivido nas vésperas próximas do seu início em 1914. Muitas das origens desta guerra estão firmemente entranhadas em acontecimentos singulares e conflitos regionais, que marcam a história europeia. Para perceber totalmente o problema é necessário recuar um século para uma Europa diferente, com nações por nascer e outras por morrer, no rescaldo de uma revolução falhada e de um imperador fracassado.

Em 1814 e com Napoleão exilado em Elba, as grandes monarquias europeias começam a tentar reparar os danos causados pela Revolução Francesa e pelas subsequentes Guerras Napoleónicas, que desorganizaram por completo o mapa politico europeu e abalaram ideologicamente o Antigo Regime. Estas grandes monarquias, a Áustria, a Prússia, a Inglaterra, a Rússia e a França, esta numa monarquia retornada sobre a alçada dos Bourbons, tentam não só conter os ideiais revolucionários, como criar um equilíbrio entre si de forma a evitar novos conflitos em solo europeu. O resultado é o Congresso de Viena, que se estendeu até 1815 e acabou por não corresponder, nem responder, às grandes problemáticas na Europa Oitocentista, desrespeitando abertamente a vontade dos povos, impondo novas fronteiras e reestruturando o mapa europeu tendo apenas em conta a vontade das potências mais poderosas, esquecendo o contributo e a luta de países mais pequenos ou da periferia contra as investidas napoleónicas, especialmente Portugal, mas também a Espanha e a Suécia. O resultado é uma Europa imersa num caos, que durante um século ferve lentamente, fazendo mais tarde ou mais cedo, prever uma explosão com resultados catastróficos.

Napoleão regressa ainda para uma nova investida, mas é derrotado na famosa Batalha de Waterloo (1815), no entanto, os ideais da Revolução estavam já bem espalhados por todo o Velho Continente, à espera do momento oportuno, que beneficiou da fraca capacidade de decisão das monarquias europeias no Congresso de Viena e da incompreensão das mesmas, para perceber que as sementes do liberalismo e do nacionalismo iam deixar marcas profundas durante o decorrer do século seguinte.

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Foram precisas poucas décadas para que o mapa europeu começasse a mudar significativamente. Em 1832, o Reino da Grécia torna-se independente do Império Otomano, depois de quase 400 anos de ocupação. A sua guerra pela independência contou com a ajuda marítima da Rússia, Grã-Bretanha e França, que facilitaram a vitória grega e cravaram o primeiro prego no caixão da presença otomana em território europeu, mas também serviram de rastilho para os problemas que se seguirão no território contestado dos Balcãs.

Em 1848, chamado simbolicamente como o ano da “Primavera dos Povos”, várias revoluções nacionalistas começaram um processo de mudança a nível europeu com resultados que só vingaram a longo prazo, pois muitas delas foram suprimidas com a mesma rapidez com que se desenvolveram. Estes princípios de revolução deixaram no entanto marcas profundas, era o despertar derradeiro do nacionalismo que ajudou a formar vários países que na Europa de hoje consideramos estados de pleno direito.

A Itália unifica-se através das campanhas militares de Garibaldi e a influência politica de Mazzini, anexando através de movimentos sociais, políticos e militares os pequenos e autónomos territórios da península, desafiando inclusive o poder papal, que acaba por ceder décadas depois, embora protegido de perto pelo exercito francês, o que cria inimizade entre ambas as nações.

A unificação alemã é também um momento de mudança, transformando os 39 pequenos estados germânicos, sob a alçada da Prússia, numa união que se tornou no Império Alemão. Este Império não se formou porém sem um clima de ódio acentuado entre nações. O grande estadista prussiano e responsável por esta unificação, Otto von Bismarck, iniciou um processo de unificação radical pela força através de alguma artimanha politica, que obrigaram a Dinamarca e a Áustria a declarar guerra à Prússia em 1864 e 1866, respectivamente. Destes conflitos a Prússia sai vitoriosa com um novo nome, a Confederação da Alemanha do Norte, anexando vários territórios e expandindo a sua influência. O último conflito desta unificação alemã é travado contra a França, que se encontrava no caminho dos interesses expansionistas prussianos. A Guerra Franco-Prussiana (1870-71) acaba da pior maneira com um cerco a Paris. Para piorar a situação, o novo Império Alemão é declarado em plena Versalhes e, os territórios da Alsácia e Lorena retirados a França, sendo anexados pela nova força politica. A humilhação provocada por esta guerra na nação francesa acaba por criar mais tensão na enorme caldeira europeia. Este novo Império Alemão causa ainda mais insegurança a outras potências, devido à natureza do seu desenvolvimento económico e à criação de uma frota marítima que ameaça os senhor dos mares, o Império Britânico.

