Quem quer ver, vai deixar de poder – Amílcar Monteiro

Numa entrevista recente, António Borges admitiu que o encerramento RTP2 «é quase inevitável porque é um serviço que custa extraordinariamente caro» e que é prestado «para uma audiência muito minoritária». Até que enfim! Finalmente, vão acabar com a RTP2. Já não suportava mais esse canal demoníaco que insistia em aparecer no écran da minha televisão e forçava-me a ver e ouvir temáticas que exigem pensar.

Eu concordo em absoluto com o António Borges. Faz todo o sentido encerrar a RTP2, porque a verdade é que quase ninguém vê esse canal. Portanto, de que adianta gastar dinheiro com um serviço em que apenas alguns gatos pingados estão interessados? Aliás, na minha opinião, era acabar com tudo aquilo a que a maior parte das pessoas não ligam, pois se tal acontece é porque, obviamente, tratam-se de coisas sem qualquer valor. Devíamos fechar museus e teatros, dissolver os partidos políticos com menos representação, fuzilar os sem-abrigo, cessar a investigação de doenças raras e, de uma vez por todas, acabar com princípios e valores.

E já não consigo suportar a conversa daqueles que diziam que a RTP2 é o único canal que ainda faz algum serviço público. Isso é uma absoluta mentira. Senão vejam: os filmes que passam não têm acção nem sexo; a música que dá a conhecer não tem coreografias elaboradas nem mulheres semi-nuas; os programas de entrevistas têm pessoas que se põem a falar de coisas muita esquisitas, com palavras estranhas que ninguém entende; e chega ao cúmulo de ter um programa associado com uma universidade, em que os alunos – puros amadores – é que participam! Vejam bem o ridículo!

Ou seja, os conteúdos transmitidos por este canal não interessam a ninguém e, como todos sabemos, o serviço público é definido por aquilo que a maioria quer ver. Especialmente num país diferenciado como o nosso, onde todos têm uma boa educação de base, uma sensibilidade elevada e, acima de tudo, uma situação financeira estável que permite que cada pessoa tenha tempo para se cultivar sem preocupações. Assim sendo, apenas por negligência crassa ou por uma má vontade atroz, é que nunca se pôde assistir, na RTP2, a um reality show, a um programa da tarde onde se explora a desgraça alheia e se comenta a vida dos outros, ou mesmo a um programa onde uma burlona inglesa mantém conversas com espíritos.

Para além de tudo isto, fico ainda mais contente por saber que um serviço caro e inútil como este vai ser encerrado pois, certamente, isso vai fazer com que eu pague menos de taxa audiovisual. E com esse dinheiro, posso finalmente começar a concretizar o meu sonho: abrir uma empresa de incineração de livros.



Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
Visite o blog do autor: aqui