Prometes que ficas comigo na velhice? – Sandra Castro

Um dia desta semana, um cliente por quem nutro muito carinho, sentiu-se mal e chamaram os paramédicos à sua residência. Quando saí do trabalho desloquei-me ao local para saber se ele estava melhor, e também se ele e a sua esposa precisavam de alguma coisa. Ele estava bem, foi apenas uma quebra de tensão. Ela continuava nervosa, com a falta de ar que já a acompanha há vários meses e,  que lhe limita os movimentos e consequentemente, os dias e o bem-estar.

E lá estava eu, sentada na cama deles, com a minha mão sobre a mão dela, aquela senhora que me conseguia fazer rir as gargalhadas com a sua forma de falar. Quando os vi assim, cansados, exaustos, tristes com a vida, com a má sorte da velhice e da doença…foi aí que me lembrei de nós os dois.

Lembrei-me do dia que te conheci, de termos cruzado olhares aquando da minha chegada à associação. Quando olhei para ti, só vi o azul intenso e brilhante dos teus olhos. Não consegui te tirar mais da cabeça…tinha 16 anos e tu 19.  A primeira coisa em que pensei foi que ias ser meu, fosse de que maneira fosse, mas que fosse rápido.

Lembro-me de estar com a Susana e tu chegares ao pé de nós e perguntares: “Não me apresentas à tua amiga?” E ela: “Claro que sim! Sandra, este é o Rui. Rui, esta é a Sandra”. E ela comentar: “Olha que ela tem namorado”. E tu responderes: “Eu não sou ciumento”.

Lembro-me da tua tia, de cigarro na boca e a falar perto da janela, me dizer que eras um bom partido, trabalhador, honesto, meigo, romântico, boa pessoa. A expressão dela: “Não é por ser meu sobrinho, mas ele é mesmo isto tudo que te estou a dizer e, há aqui um problema, ele esta caidinho por ti”, e eu a imaginar nós os dois juntos, enquanto uma corrente eléctrica me incendiava o corpo e a mente.

Tu apaixonaste-te por mim e eu por ti, lutaste por isso (nunca me esquecerei da rosa no palco) e mereceste o troféu, mas na realidade eu já era tua muito antes de nos termos cruzado, é o destino, tu sabes.

Passamos por tanta coisa, erramos tanto um com o outro, mais do que erramos com as outras pessoas, é fácil magoar quem amamos. O tempo não volta para trás, mas devia.

Ainda não sei lidar com a tua ausência, eu tento mas não consigo! Não consigo ser como outras mulheres, que se acomodaram a estar dias e meses sozinhas, porque o marido trabalha longe. Já passaram alguns anos, já devia ter me habituado à ideia, mas sou tão inquieta mentalmente que não consigo. Serei demasiado ciumenta? Serei demasiado possessiva? Claro que sim! Gosto de ti…não te quero partilhar com ninguém. Mas isso é inevitável e, a maturidade que consegui alcançar depois de muitas lágrimas, foi uma ajuda preciosa para perceber esse facto.

Não gosto que me digam que sou bonita, estou sempre em estado carencial de afectos, não quero esse tipo de confusões por estares longe de mim.

Tenho muitas saudades tuas amor. Os dias passam a correr, mas as noites são tão solitárias. Magoa-me ir tomar café com os amigos sem ti, magoa-me ir aos aniversários sem ti, magoa-me ir à praia com os miúdos sem ti…

Fico ansiosa que chegue o dia em que te vou sentir…quando estás comigo sinto-me segura e feliz, sinto que posso atravessar uma estrada de picos que nada de mal me acontecerá porque estou contigo! Vê-se o brilho nos meus olhos quando estás comigo, o sorriso, a forma extasiada e relaxada em simultâneo que a tua presença me provoca.

E custa-me tanto estar sem ti…porque os dias vão passando, os meses, os anos e nós os dois,  deixamos para trás muitas horas sem nos ver. O telefone não me chega, as mensagens não me contentam, o que eu quero realmente é estar contigo! E a vida vai passando por nós com muito ainda por gozar e, muito que já não será gozado. O tempo é um merdas para nós.

Por isso me revi naquele casal que eu adoro, imagina nós, doentes numa cama, os miúdos já bem graúdos, a vida já gozada.  Ainda tenho tantos planos para nós…pequenas coisas que ambos adoramos. E a nossa vida está a passar tão rápido.

E quando já não conseguirmos fazer amor? E quando o meu corpo perder a tonicidade? E quando alguns amigos nossos já tiverem falecido? E os nossos pais também? E quando já não conseguirmos ir dançar? Fazer as nossas caminhadas? Comer o nosso kebab e o nosso sincelo?Como vai ser amor? Prometes que ficas comigo na velhice?

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense