Profissão: Negacionista Profissional

A vida de negacionista, ao contrário do que se possa pensar, é muito difícil e exige muito trabalho. Para comprovar esse facto, segue-se uma espécie de explicação por parte de uma pessoa que se orgulha de fazer do negacionismo a sua profissão depois do surgimento da pandemia Covid-19:

“O meu nome é Asdrúbal e sou aquilo a que se pode denominar por Negacionista Profissional. Ao contrário do que a maioria das pessoas possa pensar, a minha profissão é muito difícil porque exige muitíssimo de mim mesmo. Sempre fui um negacionista desde que me lembro, por isso, desde muito cedo que decidi abraçar esse meu dom e instruir-me o máximo possível para que, no futuro — daqui a muitos anos! —, seja lembrado como uma espécie de “Cristiano Ronaldo da negação”. Mas nunca consegui ter um tema especial que abrangesse toda a humanidade e que me desse a possibilidade de demonstrar este meu dom. Bem, isso agora mudou com a Covid-19. E desde que a treta desta falsa pandemia surgiu, que finalmente tenho tido a oportunidade para colocar todo o meu negacionismo em prática. Mas confesso que têm sido dias muito difíceis e de muito trabalho. O meu dia começa bem cedo, quando acordo por volta do 12h00 (o que é um crime, ninguém deveria acordar tão cedo para trabalhar!) e a primeira coisa que faço é ir para a casa-de-banho com o iPhone que a minha mamã ofereceu-me no Natal passado, depois de vender um rim só para me satisfazer e ajudar-me no meu trabalho, onde fico sentado na sanita a ler as notícias do dia até à 13h00 — hora a que, habitualmente, a minha mamã tem o almoço pronto. Depois de almoço escarrapacho-me no sofá e aproveito para analisar tudo o que se passa relacionado com a Covid-19 naquele dia. Assim que anunciam o número de casos e mortos, principia-se o meu ataque nas redes sociais, mais especificamente no Facebook. Atiro doses industriais de negacionismo puro e duro acerca da Covid-19 e das medidas do governo para combater esta falsa pandemia da treta, criando “posts” com fotos de estatísticas de outros anos atrás, relativamente à gripe. Depois de um lanche feito, lá está, pela incrível mamã que eu tenho, decido voltar a destilar ódio e negacionismo puro e duro, comentando essencialmente “posts” no Facebook daqueles que pedem para usarmos máscaras e ajudarmos os médicos e enfermeiros que estão nos hospitais a lutar contra este “assustador” (Bah!) vírus. Depois de jantar — deixe-me aqui elogiar a capacidade da minha mamã na cozinha — fico ali umas horas a criar novamente alguns “posts” onde tento incutir nas pessoas o negacionismo de que o Coronavírus não passa afinal de uma simples gripe. À noite, depois de um chazinho e torradinha com que a minha maravilhosa mamã decide levar-me à caminha, opto então por fazer o papel de vítima nas redes sociais, dizendo que estou desempregado e a viver na casa dos meus pais aos 40 anos de idade devido às ideias mirabolantes do nosso governo que, perante uma gripezinha, decide fechar tudo. No final da noite, acabo por adormecer com o sentimento de que foi mais um dia produtivo e enriquecedor do meu dom do negacionismo. E que, daqui a uns anos, todos se irão recordar do “Asdrúbal, o Negacionista Profissional” que acabou por falecer um dia, no hospital, agarrado a um ventilador por ter andado sem máscara em manifestações contra o governo. Mas a vida de um negacionista profissional é assim mesmo — repleta de riscos e aventuras…”

Peço desculpa ao leitor pelo meu pequeno lapso, pois não fiz a pergunta mais importante ao caro Asdrúbal, sobre quem é que lhe depositava o vencimento resultante do exercício das suas funções como “Negacionista Profissional”. Mas penso que a sua mamã poderá responder perfeitamente a isso…