Prioridade à direita, ó fáchavôr!

As regras são para cumprir, mas as pessoas tendem a querer contrariar as regras de uma forma autoritária e, por vezes, de uma forma estupidamente inconsciente. Um ser humano dito normal, a menos que o pai seja amigo de copos do instrutor da escola de condução, tem de passar por duas fases até adquirir a carta de condução, para ficar habilitado a pegar num carro e varrer velhinhas nas passadeiras. Primeiro é necessário passar no código da estrada. Saber as regras é essencial para que seja bem sucedido. Habitualmente, toda a gente fixa rapidamente as regras do código da estrada e passa no exame à primeira tentativa. Depois, é a vez de se pegar no volante e provocar verdadeiros ataques cardíacos ao instrutor de condução. Mas com as aulas a malta costuma acertar no processo e acabar por passar no exame de condução após emborcar um cálice de vinho do Porto antes de sair de casa para afastar os nervos. Isso, para os comuns dos mortais. Para outros basta que o pai seja amigo de copos de longa data do examinador. São as chamadas “maroscas de uma sociedade corrupta”. Mas adiante.

Após a obtenção da carta de condução tudo muda. Tudo se altera no processo de condução e até na mera interpretação do código da estrada. Sem o examinador a controlar as mil e uma asneiradas que se faz na estrada, o lema passa a ser “salve-se quem puder”, onde a lei do mais forte passa a imperar. O denominado “chico-espertismo” passa a ser regra e todos temos que nos adaptar para sobrevivermos às loucuras que acontecem na estrada. Como se, de repente e assim que se pega no carro na primeiríssima vez após obter a carta de condução, uma espécie de ser faminto por infringir regras tomasse conta das pessoas e as obrigasse a ser aquilo a que podemos apelidar de “verdadeiras bestas”.

Por motivos de força maior (ou como quem diz, para ter dinheiro para alimentar a família), tenho de passar várias horas por dia na estrada, em trabalho. E, para além das inúmeras acrobacias rodoviárias de colocar as mãos na cabeça (mas só quando estou parado, porque com a viatura em andamento nunca, reforço, nunca retiro as mãos do volante…), existe uma falta de respeito por uma regra simples de trânsito que me tem afligindo cada vez mais. Existem certas pessoas, perdão, grandessíssimos energúmenos, que não sabem o que é uma “aproximação de estrada com prioridade”. Estas pessoas, perdão, verdadeiras bestas, apesar de terem um sinal vertical e até um enorme triângulo estampado no asfalto, tendem em ignorar por completo esses dois “avisos” e avançar destemidos. Por vezes, acabo por ter a sensação que o fazem de olhos fechados e a assobiar para o lado. Constato, também, que essas mesmas pessoas, perdão, energúmenos, perdão, bestas, não admitem sequer serem chamadas à atenção por terem ignorado um sinal de trânsito e partem imediatamente para os insultos e ameaças — mas sempre de olhos fechados e a assobiar para o lado.

Penso que não valerá aprofundar muito a questão da “prioridade à direita”, pois isso já nem se coloca em prática. Existem pessoas que, face à ausência de sinais luminosos devido a avaria, entram automaticamente em modo sobrevivência. Como se dentro dos seus cérebros disparasse uma regra geral de que todos os outros carros são seus inimigos e o melhor a fazer é avançar destemidos encontrando-se à direita, à esquerda, atrás ou à frente. O pensamento, regra geral, é:

“Queres passar primeiro que eu é? Querias! Agora aguentas! Só tens é de esperar!”

O problema é que, na maioria das vezes, nesse tipo de situação todos pensam de forma igual e a coisa acaba por correr mal. Peço a Deus para que nunca existam sinais luminosos e prioridades à direita no tráfego aéreo, pois fechar os olhos e assobiar para o lado lá em cima só funciona quando temos de despejar o autoclismo e ouvir aquele barulho assustador de sucção a vários metros de altitude…