Quando o telefone toca e….é engano!

Que os pré-adolescentes e os adolescentes de hoje em dia têm o mundo nas mãos já nós sabemos. Mas o que também sabemos é que existe algo que eles nunca conseguirão perceber ou sentir: a essência dos anos 80 e 90. E sendo eu um filho do épico ano de 1990 (e tendo consequentemente vivido toda a década de 90) sei bem do que falo. E aquilo que compõe a magia de uma década não é apenas a roupa que vestíamos, a música que ouvíamos, os programas de televisão que víamos ou os locais que frequentávamos. É também as pequenas coisas como os produtos alimentares entretanto desaparecidos ou as chamadas que recebíamos por engano. E é precisamente sobre este último tópico que me debruço no “Desnecessariamente Complicado” desta semana.

E até eu estou em desvantagem neste tema quando comparado com os filhos dos anos 70 e 80 visto que cresci a ouvir histórias fantásticas de linhas cruzadas, ou seja, de conversas paralelas com pessoas que não conhecíamos de lado nenhum. Esta foi também a “era de ouro” das partidas por telefone: se por um lado os preços baixaram e permitiram a muitas famílias comprar um telefone fixo por outro a verdade é que era praticamente impossível localizar (ou apresentar queixa) de quem quer que fosse. Tudo isto abriu caminho para uma série de partidas (absolutamente épicas diga-se de passagem) que divertiram crianças e adultos por esse país fora! E são estas pequenas coisas que me fazem ter inveja de quem teve a oportunidade de viver nos anos 80 (apesar de terem sido muito menos épicos confesso que amo os “meus” anos 90).

Mas os anos 90 foram, muito provavelmente, o auge das chamadas feitas para pessoas que não aquelas que queríamos inicialmente. Os telemóveis estavam no seu início e apesar do preço ser elevado toda a gente queria ter um exemplar. Passados apenas uns dois anos já o fenómeno dos telemóveis se tinha espalhado por tudo e todos. E digamos que os telemóveis foram demasiada tecnologia para absorvermos tão depressa (ou pelo menos para algumas pessoas absorverem tão depressa).

Conclusão? Começou a ser frequente recebermos chamadas de números que não conhecíamos (por vezes números privados), atendermos e a resposta ser: “Estou sim? Estou a falar com a Dona Margarida? Não? Tem a ser certeza que não há aí nenhuma Dona Madalena? Ora bolas, sendo assim foi engano. Peço desculpa pelo incómodo, obrigado e com licença”. Claro que o exemplo que eu dei foi de alguém extremamente educado, o que era raríssimo acontecer. O habitual era a outra pessoa jurar a pés juntos que tinha marcado o número correcto e que, como tal, nós tínhamos de ser o Tó Jó. E por mais que lhe disséssemos que não ele continuaria a embirrar, até por fim dar o braço a torcer e desligar. Obviamente que desligava de forma bruta e repentina e sem qualquer tipo de educação. Enfim, pessoas que precisavam de aulas de boa educação e respeito pelos outros.

Mas estou a abordar este tema para vos contar da minha experiência pessoal com chamadas deste tipo. Ao longo da minha vida recebi um bom par de chamadas por engano, principalmente no final dos anos 90/início dos anos 2000. E de todas as chamadas uma destaca-se pelo bizarro da situação. Eu era adolescente, devia de ter os meus 12/13 anos de idade e estava sozinho em casa. Tinha recebido o meu primeiro telemóvel há muito pouco tempo (telemóvel esse contendo uma capa amarela do Pikachu) e sentia-me a pessoa mais fixe do mundo.

E numa bela tarde em que estava sozinho em casa recebo uma chamada de um número desconhecido. E assim que atendi percebi que era engano dado que a senhora disse: “Filho, é a mãe, como estás? Está tudo bem?”. Ora dado que eu tinha o número da minha mãe gravado na memória do telemóvel aquela chamada só podia ser engano. E depois de ter percebido isto em poucos segundos pensei: “E se em vez de dizer que é engano fosse na conversa e tentasse fazer-me passar pelo filho desta senhora?” Claro que era quase impossível levar aquela brincadeira avante dado que a senhora iria perceber que eu não era o seu filho, mas porque não tentar?

Ora depois de uns segundos de silêncio para poder concluir todo o raciocínio que puderam ler acima respondi à senhora: “Olá mãe, está tudo bem e contigo?”. E para espanto da minha parte ela continuou a conversa, ou seja, não tinha percebido que não estava a falar com o seu filho! “Também filho, está tudo bem. Olha, sempre foste à universidade buscar os livros?”

Portanto, como se não bastasse estar a fazer-me passar por uma outra pessoa descubro que essa pessoa anda na universidade. Sim senhor, bonito serviço! “Claro que fui mãe, se eu te disse que ia à universidade buscar os livros é porque tinha intenções em lá ir, não é? Alguma vez eu te falhei?”

E se ele fosse um mau filho? E se se metesse nas drogas ou em negócios esquisitos? E se ele lhe falhasse constantemente? Quantos mais minutos passavam mais perguntas eu tinha. Como raio ia eu sair desta alhada? Teria sido muito mais simples dizer que era engano e pronto, já está.

“Não filho, não é isso que eu estou a dizer, perguntei apenas por perguntar. Olha estás em casa?”. Ok, finalmente uma pergunta simples: “Sim, estou em casa. Se estivesse na rua estarias a ouvir o barulho dos carros e das pessoas…”

Aqui pude respirar fundo dado que a conversa parecia caminhar para o final. “Pois é, tens razão, faz sentido. Olha, já estou a caminho de casa, não devo demorar muito ok?”

Agora restava-me não complicar e tentar acabar a chamada o mais rapidamente possível, mas sem dar nas vistas: “Ok, mãe, vem com cuidado. Até já, beijinhos!”

Dito isto ela também se despediu e a chamada terminou. Finalmente respirei fundo. Todo eu tremia. Não sei bem porquê, mas tremia que nem varas verdes. E aquilo que começou por ser uma divertida partida para enganar uma insuspeita senhora acabou por ser uma verdadeira dor de cabeça.

A lição ficou-me para sempre: daí em diante sempre que recebia uma chamada por engano dizia apenas que era engano e desligava, pedindo respeitosamente desculpa.

Nos dias de hoje é raríssimo recebermos chamadas por engano. Não sabem os jovens o que perdem não é caríssimos leitores?

Boa semana.
Boas leituras.