O Império Alemão não é, no entanto, o único a surgir ou a expandir-se em território europeu. O Império Austríaco junta-se à Hungria em 1867, formando o Império Austro-Húngaro. Este império tem grandes interesses numa das zonas mais disputadas da Europa: os Balcãs. Depois da independência grega, outras revoltas e rebeliões de cariz nacionalista uniram em parte os povos eslavos, enfraquecendo a presença otomana no Velho Continente até ao início da Primeira Guerra Mundial. Do caos nos Balcãs surge a Bulgária, o Montenegro e a Sérvia.

Estas novas nações dos Balcãs servem como jogo entre os interesses dos principais impérios. O império Austro-Húngaro tenta utilizar as minorias que estão a seu favor para gerar o caos na região e lentamente aumentar a sua influência, temendo o nacionalismo sérvio que lhe poderia causar problemas maiores. O mesmo foi feito contra a Itália, o que causou rivalidade entre as duas potências. O Império Alemão tenta apoiar o Império Austro-Húngaro nestas suas manobras nos Balcãs, defendendo as intervenções do seu aliado sempre que necessário. Já o Império Russo dos czares optou por apoiar a Sérvia, incentivando o Pan-eslavismo, ou seja, a união dos povos eslavos. O seu objectivo seria conseguir assegurar uma ligação ao mar Mediterrâneo que poderia ser explorada economicamente, um interesse também partilhado pela Sérvia. Em contrapartida, o Império Britânico queria evitar este plano russo manifestando interesse na integridade do Império Otomano, ou no caso deste primeiro plano falhar, ajudar a Grécia a expandir-se. Os Balcãs são palco de conflitos sucessivos até ao início da Primeira Guerra Mundial, com a formação da Liga Balcânica em 1912, constituída por tratados unilaterais de cariz defensivo entre as novas nações balcânicas, num desejo de lutar directamente contra o Império Otomano. Unidos, estes estados pensavam conseguir fazer frente ao colosso turco!

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“África (1897)”

África é também um território em disputa, derivado das novas orientações colonialistas por parte das potências europeias. Entre 1884 e 1885, a Conferência de Berlim tenta reorganizar o mapa africano, (uma vez que tinha corrido tão bem em território europeu!). Infelizmente, os planos de cada potência colidem, causando problemas graves a várias nações, como por exemplo, o afamado Mapa Cor-de-Rosa Português, que levou o Império Britânico a apresentar um ultimato com consequências catastróficas para a monarquia portuguesa. Esta conferência beneficiou os grandes impérios com a sua expansão no continente. O Império Alemão ganhou alguns territórios em África causando rivalidade com outras nações. A França e Itália disputam  algumas regiões do Norte de África causando tensão constante até ao conflito mundial.

Com a crescente pressão entre nações e impérios, depressa foram constituídas alianças que partiram de interesses ou inimigos comuns. Estas alianças tinham um cariz, maioritariamente, defensivo e os diversos impérios ou nações comprometiam-se a ajudar os seus aliados, caso fossem alvo de algum ataque. Estas alianças equilibraram temporariamente os grandes impérios, que se receavam mutuamente, evitando temporariamente um conflito gigantesco em território europeu.

As potências centrais formam logo em 1882. a Tríplice Aliança constituída pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Esta Aliança tinha em primeira instância o objectivo de isolar França no lado ocidental da Europa. No entanto, a Itália não protegeria o Império Alemão de um ataque inglês. Este mesmo país acaba também por sair da aliança nas vésperas da Grande Guerra, através de um tratado secreto com França, que prometia total neutralidade caso o país ser invadido pelo Império Alemão. O Império Otomano compensaria esta perda com a sua entrada na aliança em finais de 1914.

As Alianças da Europa de 1914
As Alianças da Europa em finais de 1914

Em 1907, nasce a Triple Entente, uma aliança militar entre o Império Britânico, a Rússia e a França.  Esta aliança tinha ainda o contributo de tratados com outros países, nomeadamente o Japão e Portugal, no nosso caso devido a umas das alianças mais antigas do mundo, o Tratado de Windsor.

A crescente instabilidade na Europa fazia prever um grande conflito que depressa levou as potências a uma corrida às armas. A militarização levou a França e o Império Alemão a duplicar as suas tropas nas décadas anteriores à guerra. As rivalidades coloniais levaram também o Império Alemão e o Britânico a criarem, ou aumentarem a sua frota marítima.

Esta mesma instabilidade levou também à criação de planos de guerra, por parte das potências que permitissem um rápido fim de conflito, destruindo por completo os seus adversários. O famoso plano Schlieffen era uma medida de precaução do Império Alemão que preparava uma guerra em duas frentes, lutando contra a França e contra o Império Russo. O plano pretendia uma rápida movimentação de tropas para conquistar Paris, acabando o mais rapidamente possível com a ameaça francesa. De seguida, as tropas prosseguiriam para a outra frente para combater o Império Russo. Embora muitas das potências europeias envolvidas no conflito tivessem os seus planos bem estruturados e devidamente planeados, tendo em vista as suas alianças militares, foi o plano alemão que mais sucesso teve no início da guerra.

As sucessivas crises e provocações causaram acidentes diplomáticos em várias regiões, com grande destaque para a disputa entre França e o Império Alemão causada pela visita do Kaiser Wilhelm II a Marrocos. Este acidente diplomático envolvendo o líder máximo do Império Alemão causou uma maior união entre as forças da Triple Entente. Já a anexação da Bósnia-Herzegovina pelo império Austro-Húngaro, provocou ira nos sérvios devido à percentagem de eslavos a viver nesse território. O Império Russo, numa situação política complicada e precária para começar uma guerra, cedeu à pressão alemã, resolvendo não actuar sobre esta nova anexação do Império Austro-Húngaro. Esta humilhação, no entanto, não ficaria esquecida!

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A Europa de 1914 é, como já foi referido, uma caldeira prestes a rebentar. Bastaria um simples acontecimento de maior importância para que, de um momento para o outro, o continente europeu, e todo o Mundo, estivesse envolvido numa guerra em larga escala. Esse acontecimento ocorreria no dia 28 Junho de 1914, quando o herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro Francisco Fernando visita Sarajevo, a capital da Bósnia é brutalmente assassinado, por um grupo de estudantes nacionalistas sérvios. O Império Austro-Húngaro envia um ultimato à Sérvia, que surpreendentemente concorda com a exigências austríacas. A Tríplice Aliança, que esperava por um casus belli, encontrou-o neste assassinato e por isso ignorou a aparente boa vontade dos sérvios, declarando guerra um mês depois, a 28 Julho de 1914.

O Império Russo organiza uma grande mobilização de tropas para defender a Sérvia, que é rapidamente condenada e alvo de um ultimato por parte do Império Alemão, tal como a França, que é convidada a manter-se neutral através de outro ultimato alemão. Nenhuma das duas potências da Triple Entente cede ás exigências alemãs sendo assim declarada guerra a ambas. A tensão atinge o seu auge quando o Império Alemão exige à Bélgica que permita a passagem das suas tropas pelo território, de forma a facilitar a ofensiva em território francês. A Bélgica mantém-se neutral e recusa a exigência, sendo invadida e levando o Império Britânico a declarar guerra ao Império Alemão.

Com esta última declaração de guerra um dos conflitos mais mortíferos da História começa! E com ele novas maneiras de fazer guerra e combater no terreno. Um conflito que mobiliza cinco continentes através dos seus intervenientes, quer por alianças que juntam nações geograficamente longínquas, como pelo legado colonial que arrasta colónias para o meio do conflito.

Na próximo mês, o Ideias e Opiniões abordará o inicio do conflito, explorando a maneira como se desenvolveu e de que modo modificou o mundo…

Algumas referências úteis:

Gilbert, Martin (2014), The First World War, Nova Iorque, RosettaBooks

Lindemann, Albert (2013), A History of Modern Europe: From 1815 to the Present, Nova Jersey, Wiley-Blackwell

Stallings, Laurence (1933), The First World War: A Photographic History, EUA, Simon & Schuster

Histórias inéditas e histórias oficiais da Primeira Guerra Mundial. (n.d.). Acedido a 27 Junho de 2016 em http://www.europeana1914-1918.eu/pt