Público vs. Privado

Creio que há muita confusão entre o que é do âmbito público e do âmbito privado. E isso gera conflitos.

Por exemplo, a questão do financiamento pelo Estado dos estabelecimentos de ensino privados. Eu não sou totalmente contra, mas tendo em conta os parcos recursos de que o Estado dispõe, penso que a prioridade e o foco deve ser na melhoria e manutenção da rede pública. Onde não existir escola pública ou onde a mesma não tiver condições para potenciar a aprendizagem das crianças, o Estado deve financiar por não conseguir cumprir a sua tarefa, como acontece, por exemplo, ao nível do apoio social com o financiamento de misericórdias e IPSS.
Quando vejo algumas pessoas – algumas delas, deputadas na Assembleia da República – dizer que os pais deveriam poder escolher entre colocar os filhos a estudar no público ou no privado, eu concordo. Mas devem assumir a consequência da sua decisão: se escolherem a escola privada, devem arcar com os custos dessa escolha. Não deve ser o Estado – isto é, todos os contribuintes – a pagar por essa decisão.

Outra situação que vi ontem foi uma noticia da RTP que dizia que a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) usa um número de apoio de valor acrescentado. A AT tem uma linha 707, apelidada pela ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) de “serviço de acesso universal” e “caracterizam-se por permitirem o acesso, sempre da mesma forma e com o mesmo preço, de qualquer ponto do país, a um determinado número”, sendo o valor máximo da chamada regulado pela referida autoridade. Ora, a linha da AT custa € 0,10 + IVA, por minuto, da rede fixa ou € 0,25 + IVA, por minuto, da rede móvel, faturado ao segundo após 1.º minuto, enquanto que as verdadeiras linhas de valor acrescentado – o 760, por exemplo, que a RTP (que lançou a noticia) usa nos passatempos televisivos – custam pelo menos € 0,60 + IVA.
A reportagem mostra o bastonário dos TOC a dizer que a linha devia ser gratuita. Eu discordo e explico porquê: para além de se saber que, com linhas gratuitas, as pessoas ligam por tudo e qualquer coisa – até mesmo quando têm a informação “na frente do nariz” mas não se dão ao trabalho de ler, a AT é uma instituição do Estado e não uma empresa particular. A AT não tem/responde a clientes, mas sim a contribuintes (ou utentes, como diz o site), ou seja, a todos nós. E eu não acho que todos os contribuintes devam pagar por uma percentagem de pessoas que não quer ler as instruções. E mesmo que leia as instruções e não entenda, tem sempre as repartições de finanças (e muitas delas também dão informações pelo telefone).

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990