Quente & Frio – Bruno Neves

Quem, como eu, cresceu nos anos 90 desfrutou de uma liberdade só possível graças ao facto de a internet só chegar em força uns bons anos depois. Os computadores eram caros, a internet era lenta e também ela estava acessível apenas para alguns lares. E, para quem cresceu no início dos anos 90, isso não era um problema porque não sabíamos bem o que era a internet e porque não conhecíamos as suas potencialidades. Era algo de completamente novo e diferente que com o passar do tempo teve um desenvolvimento totalmente inesperado e que superou as expectativas de tudo e todos!

Estávamos portanto habituados a viver sem a internet e não passávamos horas infindáveis em frente a um ecrã de computador. Passávamos todo o tempo que pudéssemos ou em casa de amigos (ou recebíamos os amigos na nossa própria casa) ou na rua a fazer mil e uma coisas, normalmente disparates.

Uma das brincadeiras mais popular era o “Quente & Frio”! Para quem não está familiarizado o conceito é bastante simples: algo era escondido em alguma parte da casa (ou da rua, dado que nem sempre o jogo acontecia em casa) e quem tinha escondido o objecto dava indicações aos restantes em formato de temperaturas. Que é como quem diz “quente” para quando estavam próximos e “frio” para quando estavam longe.

Parte da magia do jogo estava na esperteza no momento de esconder o objecto e na destreza e rapidez no momento de o encontrar. Mas era igualmente vital a forma como prestávamos indicações sobre a distância a que se encontravam do objecto! Porque para além do “tradicional” quente e frio mais expressões eram utilizadas, como por exemplo: “Tá tipo iceberg. Agora parece uma pedra de gelo. Agora estás mais perto, está “só” gelado, ligeiramente frio, agora tá morno. Está a ficar quente…está ainda mais quente. Está a escaldar!”

E agora que já consegui encontrar o vosso interruptor da nostalgia e o botão da saudade vamos à parte que ninguém quer admitir: a batota.  A batota era abundantemente praticada por todos, a pontos de ninguém reclamar dado que todos a fazíamos a certo ponto! Neste jogo em particular era bastante fácil desnortear os adversários e fazê-los andar às voltas até chegarem ao destino pretendido.

Em criança/adolescente a imaginação e a capacidade de improviso está ao máximo e foi fazendo uso dessas habilidades que um dia aconteceu o jogo de “Quente & Frio” mais original de sempre! Eu morava no rés-do-chão enquanto que um dos meus amigos morava imediatamente por cima, sendo que eu possuía um quintal de dimensões reduzidas (mas com a medida certa para valentes tardes de brincadeira e correria) e o meu amigo uma janela de amplas dimensões virada para o meu quintal! Certo dia nem eu podia ir a casa do meu amigo, nem ele podia vir à minha (o motivo não me recordo, mas não interessa para o caso em questão), contudo eu podia estar no quintal e ele podia estar à janela.

Obviamente que aproveitámos essa lacuna para fintar os nossos castigos e ter uma animada tarde de brincadeira! Mas não havia objectos para esconder, por isso como bons portugueses que somos, improvisámos e adaptámos o jogo a nosso belo prazer. O objectivo passou a ser descobrir qual flor ou planta escolheu o adversário. Pequena adaptação que nos conduziu a belos momentos de diversão. Naturalmente que houve espaço para a batota e para a aldrabice, mas à época nenhum de nós se importava verdadeiramente com isso: perder um jogo era motivo para nos aplicarmos a dobrar no seguinte.

Posta esta descrição que tal irmos todos ali para a Expo e fazermos uma mega sessão de “Quente & Frio”? Eu alinho, aliás já estou a caminho e tudo! Não se atrasem, levem objectos que possamos esconder e nem pensem em fazer batota senão levam um calduço!

Até pra semana gente bonita!

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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