Quando a Natureza ama a ficção – Francisco Duarte

E mesmo mais tarde houve circunstâncias quase misteriosas da natureza a imitar a Arte.”

Arthur C. Clarke

NOTA: Crónica cheia de “spoilers” para filmes e livros.

Lembro-me que a primeira vez que tive noção dos modos certas vezes perturbadores em como a realidade imita a ficção foi ao ler as notas finais do livro “2010: a segunda odisseia” de Arthur C. Clarke. Quando escrevera a obra original, “2001: odisseia no espaço”, livro que serviria de base para um filme de Stanley Kubrick, o autor de ficção-científica colocara o encontro final entre a humanidade e o monólito misterioso numa das luas de Saturno, Jápeto. Na obra ele descrevera a lua como sendo uma esfera negra com um dos hemisférios “pintados” de branco. Uma curiosidade que serviria bem o enredo da obra.

Evidentemente que Clarke assumiu o curioso facto como uma simples produção da sua mente, e raras vezes pensou no mesmo desde então. Até que as sondas Voyager alcançaram o sistema de Saturno, no início dos anos 80. E heis que o próprio Carl Sagan envia uma das fotografias a Clarke, rotulada “a pensar em ti”, mostrando um Jápeto branco e preto.

Uma coincidência curiosa, mas que fez Clarke ponderar as formas curiosas como de certa maneira a Natureza imita a Arte. Apesar de este exemplo ser algo fruto do acaso, nem sempre é essa a situação.

Coincidências “propositadas”

O caso torna-se mais inquietante, de certo modo, quando falamos de eventos na nossa Terra, certas vezes de eventos de natureza histórica. Em “Her name will be Faith”, escrito por Christopher Nicole in 1988 um furacão, neste caso de classe 5 – uma besta em termos relativos – atinge Nova Iorque e causa danos extensos na cidade. Apesar de casos de tempestades tropicais atingirem a região não serem inéditos, a chegada do furacão Sandy em 2012 certamente que me fez pensar no “impossível” dessa antiga novela.

Ainda há pouco tempo o filme “Temos Papa” de Nani Moretti finalizava com a resignação do recém-escolhido papa. O próprio realizador foi quem veio dizer que o seu filme de certo modo previu o que sucedeu há poucos dias. Bento XVI foi o primeiro Papa a resignar desde Gregório XII em 1415 e admitiu que o fazia por motivos de saúde. Uma declaração razoável, até termos em conta que todos os Papas entre ele e o último a resignar ficaram na Cadeira até à sua morte.

Certamente que haverá outros motivos dos quais dificilmente saberemos quaisquer detalhes, mas o reinado de Bento XVI foi marcado por sucessivos escândalos que certamente tornaram a posição do Papa politicamente insustentável. Talvez a esperança seja que esta posição limpe, de algum modo a imagem da Igreja. Afinal, o próximo escolhido terá que ter uma imagem mais simpática junto do público e, talvez, fazer esquecer todas as crianças abusadas e abusos de poder ao longo dos tempos.

Sendo as pessoas como são, infelizmente, acredito que será esse o resultado último. Ainda para mais numa sociedade que parece esquecer-se cada vez mais de responsabilizar as pessoas pelos seus erros.

Contos de acautelamento

Numa nota mais ligeira, gostaria ainda de referir uma outra curiosidade. O videojogo “Command and Conquer: Generals” tem como tema uma organização terrorista internacional formar um exército que coloca países em diversos pontos do mundo de joelhos, obrigando o Estados Unidos e a China a moverem-se para os enfrentar nos seus termos.

Evidentemente que quando o jogo saiu as forças armadas americanas estavam já envolvidas no Afeganistão, mas a ideia de exércitos ocidentais e perseguirem forças organizadas e na ofensiva para criarem “espaços vitais” no centro Africano não deixa de me relembrar da campanha (algo ligeira e em tom de paródia do que se passava no mundo real então) deste videojogo.

Evidentemente que tais coincidências não se dão apenas por acaso. Quando se escreve uma história existe sempre a tendência de beber das realidades e preocupações do mundo em que se vive. Quando se tenta prever ou criar o futuro vai-se sempre tentar imaginar para onde as cosias caminham e, às vezes, lá se acerta no alvo, como se costuma dizer.

No fundo este tipo de contos tentam precaver o que poderá vir a suceder, talvez avisar as pessoas dos perigos e problemas de se caminhar numa dada direcção. Infelizmente os avisos tendem a ser completamente ignorados como “simples ficção” e quando a surpresa atinge os envolvidos há-de sempre haver aqueles que pensam “eu sabia!” ou “já vi isto em algum lado.”

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso